Por: Jonas | 15 Março 2012
Os neutrinos, essas fantasmagóricas partículas elementares que geram, por exemplo, o Sol e os reatores nucleares, em quantidades enormes, e que atravessam a Terra, as pessoas e praticamente tudo o que se encontra sem acusar sua presença, protagonizam o último descobrimento que está em efervescência na comunidade internacional da física de partículas. Tecnicamente é uma medida de uma característica dessas partículas, porém pode converter-se na chave para desvendar um dos grandes mistérios do universo: por que ele é feito de matéria e não de antimatéria.
A reportagem é de Alicia Rivera, publicada no jornal El País, 14-03-2012. A tradução é do Cepat.
A descoberta tem todos os ingredientes das grandes histórias da ciência, com uma dura competição internacional entre os grupos de físicos para conquistarem o troféu do descobrimento, surpresa com a equipe que conta com as primícias e alguma dose de drama, já que o terremoto e o tsunami que assolaram uma extensa região do Japão, há um ano, inutilizaram o laboratório japonês que estava na corrida e que era um dos fortes competidores.
Além do sucesso que apontou o experimento de Daya Bay, na China, o que significa, como destacou a Science, que a potência asiática “já chegou à física de partículas”, sem esquecer a importante participação de especialistas de várias instituições estadunidenses.
O quanto antes, convém esclarecer, que este resultado não tem nada a ver com a suposta velocidade superior a da luz dos neutrinos que os cientistas do detector Opera (na Itália) anunciaram no ano passado e que parece ser um erro, devido a uma conexão defeituosa na eletrônica do experimento.
Depois do Big Bang havia a mesma quantidade de matéria e antimatéria
Em Daya Bay, existem seis grandes detectores para captar e estudar os neutrinos gerados nos reatores nucleares do seu conjunto. É análogo ao experimento francês Double Chooz, que em novembro passado avançou em dados parecidos, porém não tão ressonantes para cantar a vitória, como os de Daya Bay, e para surpresa geral, pois não se esperava resultados tão rápidos.
O parâmetro que conseguiu medir e o valor obtido “são importantes para entender quantitativamente como, a partir da sopa primordial gerada depois do Big Bang – sopa na qual havia uma quantidade equivalente de matéria e antimatéria – resultou neste universo em que vivemos, feito de matéria e quase não há antimatéria”, explica a partir dos Estados Unidos, Concha González-García, pesquisadora do ICREA (Universidade de Barcelona) e da Universidade de Stony Brook. “Esse comportamento diferente seria como uma semente que se propaga por todo o universo, como um caroço que acaba decantando a sopa, de maneira que agora só existe matéria primordial”, acrescenta Belén Gavela, catedrática de Física Teórica (Universidade Autônoma de Madri).
“Se a simetria entre as partículas e antipartículas não fossem quebradas, com a mesma quantidade de matéria e de antimatéria, e dado que tendem a aniquilar-se mutuamente, nunca teriam se formado no universo galáxias, estrelas, planetas e nem vida”, destaca Enrique Fernández Martínez, do Laboratório Europeu de Física de Partículas (CERN).
Para entender o experimento de Daya Bay, é necessário entrar um pouco no estranho e fascinante mundo da mecânica quântica, onde as coisas quase sempre se distanciam muito de ser o que parecem. Neste caso, trata-se de medir um ingrediente dessas partículas elementares, os neutrinos, que se dão em três tipos ou sabores, como dizem os físicos. Esse ingrediente é determinante na peculiar propriedade que possuem os neutrinos, de transformarem-se de um tipo em outro quando percorrem uma distância.
O descobrimento abre uma porta de conhecimento
Durante anos, essa capacidade de transformação desconcertou os físicos que tentavam compreender o funcionamento do Sol, porque eles mediam na Terra menos neutrinos do que, segundo os cálculos, seriam gerados na estrela. O problema foi solucionado quando houve a compreensão de que estas partículas solares mudavam de um tipo para outro no percurso até nosso planeta, e muitos deles passavam despercebidos nos detectores.
“Cada um dos três tipos de neutrinos é na realidade uma combinação diferente de três ingredientes”, comenta Gavela. “É que na mecânica quântica, as partículas além de se comportarem como bolinhas, ou pontinhos, também são ondas, como as ondas do mar, e as ondas se sobrepõem e combinam-se”, acrescenta. “O que conseguiu medir, agora na China, é a proporção em que os neutrinos do elétron se transformam em outros, em distâncias curtas, praticamente completando com isso a descrição das oscilações”.
Vários experimentos internacionais estão debruçados nesta pesquisa, com as justas doses de colaboração científica e competência. Uns medem feixes de neutrinos de aceleradores de partículas, como o estadunidense Minos ou os italianos de Gran Sasso, outros, como o chinês, o francês e um coreano, aproveitam os antineutrinos emitidos em reatores nucleares.
Em Daya Bay vão ser instaladas mais dois detectores. “Em Double Chooz teremos dois reatores, um detector instalado e outro planificado”, explica Inés Gil Botella, física do Ciemat e membro do experimento francês. “Nós obtemos resultados mais limpos do que os de Daya Bay, mas, de qualquer forma, seus dados e os nossos são complementares”, acrescentou. Enquanto isso, os japoneses de T2K, depois o tsunami, estão prontos outra vez para recolherem dados.
Para os físicos, o descobrimento que enquadra as oscilações dos neutrinos abre uma porta de conhecimento que querem explorar. “O resultado é muito emocionante porque nos permitirá comparar as oscilações de neutrinos com as de antineutrinos, ver como são diferentes e, esperamos, obter uma resposta à pergunta do por que existimos”, conclui Kambiu Luk, professor da Universidade da California, em Berkeley, e líder na colaboração estadunidense no experimento de Daya Bay.
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Os neutrinos esclarecem a simetria quebrada do universo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU