20 Setembro 2011
Guillermo Padilla Amador participou da resistência ao golpe que derrubou Manuel Zelaya em Honduras e teve que se exilar um ano depois. Embora Zelaya tenha retornado e em Honduras haja um governo eleito, com o aumento de uma suposta onda de violência criminosa já foram assassinados dezenas de opositores.
Guillermo Padilla Amador é hondurenho e está exilado na Argentina desde abril de 2011. Em seu país natal, era responsável pela segurança na Frente Nacional da Resistência Popular.
A entrevista é de Gustavo Veiga e está publicada no jornal argentino Página/12, 19-09-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Por que teve que se exilar na Argentina depois de resistir durante um ano em Honduras ao golpe de Estado contra Manuel Zelaya?
Porque no meu país há assassinatos políticos camuflados e o exército hondurenho tem os melhores assessores, tanto colombianos como israelitas, para fazê-lo. Estão aparecendo cantores de música popular atropelados por um carro ou militantes com os bolsos das bermudas para fora, eliminados. Aumentaram propositalmente a violência para justificar o assassinato político. O governo de Porfírio Lobo permitiu estas mortes, já são 14 jornalistas assassinados em Honduras durante o seu governo. Por isso, não vou retornar.
Quando saiu do seu país?
Eu saí no dia 26 de junho de 2010, dois dias antes que o golpe completasse o seu primeiro ano.
Estava ameaçado?
Sofri uma tentativa de sequestro com a minha esposa, também uma tentativa de assassinato da qual saí ileso, e o que os golpistas não entendiam é como os detectava ou como tomada conhecimento dessas coisas. Poderiam ter me matado, mas não o fizeram. O que queriam era sequestrar-me e fui muito escorregadio para eles, sempre os detectei. Queriam primeiro tirar de mim informações e depois me matar. Eles queriam saber como eu sabia tanto.
E o que fazia para obter a informação e adiantar-se aos golpistas?
Eu era o encarregado da segurança na Frente Nacional da Resistência Popular. A disciplina dos indígenas nos ensinou muito. Com 150 dias nas ruas começamos a adotar nas mobilizações o método das três filas. Eles estão mais organizados que muitos. Fazem três fileiras e não se movem em grupos massivos para poder saber quem são os que estão provocando distúrbios. Era a forma de saber se um infiltrado chegava a provocar confusão, como dizem por lá. Soubemos que o prefeito da oposição de Tegucigalpa no momento do golpe mandou agentes com bombas molotov para queimar o Popeyes, transnacional de comida rápida. Queimaram um ônibus e jogaram a culpa sobre nós. Não sabe a quantidade de infiltrados que pegamos. Entregamos todos eles à Polícia, mas que nada fazia. Assim como a Promotoria.
Você participou da tomada da Embaixada do Brasil onde se refugiou o ex-presidente Zelaya?
Eu consegui ficar na Embaixada e comigo parte do meu grupo. O núcleo de segurança de Zelaya, da frente, permaneceu. Mas depois, por uma questão estratégica, saí porque era preciso ter alguém fora organizando a luta que continuavam. Com oito grupinhos continuamos a luta nas ruas. Um a um fomos saindo e alguns foram logo detectados. Começaram a assassiná-los, o que fizeram com dois e seguiam os demais. Então começaram a afugentar a todos, o núcleo, que éramos cerca de 50 pessoas.
O que fez depois e até conseguir fugir de Honduras?
Precisava de um lugar a partir de onde lutar. Não podia fazê-lo desde a frente estudantil porque não era estudante, não me havia matriculado. E o coordenador era outro. Busquei a plataforma de Direitos Humanos e me disseram: vem aqui. Cheguei a fazer parte do Codeh, o Comitê para a Defesa dos Direitos Humanos em Honduras, e em dois meses começou uma perseguição, começaram a me vigiar, a mandar anônimos à casa da minha irmã. Vigiavam-na, não havia casas seguras, mas nós tínhamos informações fidedignas sobre o que estava por acontecer. Nem toda a polícia e nem todo o exército era favorável ao golpe. E isso nos favorecia. Do Codeh passei à clandestinidade. Nesses três meses não puderam me tirar do país. A Plataforma de Direitos Humanos queria me fazer sair para a Espanha, mas nunca me deram um visto especial para defensores de direitos humanos, nunca obtive resposta.
Para onde foi, finalmente?
Fui para a Costa Rica. O Codeh me monitorou desde que deixei Tegucigalpa até a fronteira com a Nicarágua. Cruzei esse país inteiro e não parei enquanto não entrei na Costa Rica. Cecilia Arce, uma defensora dos direitos humanos, me levou à sua casa. Ela abrigava muitos exilados hondurenhos. Permitiu que eu ficasse uma semana e depois me disse: "Minha casa não vai te servir. Há um hondurenho que é poeta, ele pode te ajudar". E fui para San José da Costa Rica. Procurei meu compatriota que tem dois restaurantes e me deu trabalho. Na mesma semana que comecei, detectamos que monitoravam o restaurante e que estavam me seguindo.
Quem o vigiava?
Comecei a me dar conta de que a Costa Rica é uma plataforma dos Estados Unidos onde estão o DAS colombiano, o Departamento Administrativo de Segurança, e a CIA. Inclusive o FBI faz prisões aí e está muito à vontade. Então me dei conta de que era o pior lugar que poderia ter escolhido. Por que não ir para a Nicarágua?, diria qualquer um. Ou El Salvador? Pois, bem, há questões difíceis de explicar agora, me colocariam em uma situação muito difícil... Finalmente, fomos para a Bolívia.
Fez tudo isso junto com a sua família?
Eu parti no dia 13 de setembro da Costa Rica e cheguei no dia 14 em El Alto, na Bolívia. E no dia 15, na mesma hora, me reencontrei com minha mulher e meu filho. Neste dia, dia da independência na América Central, me reuni com a minha esposa à 1h da madrugada com 6 ºC e a 4.000 metros de altitude. No dia seguinte estava na Chancelaria e não tinha para onde ir. Me levaram a um abrigo para imigrantes. Fiquei aí um mês e depois fui para Huanuni, um povoado mineiro.
É verdade que descartou como destinos o Peru e o Chile porque tinham governos de direita e o Brasil por causa do idioma?
Sim, nós, com minha companheira, nos fixamos um objetivo: estudar. Não é fácil. Minha mulher parou na metade do curso. Ela faz pedagogia do inglês, é muito mais jovem que eu e teve que interromper os estudos. Também não está diretamente envolvida na política, embora em Honduras se expusesse a qualquer coisa por minha militância. Eu só tenho três trimestres na universidade e estou parado com meus estudos. Quero reorientá-los e não será fácil. Na Bolívia, seria muito difícil fazer isso.
Como chegou a Buenos Aires?
De ônibus desde La Quiaca, um ônibus muito ruim. Não tinha dinheiro suficiente já que se viesse de ônibus normal teria que ficar sem comer, e no caminho comemos apenas uma vez para guardar o dinheiro. Pagamos uma pessoa que nos enganou. Nos deixaram em Jujuy, nos transferiram para um ônibus com cheiro de vômito e queriam cobrar a bagagem à parte, já que trazíamos sete malas. O ônibus me deixou finalmente em um domingo na Plaza Once.
Sob que condições se encontra na Argentina?
Fiz contato com a Acnur e me mandaram à comissão católica para o atendimento de refugiados. Então, começaram a investigar um pouco e no dia seguinte nos deram uma ajuda econômica de 700 pesos, o que permitiu que pudéssemos tomar o metrô sem documentos, sem nada. Depois consegui um documento temporário, o primeiro que me entregaram na Argentina. Com ele posso trabalhar. Um dia me chamaram para declarar tudo e estou esperando uma permissão que será de seis meses a um ano. Se o Estado me desse abrigo, eu poderia permanecer dois anos. Com este documento e apesar de que é legal para trabalhar, ninguém nos dá emprego.
Como é sua história familiar? Desde quando começou a se interessar pela política?
Meu pai tinha em sua casa um quadro do Che Guevara e outro de Jesus Cristo. Ele dizia que os melhores revolucionários eram o Che e Jesus Cristo. E aí fui entendendo muitas coisas, ouvindo música dos Guaraguao da Venezuela, música revolucionária. Meu pai era o presidente do sindicato, o mais forte de San Pedro Sula, na costa norte. Os militares o fizeram renunciar, dizendo: deixe o sindicato ou vai morrer. A partir daí me dei conta de que meu pai teve que decidir, sendo membro do Partido Comunista, entre desafiar os militares ou proteger os seus sete filhos. Meu pai deixou o sindicato já que outros companheiros tinham sido assassinados e desaparecidos. No PC de Honduras era preciso estar na clandestinidade, estava proscrito, não se podia falar do PC. Minha mãe teve que guardar o quadro do Che, porque o fato de tê-lo era suficiente para que invadissem a casa e algo pudesse acontecer.
De que anos está falando?
1976, 1977... quase 1978.
Quem era o ditador de Honduras nesse momento?
Nesse momento era Juan Alberto Melgar Castro, depois houve um triunvirato de militares com Policarpo Paz García à frente. Esses são os que lembro porque havia sete ou oito anos. Quando mudou o cenário político, meu pai começou a militar dentro do Partido Liberal, que era o partido do Zelaya. Mas sempre fez parte de uma facção rodista. Porque em 1981 se falava de que Modesto Rodas Alvarado seria o presidente. Mas morreu antes das eleições. É o pai da que foi chanceler de Zelaya, Patricia Rodas. E a linha deste homem era progressista. Eu tenho um irmão gêmeo, René, e a ambos meu pai dizia que lessemos, nos ensinou a ler. Meu irmão saiu de Honduras para a Espanha no terceiro mês do golpe, quando tentaram assassiná-lo.
O resto de sua família permanece em seu país?
Eu tenho três irmãos nos Estados Unidos e dois em Honduras, que estudam na Universidade Pedagógica. Um é uma pessoa especial porque tem queimaduras em quase todo o corpo e mesmo assim participa dos movimentos estudantis. Inclusive recebeu ameaças e foi preso por estes dias. Chama-se Pedro Joaquín. Dos cinco homens que somos, o único que fez o serviço militar fui eu. Fiz na Força Naval na costa norte, no Atlântico. Tive a oportunidade de conhecer aí o treinamento da CIA. O faziam com o Esquadrão Piranha e os comandos navais hondurenhos que treinavam para apoiar os Contra nicaraguense e atacar os sandinistas. Além disso, perseguiam os do FMLN de El Salvador em todo o golpe de Fonseca. Recebi em dois meses o treinamento de recruta e passei a ser das Comunicações porque antes de entrar era operador de rádio. Meu pai me havia metido nisso nos meios jornalísticos onde trabalhou. Assim tive contato mais direto com os oficiais e comecei a saber muitas deslealdades, muitas coisas de espionagem daí para a Nicarágua e El Salvador. E me dei conta de que se fazia desde a ponta da ilha do Tigre, onde havia uma base de radar norte-americana à qual tinham acesso apenas alguns oficiais hondurenhos.
Seu pai, além de sindicalista também é jornalista?
É, sobretudo, um lutador e Prêmio Nacional de Imprensa 2007 Oscar A flores. Chama-se José Manuel Amador, mora em Honduras e está aposentado.
Depois que terminou o serviço militar, que caminho você seguiu?
Comecei a luta dentro das frentes estudantis e começamos a nos articular com alguns que eram proibidos em Honduras. Depois, meu irmão gêmeo passou a militar, no final dos anos 90, no sindicalismo. Ele entrou no mesmo grêmio do qual meu pai havia sido forçado a se retirar. René chegou a ser secretário de conflito, dentro da direção. Depois integrou uma organização política chamada Los Necios. Era o único operário; todos os demais eram universitários.
Por que Los Necios? Que grupo é esse?
É um grupo político que se chama assim em função da música de Silvio Rodríguez. A partir da Universidade Pedagógica reúne uma enorme cadeia de jovens que iniciaram um projeto de formação política. Os jovens tinham que fazer alguma coisas e todas as frentes redigiram um manifesto de apoio ao governo de Zelaya e à "quarta urna" (Consulta Popular). Numa quarta-feira, o Congresso se reuniu para declarar o presidente "louco". No dia seguinte, ele convocou a população em cadeia nacional e milhares o acompanharam caminhando e de ônibus até a Força Aérea para retirar o material eleitoral que um juiz havia apreendido. Literalmente, milhares de pessoas com o presidente à frente retiraram o material eleitoral da "quarta urna" (Consulta Popular). O governo no deu abertura para lutar e assim como os movimentos sociais, sindicais, estudantis e profissionais, nos fortalecemos porque ele nos escutava e estávamos introduzindo a Consulta Popular. Nós víamos a Constituição como ponto de partida para sair...
Qual é a sua opinião sobre Manuel Zelaya?
Ele teve entre os seus principais colaboradores não apenas Patricia Rodas, mas também todo um grupo que nos anos 80 fez parte da frente da reforma universitária de esquerda, cujos integrantes depois se formaram e passaram a integrar sua equipe. Muitos chegaram a ser ministros. Alguns foram torturados nos anos 80. Essas pessoas foram a base da Aliança Liberal do Povo (Alipo) do Partido Liberal, que eram de centro-esquerda. Zelaya em sua juventude foi um rebelde, apoiava o movimento hippie, apesar de ser fazendeiro da coroa espanhola e seu pai um pecuarista e desmatador da floresta de sua região – Olancho.
Tirando esta última questão, parece a versão idealizada de um jovem reformista.
Sempre quis mudanças. Também fez mudanças importantes quando foi ministro do Fundo Hondurenho de Investimento Social durante oito anos. Esteve esse tempo todo nas regiões mais difíceis do país e encontrou-se com o povo mais pobre. Ou seja, conseguiu ver e "tocar" a pobreza hondurenha como ministro. Levou aos rincões mais distantes as obras sociais. Foi a partir daí que se dispôs a chegar à presidência. Sabia que com os Estados Unidos esse caminho não era possível e precisava buscar alternativas para tirar Honduras da pobreza. Foi quando começou a entrar em choque com o embaixador Charles Ford, que lhe entregou uma lista com o nome dos futuros ministros e lhe disse: "Aqui estão". E o que Mel respondeu? Nada. Entregou a lista ao seu colaborador, deixou os nomes que coincidiam, mas não fez caso. Zelaya enviou uma lei que proibia a exploração de minério a céu aberto e favoreceu os camponeses. Começou a se aproximar dos setores sindicais e inclusive das feministas.
Onde estava no dia 28 de junho de 2009, dia do golpe de Estado?
No dia do golpe, às 5h20, acordei e liguei no Canal 8 que é o canal que Zelaya estabeleceu como canal do Estado, que até então não existia, em função da avalancha midiática contra ele. Aconteceu algo estranho. Comecei a ver programas que não tinham nada a ver com a Consulta Popular quando já deviam estar informando sobre isso. Não estava acontecendo nada. Cinco minutos depois, alguém deixou a seguinte mensagem: "Todos à Praça Liberdade". Tiraram o canal do ar, mas o operador conseguiu colocar essas palavras. Os militares tinham invadido o local. Ninguém estava sabendo de nada. Os celulares Tigo e Claro não funcionavam, apenas os de uma empresa, a Digicel, que se declarou neutra, já que as outras tomaram o partido dos golpistas. Filtrou-se então uma mensagem de golpe de Estado e de que Zelaya estava sendo sequestrado nesse momento. Foi a filha do presidente que escreveu a Los Necios, especificamente a Gilberto Ríos, o coordenador do grupo: "Gilberto, estou debaixo da cama, estão prendendo meu pai".
Com o retorno de Zelaya a Honduras, qual é a situação agora?
Com ele lá, a Frente Ampla de Resistência Popular ganharia amplamente o Executivo, mas não o Congresso, em função da Constituição que queremos mudar. Qual é o verdadeiro poder em Honduras? O Congresso. Não há outro poder. Ele nomeia os membros da Suprema Corte, os promotores públicos. E no que aposta a embaixada dos Estados Unidos? Em neutralizar a esquerda e os novos grupos emergentes como nós com o assassinato político camuflado, com a infiltração de políticos que dizem ajudar Zelaya, mas que na verdade introduzem a divisão partidária. Na Frente há brigas para saber quem será o candidato. Apostam em dividi-la para que não ganhe a maioria dos deputados. Ganharia, inclusive, com sua esposa Xiomara Zelaya como candidata porque Mel não poderá sair como candidato. A embaixada norte-americana já sabe que não tem mais poder nas eleições. Poderão tentar uma fraude como fizeram com López Obrador no México, mas aí estouraria uma guerra civil.
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"Já são 14 os jornalistas assassinados em Honduras", diz líder exilado - Instituto Humanitas Unisinos - IHU