Por: André | 13 Agosto 2013
Como embaixador na Argentina, o chanceler Francisco Azeredo da Silveira (1974-1979), o homem de Kissinger na região, supervisionou o sequestro e a tortura do coronel democrático Jefferson Cardim Osório, perpetrado em Buenos Aires em dezembro de 1970.
A reportagem é de Darío Pignotti e publicada no jornal argentino Página/12, 11-08-2013. A tradução é de André Langer.
Fonte: http://bit.ly/19p2Mqa |
O primeiro rastro da Operação Condor. O homem de confiança de Henry Kissinger no Brasil durante os anos da coordenação repressiva sul-americana era o chanceler Francisco Azeredo da Silveira (1974-1979), cargo ao qual ascendeu após ser embaixador na Argentina, onde supervisionou o sequestro e a tortura do coronel democrático Jefferson Cardim Osório, perpetrado no dia 11 de dezembro de 1970. Um crime do qual tomaram parte espiões, militares e diplomatas de três países, mancomunados em sua guerra suja sem fronteiras, como ficou registrado no relatório 001061, com carimbo do Serviço Nacional de Informação brasileiro, encontrado por este jornal em 2011 e entregue à Comissão da Verdade da presidente Dilma Rousseff (ver fac simile).
“Graças ao rapto de Jefferson, Azeredo da Silveira ganhou a confiança dos militares colocando a embaixada portenha à disposição dos serviços que perseguiam e, às vezes eliminaram, opositores prófugos”, garante o ex-preso político Jarbas Silva Marques.
“Azeredo autorizou pessoalmente o sequestro, sei muito bem disso. Jefferson foi meu companheiro na prisão. Quando o trouxeram da Argentina, haviam-no torturado terrivelmente”, recorda Marques.
“Azeredo estava no aeroporto quando a Polícia Federal nos fez descer algemados de um carro e nos fizeram embarcar no avião da Força Aérea Brasileira para nos mandar de volta”, confirma Jefferson “Jefinho” Lopetegui de Alencar Osório, sequestrado junto com seu pai, e junto com quem foi deportado clandestinamente para o Rio de Janeiro.
Comparando com a bibliografia sobre a participação argentina, uruguaia ou chilena na trama criminosa sul-americana é pouco o que se sabe sobre o capítulo brasileiro, devido ao cuidado que seus diplomatas tiveram para não deixar rastros. Enquanto a Operação Condor chilena assassinava estrondosamente o general Carlos Prats na porta de seu apartamento portenho em Palermo, originando uma comoção internacional em 1974, os brasileiros operavam com a discrição das serpentes, e graças a isso vários crimes, como o do coronel Osório, começam a ser esclarecidos apenas 40 anos mais tarde.
A propósito, a morte do ex-presidente João Goulart em sua fazenda correntina em 1976, que sua família garante foi por envenenamento, talvez um dia, depois da exumação anunciada pelo Governo de Dilma, será incluída no inventário de assassinatos invisíveis da ditadura brasileira. “Durante anos a embaixada foi usada para espiar o meu pai”, declarou João Vicente Goulart a este jornal no ano passado.
Roberto Marcelo Levingston
“No dia 12 de dezembro (de 1970, um dia depois do rapto do coronel Osório), relatei ao embaixador Azeredo da Silveira os fatos ocorridos... e solicitei a ele que os transmitisse ao Ministério das Relações Exteriores... Nesse dia já havíamos recebido a informação de que o presidente (Roberto Marcelo) Levingston assinaria o decreto de expulsão”, o que finalmente ocorreu em um prazo surpreendentemente breve, disse o telegrama confidencial elaborado na embaixada da rua Cerrito 1350 por um adjunto militar.
Este papel secreto possivelmente seja o mais revelador, dado que confirma oficialmente que o crime de que foi vítima o militar dado de baixa pela ditadura, um dos homens importantes da resistência brasileira, chegou ao conhecimento das mais altas autoridades do Ministério das Relações Exteriores em Brasília e foi autorizada, de punho e letra, pelo efêmero ditador Levingston, ex-adjunto militar em Washington.
Fonte: http://bit.ly/19eLvfO |
Depois de uma leitura atenta do despacho secreto de seis páginas, generoso em datas e nomes, robustece-se a presunção de que o afrancesado Palácio Pereda, sede da representação diplomática, era na realidade uma base de inteligência e logística a partir de onde se supervisionava vários sequestros e desaparecimentos ocorridos pelo menos até dezembro de 1973, quando Azeredo da Silveira recebeu o convite do já eleito presidente militar Geisel (tomou posse em março de 1974) para assumir a chefia do Palácio Itamaraty, a partir de onde teceu um vínculo carnal com Henry Kissinger.
Ambos compartilharam o princípio segundo o qual Washington devia delegar ao Brasil parte das suas responsabilidades na América do Sul, entre elas a desestabilização dos governos democráticos que ainda ficavam em pé, como o argentino (outros papéis mostram que o sucessor de Azeredo, o embaixador Pinheiro manteve uma conspirativa agenda de encontros com Videla e Massera em 1975) e aceitar as articulações entre os aparelhos repressivos.
Desde o final dos anos 1190, os Estados Unidos liberaram milhares de papéis com informações sensíveis sobre a repressão no Chile e um número apreciável sobre a Argentina, mas evitou, tanto quanto pode, tornar públicos documentos sobre operações que contaram com o apoio do Palácio Itamaraty através de seu Centro de Informações no Exterior, o CIEX, criado em 1966, antecipando-se em quase uma década ao surgimento do Plano Condor.
Será que ao manter na sombra os crimes brasileiros Washington se preserva a si mesmo e confirma o preceito de que os crimes de Estado nunca serão esclarecidos?
Apesar da escassez (por ocultamento) de informações é sensato supor que o Brasil, cuja sociedade com Washington tornou-se cúmplice criminosa especialmente desde 1970, foi uma peça crucial na engrenagem terrorista e possivelmente tenha sido pioneiro em desenvolver uma estrutura internacional, como ilustra o rapto do coronel Cardim Osório, onde se percebe a aceitação do sistema.
Condor brasileiro
Em sua primeira página, o texto confidencial elaborado pelo adjunto militar na embaixada indica que o militar dissidente Cardim Osório, seu filho de 18 anos e um sobrinho partiram em um ferriboat de Colonia no dia 11 de dezembro de 1970, às 11h30, e três horas mais tarde já haviam sido presos por elementos da Coordenação Federal da Polícia Federal em um cais portenho, de onde foram transladados até a Subcomissária de Assuntos Estrangeiros para serem interrogados.
O texto indica que dois adjuntos militares brasileiros, um vindo do Uruguai, foram até a subcomissária, onde conversaram como bons camaradas de armas com seus pares argentinos e ali analisaram as informações prestadas pelos prisioneiros. (Nas sessões de tortura, claro, embora o documento não o diga.)
Depois se menciona que após a deportação do coronel e seu filho houve um outro encontro com o coronel argentino Cáceres, do Exército, que demonstrou interesse em dar continuidade à joint venture terrorista. “O coronel Cáceres me expressou a necessidade e a conveniência de que mantenhamos um contato mais próximo em casos similares... e também conversamos sobre a necessidade de manter o segredo em relação ao destino dos elementos embarcados” para o Brasil, disse o telegrama em sua página 6.
Fonte: http://bit.ly/17kZ1wc |
“Quando li esses papéis me surpreendi, mas não inteiramente, porque eu sabia que por trás de tudo o que aconteceu conosco estava o Itamaraty. Senti um calafrio, porque pela primeira vez havia um papel oficial, escrito pelos militares com o carimbo do SNI, demonstrando que no Itamaraty os funcionários mais altos da ditadura argentina, como o presidente Levingston, estiveram por trás do sequestro do meu pai e do meu”, conta Jefferson “Jefinho” Osório Lopeteguy.
A Operação Condor foi instituída em novembro de 1975 no Chile, com a cobertura de Augusto Pinochet, e os enviados brasileiros a esse conclave não assinaram as atas, alimentando a interpretação de que a “ditabranca” brasileira nunca esteve à vontade nessa confraria. Uma lenda que Jefinho não compartilha.
“Em 1970, a Operação Condor ainda não tinha esse nome, não sei como se chamava a organização que nos sequestrou e torturou em Buenos Aires, e que nos seguiu por anos em Montevidéu. O que digo é que nós fomos sequestrados por algo que era similar ao Plano Condor, porque no Brasil isto já existia. Inclusive meu pai já sabia disso, em 1970 ele me disse que eles estavam em vários países e que, às vezes, matavam os exilados, e que jogavam os presos ao mar de aviões da Força Aérea. Ele chegou a me falar de tudo isso antes de ser preso”.
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O primeiro voo da Operação Condor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU