25 Outubro 2011
Com sua visita à Alemanha, nos dias 22 a 25 de setembro de 2011, Bento XVI não correspondeu a muitas expectativas. Mas, colocou acentos significativos no que diz respeito à natureza da fé.
A análise é de Johannes Röser e Michael Schrom. Röser é redator-chefe da revista Christ in der Gegenwart, nascido em 1956, estudou teologia em Friburgo e Tübingen e é jornalista desde 1981. Entre seus interesses: religião e teologia, sociedade, as ciências naturais, a América Latina e a África. É autor de várias publicações junto à Herder de Friburgo. Schrom é redator da Christ in der Gegenwart, nascido em 1968, e estudou teologia em Munique e em Paris. Formação como jornalista e primeiras experiências em Munique.
O artigo foi publicado na revista alemã Christ in der Gegenwart, nº. 40, 02-10-2011. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o texto.
Houve um momento de silêncio – e, no entanto, o mais comovente de toda a viagem: quando Bento XVI, no estádio olímpico de Berlim, no mesmo dia deu a comunhão a deficientes em cadeiras de rodas e a uma doente terminal. No mesmo lugar em que Hitler prestava homenagem, em 1936, ao esplendor esportivo dos corpos e intitulava heróico o que é atlético, forte, potente e belo, porque fazia apagar a assim chamada "vida indigna de ser vivida" e a Alemanha caía na maior catástrofe, três quartos de século depois o papa alemão distribuía o sacramento da vida – primeiro e último viático para o homem sempre mais débil que é condenado a morrer e será sustentado unicamente pela esperança em germe de redenção verdadeira da parte de Deus na vida eterna.
Bento XVI explicou o motivo de sua visita no decurso da recepção oferecida pelo Presidente federal Chritian Wulff no castelo de Bellevue em Berlim: sua vinda foi "para encontrar o povo e falar [...] de Deus" [L’Osservatore Romano- OR 23 de setembro de 2011, 7]. Como a religião necessita da liberdade, assim a liberdade necessita da religião – desta forma citou o reformador social e bispo de Misna, Wilhelm Emanuel von Ketteler que, no século XIX, combateu opondo-se a uma igreja de estado que amordaçava e tentou esclarecer que a esfera espiritual das pessoas cristãs caracteriza ao mesmo tempo a esfera espiritual de seu ser cidadãos.
Religião ou não-religião: nenhuma das duas é uma questão privada. De que modo uma pessoa reflete sobre a vida, que significado nela encontra, se crê ou não em Deus, ou se se lança contra o cristianismo e o combate – desta forma sempre o clima social, político e estatal e muitas decisões públicas, e mesmo a legislação, são determinadas por isso. Nada existe aí de insulso, não importa segundo que espírito – ou espírito destrutivo – se trabalha, se vive, se age.
Ao Parlamento federal, após a precedente violenta polêmica da parte de diversos deputados, segundo os quais o líder de uma religião não teria nada a procurar na casa da democracia, Bento XVI pronunciou um discurso filosófico que surpreendeu e encontrou um reconhecimento transversal da parte dos partidos. E isto também porque rompeu de modo espetacular a retórica e a routine a que estão habituados neste fórum. O papa mostrou-se muito sensível à maneira em que e como se possa conseguir criar, à luz de uma razão natural, acessível a todos os homens, e de um pensamento sobre a lei natural penetrado por ela, um direito bom. Bento XVI propôs um elegante arco até a idade pré-cristã esclarecendo que, independentemente das convicções religiosas e das pretensões de revelações espirituais, existem fontes de conhecimento que estão radicadas no próprio ser e no mais profundo de tudo aquilo que, puramente positivista e assim arbitrário, se propõe como norma, como ordem.
A ecologia do homem
Para quem crê, a razão objetiva e subjetiva provém naturalmente da mesma forma da razão criadora de Deus. Na interação da natureza e da razão Bento XVI vê, não obstante todas as diferenças espirituais, culturais, religiosas ou ideológicas, algo de universal, de unificante e vinculante para o direito e a dignidade humana, para a humanidade em geral.
Neste contexto se prestou muita atenção a uma alusão do papa ao movimento ecológico, que despertou a consciência de que algo em nossa relação com a natureza não funciona, "que a matéria não é somente um material para o nosso fazer, mas que a própria terra traz em si sua própria dignidade e nós devemos seguir suas indicações" [Discurso ante o Parlamento federal no Reichstag de Berlim, OR 24 de setembro de 2011, 7]. Consequentemente, existe uma "ecologia do homem". Mesmo este tem um equilíbrio interior, um equilíbrio espiritual e mental que ele não deve arruinar. O homem possui uma natureza "que deve respeitar e que não pode manipular ao seu bel prazer" [ibid.].
Permanece uma questão aberta sobre se, do modo como Bento XVI vê esta harmonia de natureza e de razão natural, ele interpreta este equilíbrio mais estaticamente como direito natural e como uma espécie de lei imutável – ou dinamicamente. A simples "conservação" da criação contradiz certamente a evolução real de todas as coisas, da natureza e da cultura a ela associada: a mudança, o desenvolvimento, o progredir determina tudo o que existe. O ser é tornar-se, em suma, é progresso. A razão natural, como o papa a concebe, é contrária ou amiga do progresso, é pessimista ou otimista? O papa evitou esclarecer este aspecto. Acrescentou, todavia, interrogando-se e promovendo a plausibilidade da idéia de Deus, uma observação interessante. "É verdadeiramente carente de sentido refletir se a razão objetiva que se manifesta na natureza não pressupõe uma Razão criadora, um Creator Spiritus?" [ibid.]. Este ponto de vista deveria, no entanto, levar consequentemente ao reconhecimento da razão humana querida por Deus e, portanto, como criadora, dinâmica, em condições não só de receber, mas também – coisa que o papa, todavia, rejeita sempre com ceticismo – de "fazer", com divina dignidade, de modo absolutamente não arbitrário, casual, ou ao bel prazer.
A questão política foi tematizada ao Parlamento como um grande problema cultural que Bento XVI situou no vasto horizonte da história intelectual européia. A identidade da Europa ele prevê provir de um processo dinâmico, de uma ampliação de perspectivas e de uma fusão de horizontes, do encontro de Jerusalém, Atenas e Roma, da fé no Deus de Israel, da filosofia helenística e do pensamento jurídico da antiguidade romana.
O que e como o papa tenha descoberto o espiritual na política é um fato que tocou muito os parlamentares, não obstante as diversas visões do mundo. Os parlamentares, que pensavam dever sentar por protesto, evidenciaram uma incapacidade para tal.
Bento em visita a Lutero
Enquanto a abertura político-filosófica da viagem do papa teve êxito, alguns acontecimentos no decurso ulterior da visita, sobretudo no que se refere às áreas problemáticas internas à igreja, causaram pesadas irritações. Como momento ecumênico saliente na terra da Reforma, a visita ao mosteiro agostiniano de Erfurt, de Martinho Lutero, foi esperada com tensão. Tanto mais porque Bento XVI havia precedentemente nutrido as esperanças com o seu próprio desejo de dar uma forte prioridade a este ponto do programa. Nos seus discursos tornados públicos, o papa não louvou a Renovação ou o Reformador. Bento XVI evitou estes termos de modo conspícuo. Referiu-se, ao invés, ao sacerdote católico e monge que havia lutado por toda a vida em torno a uma só coisa: "Como posso ter um Deus misericordioso? (1)" [OR 25 de setembro de 2011, 8].
No encontro a portas fechadas com uma delegação evangélica o papa retomou a pergunta e solicitou superar "o erro da idade confessional", de "ter visto em geral somente o que separa, e não ter percebido de modo existencial o que temos em comum nas grandes diretivas da Sagrada Escritura e nas profissões de fé do cristianismo antigo" [ibid.]. Bento XVI indicou o ecumenismo principalmente como empenho no proceder conjuntamente contra a secularização da sociedade e a alienação de Deus, no manter viva e mesmo no despertar da questão de Deus. Que alcance poderiam ter os esforços ecumênicos internamente, para os próprios cristãos divididos, é infelizmente uma reflexão que não tem sido enfrentada pelo papa. Em todo o caso, não fechou as portas.
O veto evangélico esquecido
Muitos perceberam como particularmente triste o fato de que Bento XVI não tenha encontrado alguma palavra oficial redentora em favor da comunhão eucarística, que há tempo de fato se instituiu, entre cônjuges e famílias de confissões diversas e, ao invés disso, tenha explicado porque ele – diversamente dos políticos nas visitas de Estado – não tenha podido levar algum "dom ecumênico do hóspede" [Ato ecumênico em Erfurt, OR 25 de setembro de 2011, 9]. Tais esperanças constituiriam "um mal-entendido político da fé e do ecumenismo" [ibid.]. Também as tentativas postas em prática pelo presidente do conselho da Igreja evangélica alemã, Nikolas Schneider, de salvar ante as telecâmeras a situação enquanto se dirigia ao papa para induzi-lo a uma saudação de paz, pareceu antes confuso e impotente.
Os muitos esforços de diálogo teológico científico, os textos de convergência e as tratativas são, na realidade, somente um mal-entendido político? Após tudo, Bento XVI elogiou expressamente o bispo Lohse e o cardeal Lehmann que, na esteira da visita de João Paulo II à Alemanha há trinta anos, trabalharam intensamente para indicar e, enfim, para afirmar que as recíprocas e precedentes condenações doutrinais hoje já não tocam mais as duas partes em jogo.
No entanto, neste contexto, o papa não recordou sequer o que ele fez, vale dizer, seu forte empenho para a Declaração conjunta sobre a doutrina da justificação (25 de junho de 1998) [Enchiridion Oecumenicum 7, Dehoniane, Bolonha 2006, 885s. (nn. 1831s.)], um documento que encontrou, por sua tramitação na qualidade de prefeito da Congregação para a doutrina da fé, como primeiro texto ecumênico de alto nível, um reconhecimento jurídico vinculante da parte do Vaticano e, de outra parte, da Federação Luterana Mundial. Na festa da Reforma de 1999, aos 31 de outubro (2), o documento recebeu valor com a subscrição de uma ulterior e clarificadora declaração oficial comum. Todavia, seu impacto histórico permaneceu pálido, o que entre outras coisa é imputável ao fato de que então, em nível de preliminares, em torno de 180 professores evangélicos de teologia apelaram ao veto e assim a Declaração foi privada da autoridade da parte protestante.
Na época, houve significativos estudiosos evangélicos e especialistas que criam opinião falando de "ecumenismo edulcorado", afirmando ser iludidos pelos católicos. E houve uma jornalista evangélica de um importante cotidiano alemão que liderou uma verdadeira campanha contra o reconhecimento desta Declaração¸ com "sucesso" porque este documento é pouco recebido na igreja evangélica nos países de língua alemã, diversamente do luteranismo em nível mundial (3).
A declaração Dominus Iesus (4), que o Vaticano emitiu um ano depois, um documento com efeitos ecumenicamente devastadores, que em sentido próprio negou às igrejas evangélicas serem igreja, certamente pode ser lido como uma resposta à conduta de fechamento da parte evangélica, depois que o magistério dos teólogos evangélicos não agiu segundo as intenções de Ratzinger e até lhe preparava assim uma grande desilusão ecumênica. Estes fatos e o suceder-se temporais dos eventos são hoje prevalentemente calados, enquanto as culpas são atribuídas somente a Roma. Também o ecumenismo é "psicologia" e "política" em partes substanciais, com todas as debilidades e capacidades humanas.
Mas, principalmente o empenho ecumênico era, é e continua sendo uma questão de confiança, de estima recíproca, de amizade pessoal, como a viveram os pioneiros do acordo, que foram depois substituídos por uma geração mais jovem e mais resoluta de teólogos, a qual se preocupou principalmente por um ecumenismo feito de vantagens e de delimitações correspondentes.
Que pode por isso dizer Amém
A frieza de Bento, perceptível tanto do ponto de vista histórico como físico ante os evangélicos não deveria, em todo caso, ser exagerada. O papa sabe muito bem que são ecumênicas muitas práticas que, na doutrina oficial, se necessário, são permitidas como casos particulares, como, por exemplo, a recíproca hospitalidade eucarística. Também no livreto para a grande festa eucarística com o papa em Friburgo se encontra, antes da comunhão, uma nota muito aberta de explicação aos não católicos: "A recepção da santa comunhão é expressão da nossa união íntima com Cristo. Na administração da comunhão a todo crente é mostrada a santa hóstia com as palavras "o corpo de Cristo". Quem participa da comunhão deve poder dizer com coração sincero "Amém": Sim, creio que neste pão está presente o próprio Cristo". Porque não deveria poder existir um ulterior desenvolvimento deste percurso?
O Lutero católico de Erfurt não é certamente o reformador de Wittenberg. A visita de Bento à Turíngia foi muito bem pensada quanto à escolha do tempo histórico e do lugar. Atraiu a atenção o fato de que o papa, na pregação teletransmitida, não tenha citado Lutero, principalmente, e não tenha recordado nem a Reforma, nem a iminente festa da Reforma. Da mesma forma, se absteve de todo aceno à problemática histórica do papado. Inversamente, envolveu-se nesta expressamente mais tarde, lá onde se sentiu melhor espiritualmente, entendido e em casa: entre os ortodoxos.
Apelo aos ortodoxos
Numa atmosfera cordial, em Friburgo, Bento XVI assim se expressou: "Entre as igrejas e as comunidades cristãs, a Ortodoxia, teologicamente, é a mais próxima a nós; católicos e ortodoxos conservaram a mesma estrutura da igreja das origens [...]. E assim ousamos esperar [...] que não esteja demasiado longe o dia em que poderemos celebrar novamente juntos a eucaristia" [Encontro com os ortodoxos no seminário de Friburgo. OR 26-27 de setembro de 2011, 3]. "O atual bispo de Roma, olhando para trás, tem sua amizade pessoal com representantes das igrejas ortodoxas" [ibid.], através da qual "tem podido conhecer e apreciar a Ortodoxia de modo sempre mais profundo" [ibid.]. Ele também tematizou os conflitos sobe o primado de jurisdição do papa, isto é, a pretendida primazia jurídica. Seria preciso continuar para atingir "sua justa compreensão" [ibid.]. Bento XVI retomou as considerações de João Paulo II sobe o fato de que uma distinção entre a natureza e a forma do exercício do primado poderia ser útil para "dar-nos frutuosos impulsos" [ibid.].
O papa também elogiou os esforços das igrejas nacionais de mais forte unidade intra-ortodoxa que, por exemplo, na Alemanha, se reencontraram numa conferência comum dos bispos. Todavia, ele não enfrentou os muitos litígios intra-ortodoxos e nem mesmo o fato de que as forças ortodoxas influentes considerem uma heresia católica o papado e demonizem o mundo moderno como moralmente corrupto. Pode um católico-ortodoxo ser capaz da solidariedade que o papa, com grande simpatia, tenta atingir para melhor justificar a fé em Deus na modernidade como uma realidade ecumênica com as igrejas evangélicas da liberdade que, nos pontos essenciais, já superaram o anti-modernismo persistente, católico e ortodoxo.
Publicamente Bento XVI não se expressou sobre o que pensa a respeito do processo de diálogo proposto pelo arcebispo Robert Zollitsch, presidente da Conferência episcopal alemã, sobre jornadas ecumênicas (5), a carência de sacerdotes e o consequente abandono da cura pastoral àqueles noventa por cento de católicos que não têm uma boa relação ou praticamente não têm mais contato com sua igreja. Ele indicou a necessidade de uma re-evangelização, mas não associou a esta as problemáticas relativas à renovação do ministério espiritual.
"Em todas as questões mais urgentes, o papa não O deixou só?" foi pergunta a Zollitsch numa conferência de imprensa. Ele explicou que o papa, em sede privada, num almoço com os membros da Conferência episcopal, teria absolutamente apreciado a "iniciativa de diálogo" da igreja que, no entanto, entrementes e oficialmente, foi conceitualmente desqualificada a "processo coloquial".
Por mais vezes Bento XVI se mostrou crítico sobre o "fazer", em âmbito religioso, eclesiástico estrutural e litúrgico. Isso ocorreu de modo curioso quase mais luteranamente do que Lutero, porque Bento XVI na realidade espera muito radicalmente que toda renovação provenha da graça, do dom da fé, o qual seria acolhido sem pressupor a natureza e a aperfeiçoa, diz contrariamente um velho dogma teológico. Será o papa mental e espiritualmente muito menos "católico" do que se pensa?
Entre os serviços litúrgicos mais expressivos figurava uma prece vespertina com 30.000 jovens que transformaram o terreno de exposição da feira de Friburgo, urbanisticamente antes desolado, num mar de luzes. Um palco iluminado de dia, coberto por uma tenda circular quase suspensa, anulou amplamente uma arquitetura, prevalente nas outras liturgias e que era imponente à distância, de modo que também de longe se tinha a impressão de ser absorvido por este círculo noturno de oração. Junto a isso, muitos jovens pertencentes a associações católicas declararam ao papa, face a face, o motivo pelo qual estão envolvidos nestes grupos e o que vivenciam neles. Bento XVI escolheu novamente uma linguagem que atrai os jovens sem nenhum moralismo. "Não existe nenhum santo [...] que não tenha conhecido até mesmo o pecado e que jamais tenha caído. Caros amigos, Cristo não se interessa tanto sobre o número de vezes que na vida vacilamos e caímos, e sim quantas vezes, com sua ajuda, nos reerguemos. Ele não exige ações extraordinárias, mas quer que sua luz resplenda em vós. Não vos chama porque sois bons e perfeitos, mas porque Ele é bom e quer tornar-vos seus amigos" [OR 26-27 de setembro de 2011, 6].
Jovens e sonhos de Igreja
A vigília dos jovens mostrou que uma íntima religiosidade e o entusiasmo pelo papa deixam espaço também para as próprias opiniões em matéria de igreja e de moral. Assim, na abertura do evento, os moderadores deram suas opiniões, convidando os jovens a exprimir o seu parecer, com uma almofada vermelha ou verde, se estavam ou não de acordo com determinadas afirmações católicas. Foi confirmado, ainda uma vez, que a absoluta maioria dos jovens católicos deseja as reformas, mas isso não prejudicou o recolhimento ligado ao lugar e o entusiasmo pelo papa.
Igualmente comovente tem sido a devoção mariana sob a romântica luz vespertina de Eichsfeld, onde em torno de 100.000 pessoas – muito mais de quanto foi anunciado – tomaram parte na celebração. Muitos deles conservaram a fé e mantiveram a educação religiosa de seus filhos nas mais atrozes circunstancias, sob a ditadura atéia comunista (6). O papa lhes agradeceu de coração e foi alegremente tocado por uma "geração de nascidos depois" que lhe tenha dito como queira realizar o próprio caminho para Deus partindo da solidez do patrimônio católico.
Com um discurso julgado por tantos participantes e jornalistas mais contraditório ou de recusa, mas, analisando bem, um grande discurso, o papa Bento XVI concluiu no Konzerthaus de Friburgo sua visita oficial de estado. Quase meditativa, à maneira de uma reflexão espiritual, ele procurou apresentar o próprio sonho de igreja, depois que, na missa celebrada no estádio olímpico de Berlim, havia rejeitado os "sonhos de igreja" [OR 24 de setembro de 2011, 11] e julgado duramente os esforços de reforma da igreja que difundem "insatisfação e indisposição", "se não se vêem realizadas as próprias idéias superficiais e errôneas de "igreja"" [ibid.]. Bento XVI expressou, enfim, o próprio desejo de mudar, mas de gênero diverso "A igreja não são somente os outros, não é somente a hierarquia, o papa e os bispos: igreja somos todos nós, os batizados" [Discurso aos católicos empenhados, OR 26-27 de setembro de 2011, 10]. Por certo, "uma necessidade de mudança" está presente. A igreja deveria mover-se e permanecer em movimento. Ela deve dedicar-se completamente ao mundo, andar no mundo, mas não se fazer comum ao mundo, não secularizar-se. Bento XVI se declarou energicamente por uma igreja que renuncie aos privilégios, ao poder e às forças externas, que inversamente se concentra em simplicidade e sobriedade naquilo que deveria ser para ela essencial e sobre o que concentrar sua força interior: aceitar sua missão no seguimento de Cristo e proclamar aos homens o Deus benigno, misericordioso e redentor.
Pela Igreja dos pobres
Estas passagens foram incluídas por não poucas pessoas como uma indicação de como superar o atual direito da igreja de estado, que goza na Alemanha de uma estreita cooperação, por uma nítida separação dos dois âmbitos. Em particular, os dependentes da igreja expressaram surpresa e também preocupação por aquilo que tal "retirada" provavelmente significaria para a educação religiosa, para as obras caritativas, educativas, mas também para o financiamento de muitos serviços da igreja, da ajuda ao desenvolvimento, senão às pressões políticas, para as faculdades teológicas nas universidades e também para o inteiro complexo da taxa eclesiástica. Também os bispos e outras pessoas empenhadas na igreja se apressaram, após semelhantes palavras, a aquietar os ânimos dizendo que o papa em nenhum caso teria podido pensar na abolição da taxa eclesiástica e no abandono de outros privilégios atribuídos pelo direito da igreja de estado. Os impulsos dados foram provavelmente pensados como "plurissignificativos". Mas, são reais? Ou então é possível que uma classe de funcionários da igreja, de fronte erguida ante os desafios que nos esperam, tem mais medo do papa que gostaria de ver a presença externa coberta por uma substância cristã interior? Em todo caso, Bento XVI lamentou claramente os "fiéis "de routine"" [Na esplanada do aeroporto turístico de Friburgo a missa com os fiéis, OR 26-27 de setembro de 2011, 9] que "na igreja vêem atualmente apenas o aparato, sem que seu coração seja tocado [...] pela fé" [ibid.]. Contrariamente, louvou os "agnósticos que, por motivo da questão sobre Deus não encontram paz" [ibid.]. Estes estariam mais próximos do reino de Deus.
Longas passagens do discurso de Friburgo recordaram o apelo de um grupo de bispos pelas reformas do Terceiro Mundo e da Europa, empenhados socialmente, "progressistas" e até mesmo de "esquerda" durante o Concílio Vaticano II, a favor de uma igreja dos pobres que, no seguimento de Cristo pobre se faz pobre, mas é tanto mais rica em espírito e mais solidária com aqueles que estão do lado de sombra da vida. Uma igreja desaburguesada para a libertação do "filisteísmo" eclesiástico. Neste contexto, Bento XVI vê na secularização, por ele inversamente denunciada alhures, uma possibilidade de purificação e de "reforma" – termo aqui usado pela única vez em sua viagem. Mas, esta [reforma] deve vir do interior. "As secularizações de fato [...] significaram cada vez uma profunda libertação da igreja de formas de mundanidade: ela se despoja, por assim dizer, de sua riqueza terrena e torna a abraçar plenamente sua pobreza terrena. Com isso compartilha do destino da tribo de Levi que, segundo a afirmação do Antigo Testamento, era a única tribo em Israel que não possuía um patrimônio terreno, mas, como parte de herança, havia tomado em sorte exclusivamente o próprio Deus, sua palavra e seus sinais. Com tal tribo, a igreja compartilhava naqueles momentos históricos a exigência de uma pobreza que se abria para o mundo, para distanciar-se dos seus elos materiais e assim também seu agir missionário voltava a ter credibilidade" [Aos católicos empenhados, OR 25-27 de setembro de 2011, 10]. Mas, o que significa um tão decidido "renunciar ao mundo" e "ao poder" não só para os comitês diocesanos e as conduções das igrejas, mas para toda a hierarquia e, portanto, para a condução apostólica suprema, para os ministros da Cúria romana, e mesmo para o papado? O ideal e a realidade – e isto seria certamente digno de um discurso do papa.
De tudo o que se discute como "útil" nesta visita à Alemanha, uma coisa se tornou clara: Bento XVI quer suscitar, em sua – antes platônica – compreensão da Igreja, um exame de consciência e uma reforma própria e dos outros, favorecendo um aprofundamento da vida laica e religiosa direcionadas a Deus. Bento XVI se baseia numa combinação do patrimônio inaciano e franciscano: estar inteiramente no mundo, procurar e encontrar Deus em todas as coisas – e isto em pobreza e simplicidade, que torna independentes dos bens terrenos, sejam estes ideológicos, institucionais ou materiais. Ser mais cristãos antes do que ter mais igreja. "Ser abertos às ocorrências do mundo significa, portanto, para a igreja destacada do mundo, testemunhar [...] a superioridade do amor de Deus. E esta tarefa, ademais, direciona ao além do mundo presente: a vida presente, de fato, inclui o elo com a vida eterna. Vivemos como indivíduos e como comunidade da igreja a simplicidade de um grande amor que, no mundo, é simultaneamente a coisa mais fácil e mais difícil, porque exige nada mais e nada menos do que o doar-se a si mesmo" [Aos católicos empenhados, OR 26-27 de setembro de 2011, 10].
Bento XVI se compreende como um buscador de Deus em meio a buscadores de Deus, que quer encorajar a busca de Deus tanto dos crentes como daqueles que não podem ou não podem mais crer. Em todos os pontos problemáticos de seu pontificado, não se pode apreciar suficientemente aquilo pelo que este papa – num certo sentido com Lutero – luta: a vida não é uma zona franca de Deus, por toda parte. Também onde não existe Deus, ele está. Também em todos os nossos problemas com Deus e nas dúvidas sobre Deus ele está aqui como esperança contra toda esperança. "Onde está Deus, há futuro".
Notas:
1) Cf. WA – Luthers WErke (Weimarer Ausgabe) 37, 661 (Predigten des Jahres 1534 [Sermões do ano de 1534], n. 73.
2) Consenso sulla dottrina della giustificazione. Dichiarazione ufficiale e Allegato, in Enchiridion Oecumeincum 7, Dehoniane, Bolonha 2006, 913 s. (nn. 1884s.).
3) Sobre a inteira questão, cf. MAFFEIS, Angelo (ed.), Dossier sulla giustificazione. La dichiarazione congiunta cattolico-luterana, commento e dibattito teologico, Queriniana, Brescia 2000.
4) Dominus Iesus circa l’unicità e l’universalità salvifica di Gesù Cristo e della chiesa (6 de agosto de 2000), in Enchiridion Vaticanum 19, Dehoniane, Bolonha 2004, 657s. (nn. 1142s.).
5) [L’Öcumenischer Kirchentag é um encontro de leigos das duas confissões na Alemanha, católica e protestante. O terceiro encontro se desenvolverá em 2017, ano em que se festejam os 500 anos da Reforma].
6) [SED – Sozialistische Einheitspartei Deutschlands, o Partido unitário socialista da Alemanha], fundado em 1946 e dissolvido em 1960].
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Um papa em busca de Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU