20 Novembro 2011
O pontificado do Papa Bento XVI está "em crise". Ou melhor: "É caracterizado por uma impressionante sucessão de crises como não aconteceu com nenhum dos papas dos últimos cem anos". Essa é a tese acusatória do livro recém-publicado por Marco Politi, pela editora Laterza, intitulado Joseph Ratzinger. Crisi di un papato (328 páginas). Essa acusação merece uma resposta, seja porque está bem argumentada, seja porque corresponde ao sentimento de "crise" – a palavra temática foi bem escolhida – vivida por um grande componente do mundo eclesial na Itália e no exterior.
A análise é do vaticanista italiano Luigi Accattoli, publicada no jornal Liberal, 09-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Minha primeira resposta é que, sim, há uma crise – ou pelo menos a advertência, o sentimento de uma crise –, mas ela se refere à Igreja e não ao pontificado do Papa Bento XVI: ou seja, não só o pontificado. A segunda resposta é que a reação "impolítica" à crise que o Papa Ratzinger está desenvolvendo – concentrando-se na figura de Cristo e na teologia do amor, opção pela purificação penitencial da Igreja – talvez seja a única possível e, de fato, até hoje, não deu nenhuma má prova de si mesma.
O colega Politi elenca boas razões no desenvolvimento da sua acusação.
"A Igreja Católica, sob a superfície de cintilantes manifestações de massa, vive uma crise profunda. A falta de vocações cria espaços vazios em dezenas de milhares de paróquias": isso é muito verdade. As mesmas manifestações tendem a ser infladas até a arte: "No caso do megaencontro juvenil de Madri, a cifra de dois milhões é mitológica": isso também é verdade. Eram muitos, mas não dois milhões.
"O maior `pecado` deste pontificado é que, no Vaticano, discute-se pouco sobre as escolhas estratégicas a serem feitas": eu não saberia dizer melhor.
"Milhões de fiéis não se reconhecem nas normas relativas às relações interpessoais, ao divórcio, à interrupção da gravidez. Não compreendem por que um sincero laço homossexual deve ser constantemente demonizado. Não compreendem por que às mulheres da Igreja devem ser reservadas apenas funções de serviço, sem nenhuma possibilidade de participar das decisões": tudo verdade, mas isso também era verdade com João Paulo II e ainda com Paulo VI. E provavelmente será com o próximo papa.
"Mesmo no tema da fecundação, os casais se movimentam segundo escolhas de consciência ditames dos ditames do Vaticano": muito verdade, mas isso já acontecia há muito tempo, como todos sabem. A Humanae Vitae é de 1968 e a sua contestação também é desse mesmo ano. No máximo, poderíamos dizer que a indicação do magistério não é um diktat, e o Papa Bento XVI fez mais do que seus antecessores para que ele seja pretendido como um conselho e não como imposição.
Até sobre a reação à pedofilia do clero – onde Bento XVI geralmente encontra bons reconhecimentos –, Politi é drástico: "Ele proferiu palavras duras contra os culpados e a falta de vigilância das autoridades eclesiásticas, mas não abriu os arquivos vaticanos para lançar luz sobre décadas de encobrimentos. Na Itália, depois, a Conferência Episcopal [CEI] não criou nenhuma comissão de inquérito, como ocorreu em outros países, e até agora se recusou até a nomear um bispo responsável do dossiê pedofilia em nível nacional". A CEI podia ter feito mais: estou entre aqueles que pediram que ela fizesse mais, mas não atribuo a responsabilidade a Bento XVI. É justo solicitar uma glasnost mesmo que retrospectiva. Mas, para esse setor, se deveria reconhecer que as diretrizes e o exemplo vindos de Bento XVI constituem um fundamento para toda solicitação para ir mais longe.
Problemas epocais
A argumentação, portanto, é boa e acerta várias flechas no alvo. Mas onde eu discordo de Politi é na discussão de problemas epocais (valendo os exemplos já mencionados da sexualidade, das vocações e das mulheres), conduzida sobre o pressuposto de que um papa pode resolvê-los, desde que o queira; e que Bento XVI não propôs uma "rota" própria para a solução; e que, mesmo onde ele fez escolhas, ele só "dividiu ainda mais" o corpo dos fiéis.
Politi – que não é católico – não alimenta uma aversão pessoal contra o papa alemão: "Joseph Ratzinger é uma personalidade interessante. Um pensador, um pregador. Privadamente, ele não é tão rígido como afirmam certos estereótipos. Por exemplo, ele defende que, se um padre está sinceramente apaixonado por uma mulher e está convencido de que quer formar com ela um casal sólido, então é justo que ele siga o seu caminho". Esse crédito à pessoa deve ser levado em conta.
Mas eis o resultado negativo que, segundo o nosso analista, se liga à personalidade do papa: "Bento XVI também tem um temperamento solitário, monacal, que não parece ter os trejeitos de um governante. Certamente, ele não tinha a ambição de ser pontífice. Foram os cardeais mais conservadores e grupos como o Opus Dei que o impulsionaram. Falta no seu pontificado uma visão geopolítica. Há o desejo profundo de reavivar a fé, mas sem as reformas que a Igreja precisa".
É verdade que Bento XVI não tem uma visão geopolítica: João Paulo II sentia mais as fronteiras e os sistemas políticos e o Norte e o Sul. O Papa Ratzinger tem uma visão evangélica da sua missão. Como católico, posso dizer que isso não me desagrada.
É verdade que ele não tinha a ambição de se tornar papa: ele queria voltar à sua Baviera e tinha comprado a casa da aposentadoria junto com o seu irmão Pe. Georg. Mas não é verdade que ele tenha sido eleito por uma manobra. Politi dedica os dois primeiros capítulos do livro ao "segredo do conclave" que elegeu um cardeal que "não devia se tornar papa: não podia". Por ser uma figura "polarizadora", isto é, divisora. E tornou-se papa pela combinação do novo sistema eleitoral adotado pelo Papa Wojtyla (a diminuição do quórum de dois terços de maioria absoluta depois do 34° escrutínio infrutífero) e a situação de "medo" em que os cardeais se encontraram depois da morte do Papa Wojtyla.
Com efeito, a situação era fortemente emotiva, mas não houve pânico. E a maioria absoluta estava do seu lado, o que ficou manifestado com clareza pelos três primeiros escrutínios. Ela subiu para os dois terços com a quarta votação, pelo fato de o candidato mais votado depois do "decano", o argentino Bergoglio, teve medo do pontificado e, na hora do almoço daquele 19 de abril de seis anos atrás, esconjurou os apoiadores a votar em Ratzinger. Com o desdobramento do conclave é protegido pelo sigilo, a minha reconstrução é indiciária assim como a de Politi. Aos leitores, cabe a tarefa de avaliar a verossimilhança de uma e de outra.
"O grupo de cardeais que pressionou pela eleição de Ratzinger – defende Politi – não tinha nenhuma visão da relação entre Igreja e sociedade moderna. Queria apenas uma defesa da tradição e de uma `identidade` em contraposição ao mundo contemporâneo": é uma tese partidária. Esse grupo, que se tornou em pouco tempo uma maioria de mais de dois terços, queria uma continuidade substancial com o pontificado de João Paulo II, de forma a disciplinar e dar segurança doutrinal à herança criativa que havia suscitado muitas resistências de sinal oposto no corpo da Igreja.
Reforma na continuidade
Como contraprova da tese de um papa divisor, Politi defende que, "a respeito do Vaticano II, Bento XVI está fazendo de tudo para negar a sua reviravolta representada pelos documentos conciliares: em primeiro lugar, o primado da liberdade de consciência, a relação com as outras religiões, o ecumenismo". Eu nego, nego, nego. Bento XVI fala de "reforma na continuidade", que não é uma fórmula limitadora: não para mim. Ele contesta que, com o Concílio, houve ruptura, não novidade.
O primado da liberdade de consciência é muito claro no magistério do Papa Bento XVI. Ele reconhece como "compreensível" a escolha de quem abadona a Igreja por causa do escândalo da pedofilia. Do mesmo sinal é o seu respeito pela escolha do padre que deixa o sacerdócio para se casar.
A relação com as religiões: a quarta Jornada de Assis, celebrada no dia 27 de outubro passado, no 25º aniversário da primeira, diz que não houve esse cancelamento da novidade conciliar. Politi insista na "catástrofe de Regensburg" e ele certamente tem alguma razão, mas, depois de Regensburg, houve a viagem à Turquia do fim daquele ano de 2006 e a viagem à Terra Santa de 2009 e, por fim, Assis, que nos permitem dizer que aquele incidente foi superado e deu seus frutos. Mesmo as dificuldades cíclicas com o judaísmo são as mesmas que ocorreram com os anteriores pontificados: a visita – já citada – a Israel e a do ano passado à Sinagoga de Roma estão aí para atestar que não se produziu nenhum dramático retrocesso.
O ecumenismo: em visita ao Patriarca de Constantinopla em novembro de 2006, o Papa Bento XVI confirmou o propósito de João Paulo II de uma busca comum por "novas formas do ministério petrino", que possam ser aceitas por todas as Igrejas. O encontro com os luteranos ocorrido em setembro passado em Erfurt diz que também se está caminhando nessa direção. Certamente, com o passo de Roma: mas também com Paulo VI e João Paulo II se dizia que o ecumenismo marcava o passo.
A meu ver, Politi aumenta o significado dos "erros de comunicação" que se verificaram nos primeiros seis anos deste pontificado: Regensburg, o preservativo, Williamson e outros menores, e subestima escolhas fundamentais que já deram frutos visíveis.
Sobre Regensburg, eu já falei. Sobre o preservativo, deve-se dar uma melhor avaliação à frase "legitimante" do Papa Ratzinger contida no livro-entrevista Luz do mundo, com relação à frase minimalista assumida por Politi na página 205 do livro. O papa assinalou um caso de "uso justificado" análogo àqueles que os cardeais Martini, Cottier, Tettamanzi, Lozano Barragan já haviam proposto.
Escolhas estratégicas
Eu dizia que, embora aumente os incidentes de comunicação, Politi subestima escolhas estratégicas que mereceriam uma leitura melhor. Destacamos quatro delas: a Jornada de Assis (sobre a qual eu já falei), a reforma das finanças (que conecta liquida como "imposta" pelas circunstâncias: foi imposta, mas é igualmente estratégica e histórica), o Átrio dos Gentios, a criação dos Ordinariatos para pessoas provenientes da Comunhão Anglicana.
É verdade que ainda não sabemos o que o Átrio dos Gentios poderá fazer (assim Politi se expressa na página 282), mas a ideia de remetê-lo a uma acepção discriminadora do diálogo com os não crentes me parece decisivamente tendenciosa. Em várias ocasiões, o colega polemiza com a "rejeição" do Papa Ratzinger de "abrir a discussão sobre a ordenação dos casados" (veja-se, por exemplo, a página 289) e não leva em conta o fato de que a Constituição Apostólica sobre os Ordinariatos para as pessoas provenientes do anglicanismo prevê a ordenação de homens casados: no estilo da prudência condizente com um papa, esse é um passo rumo à possibilidade de uma tal ordenação, até na Igreja Latina, da qual os Ordinariatos pós-anglicanos farão parte.
"Não se capta uma indicação de uma rota", conclui Politi na página 303. Ao contrário, ela é, sim, captada. É uma rota que não visa às reformas, mas à conversão, que é muito bem expressa pela escolha do papa teólogo de se concentrar na figura de Jesus e na pregação de um Deus que é "todo amor e só amor". Uma rota que não renega nada do Vaticano II, mas solicita uma fidelidade atenta à sua leitura além do espírito. Que coloca como prioritária e fundamental a fase da escuta e da purificação interior com relação à fase da proclamação "ad extra", que quer que ela seja proposta na humildade de quem está consciente dos seus limites. O pedido de perdão pelos pecados da pedofilia – outra subestimação de Politi – deve ser considerado como um ato de governo em seu pleno direito.
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"Crise de um papado"? Uma resposta a Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU