24 Setembro 2013
Intitula-se Le sorprese di Dio. I giorni della rivoluzione di Francesco [As surpresas de Deus. Os dias da revolução de Francisco] o livro em que Aldo Maria Valli, para a editora Ancora, reconstitui os primeiros meses do pontificado do Papa Bergoglio. Do livro, publicamos o capítulo introdutório, constituído por um diálogo entre Valli e o prior de Bose, Enzo Bianchi.
O texto foi publicado no sítio Vino Nuovo, 19-09-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Então, caro Enzo, parece realmente que, com Francisco, o ar mudou...
Sim, temos a impressão de uma primavera. Eu não me esqueço de que eu vivi uma primavera da Igreja e na Igreja quando eu tinha 20 anos, com João XXIII, e ver agora outra primavera, na minha velhice, parece-me um dom extraordinário. Estou particularmente feliz por ver que há uma primavera para a Igreja e paras as Igrejas.
O mosteiro de Bose, fundado por ti, é lugar ecumênico e por lá passam representantes de confissões cristãs diferentes. Quais são hoje os grandes desafios para os cristãos no mundo?
Eu acredito que nós, cristãos, todos, temos uma grande tarefa: dar uma palavra de esperança para os homens de hoje. Estamos vivendo uma terrível crise de confiança. Não há confiança entre os homens, não há confiança no futuro, não há confiança nesta nossa terra, não há confiança na necessária convergência para a vida da polis. Os cristãos podem e devem ajudar a reencontrar a confiança. Se os cristãos quiserem, podem fazer crescer a confiança em toda parte, podem ajudar a sair da desconfiança que paralisa, para construir pontes juntos, um novo mundo. Os homens de hoje precisam disso, ainda mais do que das exortações e dos ensinamentos de ordem moral. Estes também são importantes, mas vêm depois. Antes é preciso retomar a confiança uns nos outros.
E a partir desse ponto de vista parece que Francisco está fazendo um grande trabalho. As pessoas que participam dos seus encontros vão embora com a serenidade no coração e estão mais disponíveis para os outros. Francisco dá alegria e um sentimento de fraternidade...
Sim, Francisco consegue comunicar a confiança, ou ao menos assim pareceu na primeira parte do seu pontificado. Eu sempre digo que, se um homem pudesse dizer sobre mim, cristão, que, depois de ter me encontrado e de ter me conhecido recebeu mais confiança e uma convicção mais forte de que a vida é um grande dom, isso já seria um resultado decisivo. Rezemos por Francisco, pela sua missão, para que continue nos dando confiança.
Que impressão te causou a viagem de Francisco a Lampedusa? Qual é o seu significado? E nós realmente o entendemos?
Foi um gesto profético. A primeira viagem apostólica foi uma peregrinação ao santuário dos últimos, àquele mar que engoliu milhares e milhares de pobres e perseguidos que estavam indo atrás do pão e de uma terra de liberdade. O sonho deles encontrou naquele mar até mesmo o rosto de outros homens que invocavam a possibilidade de rejeitá-los pela força! Que barbárie. A qual discriminação nós, europeus, chegamos, mas principalmente nós, italianos, pessoas que conheceram a mesma condição de migrantes em busca de pão! O Papa Francisco, mesmo sem muitas palavras, nos jogou na cara o nosso egoísmo e a nossa indiferença. Ele nos perguntou: "Vocês, homens, onde estão? Qual é a sua humanização?". Eu acredito que muitos de nós se sentiram Caim, incapazes não só de cuidar do irmão, mas também apenas de ouvir o seu grito e o seu lamento. A viagem a Lampedusa de Francisco será ainda mais eloquente no futuro, quando entendermos o mal cometido e as nossas omissões. Por enquanto, ainda não compreendemos esse gesto até o fim, não o assimilamos em todo o seu porte, mesmo que nos pensemos cristãos.
O que tu respondes àqueles que dizem que Francisco está dessacralizando excessivamente o papel do papa?
O ministério de Pedro é essencial para a Igreja, e o católico acredita que ele foi desejado pelo próprio Jesus Cristo. Mas a forma do exercício desse serviço, assim como mudou desde os primeiros séculos até hoje, poderá mudar ainda. Ou, melhor, deve sempre buscar mudar, em uma dinâmica de reforma, para ser cada vez mais fiel à vontade do Senhor; deve mudar se quiser ser um serviço de comunhão para todas as Igrejas cristãs. A sacralização é uma dinâmica religiosa, mas não é evidente que seja cristã: para nós, cristãos, é o Evangelho que tem o primado, não o sagrado. Francisco está tornando a figura do papa mais humana, mais cotidiana, menos hierática. Justamente por isso, os não católicos também olham para ele, para a sua humanidade. Disse-se de João XXIII: "Um cristão no trono de Pedro!". Pode-se dizer de Francisco: "Um homem sucessor do humilde pescador da Galileia!".
Que impressão tu tens ao ver que, no Vaticano, há dois papas? Como devemos ler essa copresença?
Eu sou um católico com um forte herança tridentina. Imediatamente, eu senti um certo desconforto, mas logo depois entendi que essa copresença não pode minar a autoridade do Papa Francisco. Agora, ele é o único papa, enquanto Bento XVI é o bispo emérito de Roma. O que é decisivo é que, entre eles, haja afeto, reconhecimento, que se ouçam reciprocamente e que agora quem é emérito tenha o lugar de emérito por ele escolhido: ele continua sempre sendo bispo e, no ministério do bispo, está acima de tudo a intercessão.
Francisco conseguirá levar adiante a sua batalha por uma Igreja pobre e dos pobres? De quais inimigos ele deve se proteger? Que forças remam contra?
É difícil dizer. Ele explicou que quer uma Igreja pobre, mas a Igreja Católica é uma instituição grandiosa, imensa: eu não sei o quanto um homem, mesmo que papa, pode fazer. O tema da reforma da Cúria vem desde o século XII em diante, e a reforma da Igreja como instituição certamente é invocada e, às vezes, até tentada. Mas a Igreja não é o reino de Deus: a sua condição é a de ser composta também por pecadores. Para mim, bastaria que, na tentativa de reforma da Igreja, o papa dissesse com a sua autoridade que a fé-confiança do cristão e as exigências do Evangelho devem ser postas para além da instituição temporal eclesial em que se encarna a Igreja de Cristo. Nessa ação, Francisco encontrará pessoas que irão remar contra e, de fato, já encontrou inimigos, em sua própria casa, que, entre um sorriso hipócrita e uma fofoca eclesiástica, começam a dizer que ele não tem a doutrina do papa anterior, que sempre diz as mesmas coisas, que não vigia bastante sobre as suas palavras... Mas também para ele está escrito: "Ai de vocês, se todos falam bem de vocês! Os inimigos do homem serão os seus familiares, os da sua casa!". Essas são palavras de Jesus.
Como tu rezas por ele e pela Igreja?
Desde pequeno, eu rezo todas as noites, antes de ir para a cama, pelas pessoas que eu amo, por aqueles que eu encontrei ou ouvi durante o dia, pela minha comunidade e pelas autoridades das Igrejas, entre as quais o primeiro é o bispo sucessor de Pedro em Roma. Eu rezo para que o Senhor lhe dê discernimento, força, coragem e franqueza, aquela franqueza que também exige dizer ao outro irmão que está diante de nós o mal que ele cometeu e o escândalo que provocou à Igreja. A Igreja precisa de um restabelecimento da confiabilidade, sem a qual a evangelização é estéril. E continuo rezando pela unidade visível das Igrejas, hoje ainda divididas! É a vontade do Senhor e, portanto, também a minha.
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As surpresas de Deus. Entrevista com Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU