05 Abril 2013
Existia a web antes da web? Isto é, existia a visão de um sistema ideal de referência e relação intelectual que permitisse a todos comunicar? Quando Leonardo da Vinci projetou o seu helicóptero, ele não tinha energia mecânica suficiente para fazê-lo voar realmente, mas entendeu o conceito de aeronave com rotor. Em 1300, o teólogo e lógico Ramon Lull não tinha nem computador pessoal, nem software de inteligência artificial, mas com a sua "arte combinatória" e "mnemônica" ele antecipou os estudos de Turing e Minsky. Italo Calvino falava de romances escritos no computador em 1967, quando nunca havia usado um, e se hoje o New York Times disponibiliza online um algoritmo que escreve poemas haiku a partir dos seus títulos, ainda em 1961 o poeta italiano Nanni Balestrini fez com que um computador de Milão escrevesse a pungente balada Tape Mark.
A reportagem é de Gianni Riotta, publicada no jornal La Stampa, 05-04-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A "filosofia escrita só sobre documentos existentes" que o filósofo Adorno nos conta que foi a última obra teórica do desventurado Walter Benjamin antecipou teoricamente a rede em 1936. E o paleontólogo, estudioso e sacerdote jesuíta Teilhard de Chardin escreveu sobre "noosfera", esfera do pensamento humano global, em 1922, elevando-se assim com Benjamin ao título de "pai da internet".
A árvore genealógica, antiga e ramificada, confirma que o mundo ciber não nasce da tecnologia, mas, ao contrário, o poder técnico permite realizar finalmente um sonho de humanismo radical que gerações haviam formulado antes de nós. Sobre esse projeto intelectual é que trabalha o padre jesuíta Antonio Spadaro, fundador da escola da ciberteologia e diretor da histórica revista da Companhia de Jesus, La Civiltà Cattolica, fundada em 1850.
Apresentando a nova edição – impressa e online – do periódico, o padre Spadaro não traça um manual de instruções informáticas, tantos cliques, tantos links, tantos gigabytes, mas sim um desenvolvimento no século XXI da reflexão de Santo Inácio nos Exercícios Espirituais do século XVI: onde a Repetição – iteração, diriam os webmasters – é a passagem espiritual fundamental.
Escreve Spadaro no editorial da nova La Civiltà Cattolica: "Os primeiros jesuítas da revista foram inovadores, imaginando o uso da imprensa, que era o mesmo meio do qual se serviam os revolucionários, os liberais e os anarquistas. Assim, hoje, é natural que a nossa mensagem se difunda em suportes digitais para ser fruível por parte de um maior número de pessoas (…) A Civiltà Cattolica (…) chega na forma de 'aplicativo' para iPad, iPhone, tablets Android, Kindle Fire e do Windows 8 (…) graças à colaboração do Google (…) [para] disponibilizar em formato digital todos os fascículos publicados desde 1850. Imaginamos também formas diferentes de publicação digital de instant books, capazes de unir a reflexão dos artigos publicados no passado e... no presente".
Não se trata, portanto, de uma interessante, mas definitivamente já óbvia, "transição online". O projeto é mais ambicioso, o único válido diante do 2.0: usar a rede não para transferir conteúdos em formato antigo, mas sim criar ad hoc novos conteúdos, que usem a capacidade de diálogo da web e inserir online os próprios valores antigos, refletindo, porém, no espelho online a própria imagem e vendo nela novas características e símbolos: "A especificidade da revista, a contribuição própria que a sua redação pode oferecer nascem de uma peculiaridade: o fato de que ela é fruto de escritores todos jesuítas (...) O princípio inspirador dessa espiritualidade é um critério muito simples: 'buscar e encontrar a Deus em todas as coisas', como escreve Santo Inácio".
Para Spadaro e os seus colaboradores – especialmente depois que a eleição do cardeal Bergoglio como Papa Francisco deu o primeiro pontífice jesuíta da história –, o desafio é considerar a web como esfera contemporânea daquele "todas as coisas" para o qual olhava a meditação do fundador. "A reflexão (…) é chamada a se tornar 'compartilhada'", conclui o padre Spadaro. "A evolução do mundo da informação, mesmo daquela mais clássica, está (…) virando, sob a pressão da web 2.0, nessa direção (…) Agora é raro encontrar uma publicação que não permita o compartilhamento e o comentário dos conteúdos no Facebook, Twitter e outras plataformas de social networking. Até mesmo jornalismo, portanto, funciona não somente por transmissão, mas também por compartilhamento. Daí a abertura de uma página no Facebook (facebook.com/civiltacattolica) e de uma conta no Twitter (@civcatt) da Civiltà Cattolica (…) A nossa vontade de envolver o leitor também no ambiente digital nasce de um pensamento que La Civiltà Cattolica formulava em 1851 e que continua muito atual: 'Entre quem escreve e quem lê corre uma comunicação de pensamentos e de afetos que tem muito da amizade, muitas vezes chega a ser quase uma secreta intimidade...'".
A chave intelectual da web é esta: razões e sentimentos, teorias e paixões unidos.
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''Buscar e encontrar a Deus'' também na rede. Mudanças na Civiltà Cattolica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU