14 Setembro 2011
Na semana passada foram assassinados uma liderança social próxima a Zelaya e um jornalista, ambos membros da Frente Nacional de Resistência Popular. Nenhuma das mortes de jornalistas foi esclarecida.
A reportagem é de Gustavo Veiga e está publicada no jornal argentino Página/12, 13-09-2011. A tradução é do Cepat.
O crime político avança em Honduras com precisão cirúrgica. Na última semana, assassinaram uma liderança social próxima ao ex-presidente Manuel Zelaya na capital, Tegucigalpa, e um jornalista em Puerto Cortés, ao norte do país. Os dois tinham em comum o fato de serem integrantes da Frente Nacional de Resistência Popular (FNRP). Os dois também acabaram perfurados de balas. "É uma declaração de guerra, este é um assassinato político, que traz uma mensagem para mim, para os que estão ao meu redor com o fim de nos desestimular", disse Mel Zelaya sobre a morte de Mahadeo Roopchano Sadloo, cidadão do Suriname nacionalizado hondurenho e que era conhecido popularmente como Emo. Ele havia acompanhado o presidente deposto desde o golpe de Estado de 28 de junho de 2009 e inclusive se refugiou com ele na Embaixada do Brasil durante seu asilo de quatro meses. Medardo Flores trabalhava na Rádio Uno de San Pedro Sula e administrava as finanças da FNRP. É o 16º jornalista morto desde fevereiro do ano passado.
Guillermo Amador Padilla, ex-exilado hondurenho na Argentina, afirma que em seu país existe uma lista "com os nomes de dez dirigentes da FNRP que vão matar. Meu irmão gêmeo René e eu estamos nesta lista". A denúncia começou a ser corroborada há tempo – calcula-se que assassinaram cerca de 200 opositores desde a queda de Zelaya – e ganhou fôlego com os crimes de Sadloo e Flores. "É hora de prestar atenção em tudo o que está acontecendo. Parece que há um plano, mas é preciso desarticulá-lo...", disse o ex-presidente em Tegucigalpa, ratificando as palavras de Padilla.
Emo, segundo o próprio Zelaya, "era uma das dez pessoas mais significativas da Frente e uma das mais reconhecidas em nível mundial". Ataviado com uma faixa de cor vermelha intensa, de barba grisalha comprida e oratória vibrante, o militante assassinado no dia 6 de setembro costumava compartilhar atos e palcos com o presidente deposto. Quando o mataram, com cinco balas, em sua borracharia do bulevar Suyapa, mal tinha retornado de encontro para exigir a liberdade do ex-ministro zelayista Alberto Flores Lanza, que se encontra em prisão domiciliar acusado de fraude e abuso de autoridade. Na FNRP o defendem com o argumento de que é um preso político do governo de Porfirio Lobo Sosa.
Ao crime do dirigente de 55 anos se somou o de Flores, jornalista de 62 anos, graduado na Escola de Locutores do Instituto de Ciências da Comunicação da Rádio Uno, em San Pedro Sula. Agricultor e também pecuarista, é a segunda vítima da FNRP em uma semana. Mataram-no com nove balas em Río Blanquito, departamento de Puerto Cortés, onde morava "quando sofreu uma emboscada em seu carro quando voltava para a sua casa", informou o diretor da emissora onde trabalhava, Arnulfo Aguilar. Flores era o responsável pelas finanças da Frente na zona norte do país e na década de 80, durante a ditadura militar, estava no exílio. Não havia passado muito tempo desde o último caso de um jornalista assassinado. No dia 19 de julho mataram Nery Orellana na fronteira com El Salvador. Era diretor de uma rádio rural.
O presidente Lobo Sosa assinalou que "os responsáveis por estes crimes serão castigados", e que "tomamos a decisão de colocar toda a força do Estado para encontrar os assassinos de Emo Sadloo". Assim mesmo, nenhuma das mortes de jornalistas foi esclarecida, segundo telegramas de agências internacionais. Tampouco outros crimes políticos cometidos por assassinos que gozaram de uma grande impunidade desde que o ex-ditador Roberto Micheletti assaltou o poder.
Em Honduras isto é possível, entre outros motivos, porque a polícia está envolvida no crime em uma proporção elevadíssima. No dia 2 de setembro, o subdiretor da Polícia Federal, Santos Simeón Flores, informou que entre 1999 e este ano houve 5.270 denúncias contra efetivos da força por atos ilícitos. O diretor nacional da Investigação Criminal, Marco Tulio Palma, trouxe outro dado alarmante na última sexta-feira. Em 2011, já houve 4.412 mortes, quando no mesmo período de 2010 o número havia chegado a 4.391. Os especialistas hondurenhos em segurança vaticinam que este ano poderá terminar com uma taxa de 86 homicídios sobre 100.000 habitantes, uma quantidade superior à do México, país onde a luta do exército nas ruas contra o narcotráfico elevou os índices de assassinatos até as nuvens.
Com estas estatísticas, a Direção Nacional de Investigação Criminal (DNIC) trabalha com a hipótese de que o assassinato de Emo seja um fato de delinquência comum e o governo oferece uma recompensa de 100.000 lempiras para quem der pistas que deem no ou nos autores. Nesse sentido se expressou Palma: "É um crime de delinquência comum o que está tomando mais força e é nessa direção que estão apontando os investigadores".
Muito diferente é a posição da FNRP. Em um comunicado, denuncia que "este novo ato de terror é um crime político com o qual se tenta desmobilizar e desmoralizar a Frente Nacional de Resistência Popular. Responsabilizamos a oligarquia e as forças repressivas do Estado e exigimos que se esclareça e se castigue os autores materiais e intelectuais".
No velório de Sadloo, seus companheiros da Frente encontraram um agente da inteligência infiltrado e o entregaram à Polícia Federal. Reydi Arturo Ardón Sánchez tinha em seu poder uma carta com sua nomeação como membro dos serviços hondurenhos. Além deste detalhe que evidencia sua incompetência, os integrantes da FNRP comprovaram que seu rosto era idêntico a uma imagem do suposto assassino que sua própria força havia distribuído. O jornal El Libertador publicou a fotografia do espião e o retrato falado de quem seria o autor material dos disparos contra Emo. E, com efeito, há certa semelhança entre os dois.
"A luta está começando, digam aos assassinos que se quiserem sangue há pessoas aqui dispostas a entregá-lo, porque já estamos cansados e não vamos desistir com a morte de nenhum de nós", assinalou Zelaya, que recordou as quase 200 vítimas da repressão política provocadas desde o golpe de junho de 2009. Outra quantidade similar de hondurenhos teve que se exilar, como o gêmeo Padilla. Para ele tudo começou depois que Micheletti, com o apoio do Congresso, do empresariado e das forças armadas, destituiu o ex-presidente. No quartel general de Casamata, em Tegucigalpa, a polícia e o exército se puseram a "elaborar os perfis daqueles que integravam a Frente e de seus líderes. Eles têm centenas de pessoas identificadas como estudantes, dirigentes sindicais e militantes sociais. Me advertiram que a minha fotografia e a de meu irmão estavam aí. Estão tentando provocar a resistência com estes crimes. Querem conduzir-nos a uma guerra civil", concluiu o exilado hondurenho que, por enquanto, sobrevive em Buenos Aires.
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Crimes impunes em Honduras - Instituto Humanitas Unisinos - IHU