Por: André | 16 Dezembro 2011
Depois da ainda recente publicação de O último jesuíta [sem tradução para o português], uma novela sobre a tempestuosa época de Carlos III, o escritor jesuíta Pedro Miguel Lamet nos surpreende com um livro completamente diferente: As palavras vivas: Confidências de João, o discípulo predileto [lançado na Espanha pelas Paulinas], onde o evangelista, já ancião e retirado à ilha de Patmos, comenta o que sentiu na última ceia, quando reclinou a cabeça no peito de Jesus, a partir de suas palavras preferidas: barca, luz, vida, água, trono, mulher, mãe...
A entrevista está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 13-12-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Ultimamente vens publicando novelas históricas. A que responde este livro tão diferente?
Está na linha com outros relatos bíblicos que escrevi, como As palavras caladas ou O retrato, onde a narração leva a uma contemplação e a saborear as Palavras.
Por que João?
João é o mais místico dos evangelistas. Sempre me perguntei como era essa relação de Jesus com o discípulo amado. Seus textos revelam um caráter apaixonado e um acento na força poética da palavra. O prólogo me parece talvez a peça mais potente de toda a Escritura.
Contudo, hoje os exegetas discutem se os textos joânicos foram escritos por ele mesmo ou por seus discípulos.
Sim, há duas correntes. Comento isso no epílogo. Mas no livro me interessa, sobretudo, a alma de João, que está presente também nas cartas e no Apocalipse. A existência do discípulo amado é evidente pelo próprio texto evangélico.
O que é, então, o seu livro: ficção, exegese, espiritualidade?
Um pouco de tudo isso. Imagino em cena os personagens desde as recordações do protagonista, mas os comentários de João se baseiam em seus próprios textos e de seus melhores exegetas. Ao final pretendo que seja um relato que se possa ler de maneira fluida e ajude a meditação e a contemplação. Embora, logicamente, seja mais denso que o diário de Maria de As palavras caladas, tão bem acolhido pelos leitores e que, para a minha surpresa, foi adaptado à linguagem radiofônica pela Rádio Vaticano.
Falta hoje dimensão mística à Igreja?
A mística liberta, rompe muros, nos torna menos presos e mais abertos a outras culturas e espiritualidades. A frase de Rahner, "o século XXI será místico ou não será", está se cumprindo em muitos setores que vivem intensamente a busca da espiritualidade. O problema é que esta tendência subsiste com o medo à liberdade e à permissividade dominante, que move a Igreja a se refugiar e proteger-se nos bastiões da norma e da defensiva. Nesta crise econômica e de valores faltam grandes doses de mística e de esperança. João, o discípulo predileto, nos ensina a crer na vida que é semente de permanência, através de seus grandes símbolos, como a água e a luz.
Medo também da mística?
Todos temos direito à mística. Não apenas os grandes santos. Na formação católica foram feitos muitos reparos à experiência mística, como perigosa. No entanto, todo o acento era posto na ascética, que tem também seus desvios. Se não lhes dermos a mística, as pessoas vão procurá-la no Oriente. E no cristianismo temos excelentes mestres.
De modo geral vimos seus livros publicados por editoras laicas. Por que desta vez publica pelas Paulinas?
As Filhas de São Paulo me acolhem anualmente de maneira amável em sua banquinha da Feira do Livro, para fazer dedicatórias. Embora seja certo que só publico em editoras laicas para dar outro tipo de difusão aos meus livros fora dos circuitos religiosos, com esta obra quero dedicar uma homenagem a estas admiráveis mulheres que, com simplicidade e um sorriso, fomentam a partir de suas livrarias a boa leitura.
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"A igreja atual sofre um déficit de liberdade mística". Entrevista com Pedro Miguel Lamet - Instituto Humanitas Unisinos - IHU