Por: Jonas | 26 Junho 2013
“Sem uma revisão muito séria da nossa moral da propriedade, não haverá saída para este mundo. É claro, o dito vale também, e principalmente, para a Igreja, as ordens religiosas e para mim”, afirma o teólogo José Ignacio González Faus, em artigo publicado em seu blog Miradas Cristianas, 24-06-2013. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Comparemos: de um lado, a proposta andaluz de desapropriar as casas não utilizadas pelos Bancos, para dar moradia aos desabrigados e as críticas destemperadas de certa imprensa: “roubo, assalto, ataque à propriedade”... Por outro lado, o Banco da Espanha propõe criar trabalho com um salário inferior ao mínimo legal (que na Espanha é o mais baixo da zona do euro e já não é salário mínimo, mas salário merda). Onde está a moral, ao menos a partir de uma ótica cristã?
Vejamos: “Todo homem tem o direito de encontrar na terra o que lhe é necessário. Todos os outros direitos, quaisquer que sejam, incluindo os de propriedade e de comércio livre, estão-lhe subordinados a isso: não devem impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização; e é um grave e urgente dever social reconduzi-los para sua finalidade primeira” (Paulo VI, Populorum Progressio, 22).
Fonte: http://goo.gl/B20vf |
“O homem, quanto a sua pessoa e, por conseguinte, em relação a seus bens, é mais da república do que de si mesmo... Mediando uma justa causa, a república pode dispor dos bens de qualquer particular, porque os bens deste são mais da república que seus... (Por isso) aquele que se desobriga fraudulentamente de pagar os tributos, não pode estar tranquilo em consciência e é obrigado a restituir... É uma iniquidade que se onere mais aos que deveriam ser menos onerados... E assim se faz agora: isentamos os ricos, pagam tributos os pobres” (Francisco de Vitória, Sentenças Morais I, 93-94 e 103-104).
Corrijo a primeira frase, ponderando que o homem é tanto (não mais) da república como de si mesmo. Contudo, pergunto-me por que nossas direitas exaltam o padre Vitória como glória espanhola, “honra de nosso século de ouro e pai do direito das pessoas”, quando fazem tão pouco caso dele? Não deveriam dizer (com seu jargão) que Vitória era um perfeito bastardo e um comunista camuflado?
Dito isto, retiremos algumas consequências dos textos citados.
1. No último dia 25 de março, este espaço publicou um artigo intitulado: “Criar emprego ou criar escravidão?” Os fatos vão respondendo àquela pergunta.
2. Moradia e emprego dignos são direitos elementares irrenunciáveis, que estão muito acima do (suposto) direito de possuir uma grande fortuna. Portanto, se a iniciativa privada não pode ou não sabe criar emprego, recai sobre os governantes a grave obrigação de satisfazer esses direitos. Caso contrário, governam para quê? No entanto, os sábios já nos avisam que “sair da crise” significará apenas que já não estaremos em recessão, ao passo que o emprego continuará sendo precário e os salários mais baixos. (Acrescentamos que o Partido Popular, sim, criou emprego; mas somente para cargos e dirigentes do partido, que tem salários duplos).
3. “Os Bancos foram feitos para o homem, não o homem para os banqueiros”, parafraseando uma conhecida frase evangélica. O dinheiro que os Bancos possuem não é seu: possuem-no para ajudar a investir naqueles que criam riqueza, não para fazer negócios. Se desejam negociar com esse dinheiro alheio e se saem mal, o problema é deles; entretanto, isso não os autorizam a deixar de oferecerem créditos. Clama ao céu que um banqueiro, condenado pela justiça e perdoado pelo governo socialista, aposentou-se com uma pensão de 88 milhões (mais outros 11 referentes a um seguro acumulado). O editorial deste diário já considerava essa cifra “astronômica”. Digamos que aquele senhor é moralmente um ladrão que roubou 87 milhões. Se fosse católico, como pecador público, seria necessário negar-lhe a comunhão.
4. Tudo isto não atinge apenas o PP. Rubalcaba e outras proeminentes figuras do Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) possuem fortunas de mais de um milhão de euros. Só este dado já explica a atual crise do partido, porque é profundamente antissocialista. Sonho que esses milionários do PSOE se reunirão um dia e, além das propostas que estão fazendo, talvez sensatas, mas inúteis (pois, Rajoy já declarou que, para ele, isso de dialogar significa: “Faça você tudo o que eu digo e divida as responsabilidades”), comuniquem-nos que decidiram reduzir suas fortunas para uns dois ou três mil euros e, a partir de tudo o que acontece disso, buscar modos de investir, sem outro objetivo a não ser o de criar emprego e sem buscar benefícios. Isso seria socialismo. E assim não necessitariam se enfeitar com o que outrora chamei “esquerdas de plástico”.
5. Um sistema armado para satisfazer os caprichos de uns poucos e não as necessidades de todos, é puro nazismo econômico, tão intolerável como foi, no passado, o nazismo racial. A Europa pode nos impor uma redução sensata e justa de nossa dívida. Contudo, não pode exigir que essa redução aconteça, precisamente, cortando gastos sociais e direitos elementares, principalmente porque não elegemos esses poderes. Menos ainda, deve elogiar tais atrocidades como se pensasse que os destinatários desses cortes não são pessoas, mas uma raça sub-humana (são porcos, como já foi dito; e é sabido que do porco “se aproveita tudo”).
6. Sem uma revisão muito séria da nossa moral da propriedade, não haverá saída para este mundo. É claro, o dito vale também, e principalmente, para a Igreja, as ordens religiosas e para mim.
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Nazismo econômico. Artigo do teólogo González Faus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU