02 Dezembro 2011
No ano passado, o veterano jornalista italiano Massimo Franco publicou um livro sobre o que ele vê como o declínio da relevância internacional do Vaticano. Seu capítulo de abertura era intitulado O Último Embaixador e apresentava um diplomata de um grande país ocidental que comparou a sua situação, ao representar o seu governo junto ao Vaticano hoje, à dos últimos embaixadores da República de Veneza, prestes a desaparecer em 1797.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 30-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Franco citou outro diplomata em uma recepção do Vaticano que olhava em volta para os seus colegas e se perguntava abertamente: "Quantos de nós ainda estarão aqui dentro de 10 anos?".
Seja qual for a resposta, será, ao menos, um a menos. No início de novembro, a Irlanda anunciou estar fechando a sua embaixada no Vaticano, embora mantendo relações diplomáticas com a Santa Sé (o anúncio foi feito em conjunto com o fechamento de outras duas embaixadas irlandesas, no Timor Leste e no Irã).
Imediatamente, a medida foi vista contra o pano de fundo da massiva crise dos abusos sexuais na Irlanda. Alguns observadores, no entanto, se perguntaram se essa poderia vir a ser apenas o primeiro fechamento de um ciclo mais amplo – que deixaria intactas no papel as relações diplomáticas formais com o Vaticano, mas que também deixaria em constante declínio o número de representantes em tempo integral que trabalham nessa relação diariamente.
A presença física de um embaixador e de uma embaixada, de acordo com a maioria dos observadores, é uma medida da seriedade com a qual uma nação leva o seu relacionamento com outra. Neste momento, o Vaticano tem relações diplomáticas plenas com 179 países, 80 dos quais, incluindo os Estados Unidos, mantêm uma embaixada e um embaixador em Roma dedicados ao Vaticano.
(Tecnicamente, as relações são estabelecidas não com o Vaticano, mas sim com a "Santa Sé", o termo para o papado como a sede de governo da Igreja e como uma entidade soberana nos assuntos globais).
A possibilidade de mais países optarem por reduzir a sua representação, dizem os observadores, é alimentada por três forças: a crise econômica global, que deixou muitos governos se esforçando para cortar gastos; uma percepção de que o Vaticano está menos engajado internacionalmente e é menos eficaz com o Papa Bento XVI do que com o Papa João Paulo II; e o impacto da crise dos abusos sexuais, que manchou a reputação do Vaticano como autoridade moral e reduziu a potencial reação política em muitos países de fechar embaixadas e retirar embaixadores.
Na verdade, não é como se a reputação diplomática do Vaticano estivesse em queda livre. Em dezembro de 2009, por exemplo, a Rússia fortaleceu a sua relação com o reconhecimento diplomático pleno – em parte, um tributo à eficácia do alcance ecumênico de Bento XVI à Igreja Ortodoxa Russa, que até então resistira a tal movimento.
Hoje, há apenas algumas nações que não mantêm relações com o Vaticano, incluindo a China, Coreia do Norte e Arábia Saudita. O Vaticano continua funcionando como um púlpito único nos assuntos globais, como testemunhado pela assembleia inter-religiosa em Assis no dia 27 de outubro, hospedada por Bento XVI, e por um recente e badalado documento sobre a reforma da economia internacional divulgado pelo Conselho Pontifício Justiça e Paz.
Em regiões do mundo onde o catolicismo está crescendo, incluindo a África subsaariana e partes da Ásia, o momento parece ser favorável ao fortalecimento dos laços vaticanos, não ao seu enfraquecimento. Por exemplo, a última nação a estabelecer relações com o Vaticano foi a Malásia, de maioria muçulmana, em julho passado.
Entre as potências ocidentais tradicionais, no entanto, o clima é um pouco diferente.
Nos últimos anos, os embaixadores ocidentais silenciosamente reclamaram que se tornou mais difícil envolver o Vaticano sobre questões internacionais e que a diplomacia vaticana parece estar passando por um período de retração.
Os diplomatas do Vaticano de hoje, afirmam, estão altamente focados em questões de liberdade religiosa e de perseguição anticristã, mas às vezes menos interessados em outros assuntos. Alguns diplomatas apontam para a percepção de que o Vaticano não se engajou profundamente na Líbia da mesma forma que havia feito anteriormente nos conflitos dos Bálcãs ou do Iraque com João Paulo II, por exemplo.
Além disso, afirmam esses diplomatas, a crise dos abusos sexuais criou um ambiente político em que os críticos do financiamento das missões do Vaticano podem brandir uma nova e poderosa munição.
"Por causa da crise, as pessoas no meu governo que sempre questionaram por que temos uma embaixada aqui estão muito mais audaciosas", disse um diplomata ocidental ao NCR em meados de novembro. "Na verdade, eu não tenho certeza de quanto tempo poderemos aguentar".
Muitos observadores dizem que, se houver fechamentos ou reduções adicionais, o mais provável, pelo menos no curto prazo, é que venham da Europa, em vez dos Estados Unidos. É um tiro no escuro, afirmam, que um presidente democrata que já enfrenta uma relação complicada com a Igreja Católica dê um passo como esse – especialmente se dirigindo para as eleições de 2012, em que o "voto católico" estará mais uma vez em jogo.
Enquanto isso, autoridades católicas na Irlanda expressaram esperança de que o governo possa reconsiderar a questão. O cardeal Seán Brady, de Armagh, disse que o fechamento "parece mostrar pouca consideração pelo importante papel desempenhado pela Santa Sé nas relações internacionais e pelos laços históricos entre o povo irlandês e a Santa Sé ao longo de muitos séculos".
No entanto, os sinais sugere que, por enquanto, a reconsideração é improvável. Poucos dias depois que o fechamento da embaixada foi anunciado, o ministro das Relações Exteriores irlandês, Eamon Gilmore, disse ao Dáil, o Parlamento irlandês, que o governo não convidou Bento XVI ao país para participar de um Congresso Eucarístico de 2012, e que esse convite nem estava sendo levado em consideração. Os observadores dizem que isso torna quase impossível que Bento XVI visite a Irlanda no ano que vem, o que outros observadores haviam apontado como uma possível reviravolta nas tensões recentes.
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Irlanda: apenas a primeira embaixada a abandonar o Vaticano? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU