Instalado há quatro décadas em Paris, onde é professor de História na Universidade de Paris IV,
Luiz Felipe Alencastro volta-se a 2005 para dizer que a Europa só encontra saídas quando encurralada. Como é isso que parece estar prestes a acontecer, uma solução pode estar a caminho.
A reportagem é de
Maria Cristina Fernandes e publicada pelo jornal
Valor, 11-11-2011.
Naquele ano a França recusou a
Constituição Europeia em referendo. O mal humor da segunda economia do euro levantou dúvidas sobre o futuro da União. Três anos depois, no entanto, o
Tratado de Lisboa, último arcabouço jurídico da União Europeia, acabaria aprovado por maioria simples no parlamento francês.
Com a Itália, terceira economia da zona do euro, à deriva, as atenções se voltam ao eixo do bloco, França e Alemanha cujos dirigentes, de tão afinados, viraram uma entidade:
Merkozy.
Alencastro lembra as manifestações na Grécia para explicar por que os alemães têm dificuldades históricas em liderar uma saída política para a crise europeia. Sob o calor das manifestações de rua em Atenas, a destruição da Grécia pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial acalentou o discurso de que a Alemanha tinha um preço a pagar pela crise grega seis décadas depois.
O historiador diz que a chance de a França liderar uma saída política para o bloco está nas eleições presidenciais de maio do próximo ano, as primeiras a serem marcadamente pautadas pela questão europeia. Apesar da derrota nas eleições regionais,
Nicolas Sarkozy está longe de ser uma carta fora do baralho. Depois de assistir dia após dia o presidente francês como protagonista da geopolítica mundial nos telejornais da noite, dividindo os holofotes com
Barack Obama, Alencastro o viu disparar nas pesquisas de opinião.
O principal oponente,
François Hollande, do Partido Socialista, não tem o mesmo traquejo de
Sarkozy, que já havia sido ministro das Finanças antes de virar presidente. Sempre se ocupou de funções burocráticas no partido e nunca exerceu cargo no Executivo. Não tem uma liderança política empolgante.
Alencastro compara seu carisma ao do governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin. Seu partido, porém, além de ter ganho as últimas eleições regionais, é europeísta e tem quadros suficientes para formular uma saída para a crise no bloco.
Alencastro aposta que o discurso político ainda não incorporou os riscos que corre o continente se a moeda ruir. Não haverá como manter uma trinca de países - Alemanha, França e Inglaterra - com um padrão de vida que se convencionou chamar de europeu, enquanto o resto do continente paga o ônus da recessão, do desemprego, da perda do colchão social e da escalada da xenofobia.
A fórmula
Merkozy para lidar com a crise tem sido a de recomendar que o
Banco Central Europeu aumente o arrocho sobre os parceiros. Os fundos de desenvolvimento criados para diminuir as disparidades entre os países integrantes do bloco viram seus recursos serem sucessivamente reduzidos pela progressiva ampliação do número de seus participantes de 16 para 27 em dez anos.
A crise financeira acrescentou mais uma restrição a esses fundos limitando seu acesso a países que sigam a cartilha do arrocho.
O nó político a ser desatado na Europa é muito mais intricado do que a queda de braço entre
Barack Obama e os radicais do Partido Republicano.
Foi em troca de uma moeda garantida pelo
Banco Central Europeu que 27 Estados concederam sua soberania para aderir ao bloco do euro. Com a crise financeira iniciada em 2008, a Alemanha mandou dizer ao BCE que cada país teria que se virar com sua dívida. Hoje a Alemanha paga 1,7% para rolar seus títulos de dez anos no mercado, enquanto a França paga 3,4%, a Itália, 6,8% e a Grécia chegou a 28%.
O economista
Paul Krugman diz que uma das explicações para o Reino Unido, os Estados Unidos e o Japão poderem continuar rolando suas enormes dívidas a juros baixos é o fato de os investidores saberem que, num aperto, esses países podem se financiar imprimindo mais moeda.
O
Banco Central Europeu, fundado sob o temor histórico alemão de hiperinflação, proíbe esse recurso em seus estatutos. Só a convicção de que a salvação do bloco é vital para os países centrais do euro seria capaz de derrubar esse veto.
Foi-se o tempo em que a
União Europeia se debatia em torno da lanterna amarelada dos carros que os franceses resistiam a abrir mão em prol do farol branco e ofuscante determinado por Bruxelas.
A Europa ainda não produziu um discurso político capaz de convencer eleitores de que é preciso elevar a idade de sua aposentadoria para manter empregos no outro lado da fronteira. Até porque os aposentados na França e na Alemanha já tiveram que abrir mão de muitos dos benefícios de que usufruiam quando eram pagos em francos e marcos.
Alencastro não hesita em afirmar que se houvesse um referendo hoje na Europa o fim do euro ganharia com folga. Uma das razões é porque a lógica majoritária sempre favorece o "não", por mais diversas que sejam suas razões.
O custo do fracasso europeu não é facilmente acomodado sob um "sim". A
União Europeia nasceu num pós-guerra traumático sob a utopia de uma federação de países sem aduanas de egoísmos nacionais. E hoje entra em crise pela desigualdade renitente de seus integrantes. O colunista do "
Financial Times",
John Plender, lembrava na edição de ontem que o momento de maior rigor fiscal da Itália se deu sob o regime fascista de Mussolini. E sugeriu que o desmanche do bloco é a saída contra extremismos.
Alencastro ainda aposta que a Alemanha, por ter 60% de seu comércio internacional concentrado na zona do euro, é a maior interessada na moeda única. Diz que a Itália tem seis milhões de pequenos e médias empresas - dois milhões a mais que a França - que dão sustentação à sua economia. E acredita que, como o fim do euro ainda é mais custoso para seus integrantes que sua manutenção, o bloco vai sobreviver à crise.
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A Europa encurralada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU