Por: André | 21 Dezembro 2011
O universo está cheio de neutrinos: bilhões deles atravessam cada segundo cada centímetro quadrado do planeta, de cada pessoa, da água, do papel deste jornal (ou desta tela de computador)... Estas partículas elementares são produzidas, por exemplo, no interior das estrelas pelo simples fato de brilhar, ou nas centrais nucleares; não têm carga elétrica nem apenas massa e atravessam todo tipo de matéria sem se fazer notar porque praticamente não interagem com nada. Há detectores para caçá-los tão exóticos quanto o IceCube, no gelo do Polo Sul, para procurar novas fontes de neutrinos no céu.
A reportagem é de Alicia Rivera e está publicada no jornal espanhol El País, 18-12-2011. A tradução é do Cepat.
Desde que sua existência foi proposta, há 80 anos, atraem um enorme interesse entre os cientistas por suas peculiaridades características e, agora mesmo, porque apontam para horizontes inexplorados da física. Mas há três meses quase lhes dão um susto, quando os especialistas de um estranho projeto anunciaram que, segundo suas medidas, os neutrinos viajam mais rápidos que a luz, violando o limite de velocidade estabelecido na Teoria da Relatividade Especial de Einstein. Esse limite máximo de velocidade de propagação de interações, como dizem os físicos, está no coração mesmo desta teoria.
“Milhares de experimentos confirmaram ao longo dos anos, uma e outra vez, que a Relatividade está correta, nunca se viu algo como isto”, comentava esta semana o norte-americano David Gross, Prêmio Nobel de Física (2004), na conferência inaugural do Instituto de Física Teórica (UAM-CSIC), em Madri. Assim como ele, a opinião praticamente unânime entre os especialistas é de que algo está falhando nesse projeto, denominado Opera [acrônimo de Oscillation Project with Emulsion-tRacking Apparatus]. “Algo deve estar errado, não posso imaginar isso, não o aceito”, acrescentava mais taxativo seu colega Martinus Veltman, também Prêmio Nobel (1999).
Nos três meses transcorridos desde o anúncio dos neutrinos supostamente supralumínicos (desencadeando o que outro Nobel, Sheldon Lee Glashow, chama de Odisseia do Opera), não apenas foi encontrada a falha, mas que os cientistas melhoraram notavelmente parâmetros do experimento e lhes segue saindo o mesmo. Mas a suspeita inicial de que algo está não está bem não se fragiliza; pelo contrário, se reforça.
“Se estivesse correto, se fosse verdade que os neutrinos são mais rápidos que a luz, seria como tirar um tijolo da base de um edifício, do edifício da física, e então tudo desmoronaria”, aponta Antonio González Arroyo, professor da Universidade Autônoma de Madri (UAM). “Podes tirar um tijolo da parte superior e então fazes ajustes e o edifício se mantém de pé, ao passo que se for da parte de baixo... tens que refazer tudo”.
O projeto Opera, que funciona perto de Roma, mede os neutrinos lançados no Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern), em Genebra, a 730 quilômetros de distância e que atravessam limpidamente a crosta terrestre (como estas partículas apenas interagem com outras, não há quem as pare). O surpreendente é que, segundo os dados apresentados no final de setembro, os neutrinos demoram menos para atravessar esses 730 km do que os fótons de luz. Contudo, a Teoria da Relatividade Especial de Einstein estabelece que a velocidade da luz no vazio é o limite máximo de velocidade no universo. Por isso González Arroyo diz que é como tirar um tijolo da base do edifício da física. “Vai contra tudo o que conheço em física”, disse Veltman. “E não sei, na verdade, se a Relatividade teria sustentação”. Gross também não sabe se a teoria especial de Einstein sobreviveria: “Mas não estou me dedicando a algo que provavelmente está errado”.
Os físicos da conferência do IFT consultados se manifestam na mesma linha de incredulidade. Não é que seja algo novo não suspeitado antes – o que poderia ser uma autêntica descoberta –, o fato é que contradiz o que foi demonstrado com êxito em milhares de provas experimentais da Relatividade Especial, e inclusive outras medidas de velocidade de neutrinos com maior precisão. Como diz o professor da UAM Enrique Álvarez, “se fosse verdade seria muito difícil de entender, teria que se parar para pensar tudo desde o começo e faria falta um novo Einstein audaz para solucioná-lo”. Quanto à possibilidade de fazer viagens no tempo, se os neutrinos violassem a Relatividade Especial, Gross a despacha rapidamente: “Nem sequer é preciso recorrer a isso, basta o paradoxo de que se alguém viajasse ao passado e matasse sua mãe ainda criança, não nasceria, não chegaria a existir para poder viajar ao passado e matar sua mãe...”.
Nos três meses desde este anúncio do Opera já foram publicados muitos artigos científicos sobre o assunto, mas Gross não se deixa impressionar: “O que falta é um bom artigo que o explique”, disse. Tanto ele como seu colega Veltman recordam que foram escritos milhares de artigos sobre a fusão fria, anunciada em 1989, que depois se mostraram incorretos.
No momento está tudo em suspenso até que outros dois experimentos (nos Estados Unidos e no Japão) repitam as provas do Opera e se veja se o efeito supralumínico se confirma ou, como pensa a maioria, se descarta. Tanta incredulidade se manifesta nos supostos neutrinos supralumínicos. González Arroyo se vê na obrigação de pontualizar: “Não é que aos físicos desagrade o imprevisto, pelo contrário: uma coisa inesperada é como uma portinha que te dá acesso a um carro que queres inspecionar por dentro e que antes não sabias entrar. Mas esta questão do Opera não creio que seja nenhuma porta”.
Os neutrinos são estudados com enorme interesse porque se suspeita que podem ser uma dessas portas até agora inacessíveis. De fato, o último resultado do Opera é colateral, porque o que o experimento (e outros nos Estados Unidos e no Japão) está investigando é uma estranha propriedade dos neutrinos denominada oscilação. Há três tipos destas partículas, e a oscilação é um fenômeno quântico pelo qual, ao percorrer longas distâncias, os de um tipo se convertem em outro e adquirem massa, embora seja muito ligeira.
“A massa dos neutrinos indica que há uma nova física para além do Modelo Padrão, para além da física que já conhecemos, e medi-la e verificar o tipo de massa, é muito interessante”, aponta a professora Belén Gavela. Ela dá outro exemplo importante do alcance que estas partículas têm na fronteira da física: “Com alguns experimentos de oscilações de neutrinos provavelmente estamos a ponto de descobrir algo que se chama violação de carga e paridade (CP), que é um ingrediente para explicar porque o universo que vemos é feito de matéria e não de antimatéria”.
Também os cosmólogos e os astrofísicos estão enormemente interessados nos neutrinos. “Neutrinos são emitidos por todas as estrelas que brilham e por todas as explosões de supernova... e pode ser que façam parte da matéria escura quente do universo”, assinala, com alguns exemplos, Juan García-Bellido, outro participante da conferência do IFT. “Os neutrinos emitidos um segundo após o Big Bang, o que se chama de fundo cósmico destas partículas, permeiam agora todo o cosmos com uma densidade de cerca de 400 neutrinos por centímetro cúbico”, acrescenta.
Gross, em sua fala, apontou várias questões abertas da física de fronteira, para além da partícula de Higgs que tanto interesse suscitou esta semana pelos indícios de sua existência anunciados no Cern. Entre vários mistérios pendentes de resposta e várias hipóteses e cenários propostos para abordá-los, destacou a massa dos neutrinos junto com incógnitas fascinantes, como a matéria escura ou a aceleração da expansão do universo. A questão de ultrapassar a física conhecida, o chamado Modelo Padrão, não deve surpreender: ao fim e ao cabo, o que Albert Einstein fez com a gravitação foi superar Isaac Newton.
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Os neutrinos são muito rápidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU