09 Abril 2013
Ficamos sabendo nestes dias que 130 mil pessoas e empresas em todo o mundo "estacionaram" o seu dinheiro em "oásis (ou paraísos) fiscais", embora tenham o dever moral de restituir algo à sociedade, diz o estudioso de ética econômica Johannes Hoffmann.
A reportagem é de Hilde Regeniter, publicada no sítio Domradio.de, 05-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Professor Hoffmann, o senhor ficou surpreso com o que foi revelado pela investigação "Offshore Leaks"?
Sim e não. Em um primeiro momento, por meio de trâmites, tentou-se tornar menos acessíveis alguns "esconderijos" na Europa. Nesse ponto, podia-se esperar que o dinheiro "em fuga" fosse para algum outro lugar, onde ainda fosse possível escondê-lo. E foi assim que aconteceu. Mas o que me surpreendeu foi a incrível quantidade de pessoas envolvidas e, naturalmente, também quais pessoas.
Nesse contexto, quando se usam conceitos como "oásis" ou "paraísos", é um aviltamento flagrante, já que a evasão fiscal não é percebida como um verdadeiro crime. Quão problemático é tudo isso?
Não é apenas um aviltamento. O conceito de oásis está ligado às fonte de água no deserto, encontradas por beduínos nos seus deslocamentos. O oásis, a fonte, torna-se um bem comum para todos. O conceito de oásis que aqui é usado é totalmente oposto. Isto é, o dinheiro exportado é subtraído do dever de contribuir com o bem comum. Eu considero que se trata de uma distorção do conceito.
Aqueles que colocam o seu dinheiro com segurança longe do escritório dos impostos não parecem ser tocados pelo lema "a riqueza compromete socialmente". Por que podemos defini-la como uma atitude fundamentalmente equivocada e também de falta de reconhecimento?
É equivocado porque o dinheiro é uma instituição social. O dinheiro é criado pelos Estado (o euro pela União Europeia), e a sua estabilidade é obtida graças ao trabalho de muitos. Nesse sentido, todo mundo também tem o direito de participar desse valor criado juntos, comunitariamente. Quando pessoas obtêm lucros de um conjunto social (porque sem uma sociedade não seria possível, de fato) e querem manter para si esses lucros, isso é absolutamente imoral, porque há um dever dado pelo dinheiro, pelo qual cada um deve assumir a sua responsabilidade com relação à sociedade.
Naturalmente, sempre houve indicações na história pelas quais as pessoas dizem que podem dispor das suas propriedades como quiserem. Mas não é assim. Na Constituição alemã, nos artigos 12 e 20a, afirma-se que a propriedade compromete socialmente. E isso naturalmente também vale para o dinheiro, não só para propriedades imobiliárias e afins. Seria preciso deixar mais clara essa obrigação com as leis. No Código Civil, no parágrafo 903, diz-se: "Cada um pode fazer o que quiser com a sua propriedade, a menos que isso vá contra os direitos de terceiros".
Esse é o artigo 1º. O que falta nessa lei é um artigo 2º, que deveria ter este teor: "O proprietário pode fazer o que quiser com a sua propriedade, a menos que isso seja contrário ao bem comum". Desse modo, seria possível fazer valer a obrigação decorrente da posse do dinheiro em favor do social e do ambiente.
O senhor está otimista com relação ao fato de que as atuais revelações poderão levar a mudanças decisivas na prática fiscal internacional?
Certamente, os Estados europeus deverão iniciar negociações com esses "esconderijos" ainda existentes. Se isso poderá levar a resultados positivos, eu não sei. Nós já conhecemos a atitude da Grã-Bretanha, que é um pouco diferente da de outros Estados europeus. Mas também se poderiam criar limitações através de leis e de taxas aduaneiras e diversas outras possibilidades, não só para a Alemanha, mas também para a União Europeia e a OMC, que são, segundo a opinião de um importante jurista, abertos a tais regulamentações.
Precisamos dessas regulamentações, porque os mercados financeiros são bens comuns. Eles servem ao bem da comunidade, no sentido de que atuam como intermediários entre empresários em busca de capitais e detentores de capitais que pretendem investir, possivelmente na economia real, da qual, depois, todos recebemos um benefício. Esse é o sentido da coisa.
Infelizmente, desde os anos 1980, a maior parte dos controles sobre os capitais que permitiram a fixação do capital a pressupostos de economia real foram eliminados. Isso transformou os mercados financeiros em mercados especulativos, que não tendem como os mercados de mercadorias, segundo as teorias econômicas, ao equilíbrio, mas provocam erupções. E é isso que observamos repetidamente.
Realmente, seria necessária uma mudança de mentalidade, ou seja, que aqueles que têm muito se conscientizem das suas responsabilidades. Que papel pode desempenhar o cristianismo com os seus valores?
Sempre se faz referência a Tomás de Aquino, que afirmou que "a propriedade privada é um direito natural". Mas não é verdade. Tomás de Aquino disse muito claramente: "Os homens receberam o mundo de Deus como feudatários". E isso significa que o uso comum dos bens deve ser assegurado para todos, para que todos possam alcançar um modo de vida digno.
Se colocamos isso como fundamento, podemos dizer que comprometer-se pela criação significa também, em nível financeiro, que o que nós obtemos a partir da criação como capital em dinheiro devemos colocar novamente à disposição da comunidade, para que seja possível um modo de viver digno na convivência das pessoas. Essa certamente é uma tarefa cristã, que torna explícita a boa notícia. Os cristãos têm a tarefa de anunciar a presença de Deus no mundo, um Deus que abençoa, cura e salva. E também devem fazer isso, naturalmente, no modo pelo qual usam o capital dinheiro.
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''A propriedade compromete socialmente''. Entrevista com Johannes Hoffmann - Instituto Humanitas Unisinos - IHU