03 Setembro 2011
O general retirado Otto Pérez Molina contava, nesta quinta-feira, com 40% das intenções de voto para as eleições de 11 de setembro próximo. Nas últimas horas multiplicaram-se as suspeitas sobre as origens dos fundos para a sua campanha. Sua rival foi impugnada.
A reportagem está publicada no jornal argentino Página/12, 02-09-2011. A tradução é do Cepat.
Um "grande guru militar guatemalteco" com promessa de mão dura se prepara para assumir a presidência de um país tomado pelo crime organizado. Batizado assim por um jornalista local, o general retirado Otto Pérez Molina – sobre quem pesam denúncias por crimes de lesa humanidade – contava, nesta quinta-feira, com 40% das intenções de voto para as eleições do próximo dia 11. Nas últimas horas se multiplicaram as suspeitas sobre as origens dos fundos para a sua campanha, que ultrapassaram em mais de um milhão de dólares o teto fixado pela lei. O Supremo Tribunal Eleitoral aplainou o caminho rumo à presidência para o líder do Partido Patriota (direita) impugnando a candidatura de sua principal concorrente. Sandra Torres, da Unidade Nacional da Esperança (centro-esquerda), é a ex-esposa de Alvaro Colom, em fim de mandato, e o Tribunal suspeita que o divórcio tenha sido uma manobra para driblar a proibição que pesa sobre os familiares presidenciais para se candidatarem.
Pérez Molina é um velho conhecido da Guatemala, já que participou ativamente da campanha militar de contrainsurgência na década de 1980. Organismos de direitos humanos acusam o principal candidato a presidente da Guatemala de perpetrar massacres na região indígena de Nebaj durante esses anos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos o responsabiliza pelo assassinato de Efraín Bámaco, em 1992.
Mas o mais simbólico talvez seja seu envolvimento como autor intelectual e material do assassinato de dom Juan José Gerardi. O bispo publicou em 1981 a versão guatemalteca do Nunca Mais, um relatório de quatro volumes que acusa o exército de ser responsável pela maioria das mortes e o desaparecimento de aos menos 200.000 pessoas. Dois dias depois da publicação do relatório, o bispo foi morto na garagem de uma paróquia.
O escritor guatemalteco-norte-americano Francisco Goldman levou a cabo uma investigação em que prova que uma testemunha protegida assinala Otto Pérez Molina como o terceiro assassino do bispo. O ex-agente espanhol de inteligência que dirigia a investigação interna da ONU, Rafael Guilamón, também trouxe valiosas evidências para o livro.
De Nova York, e em conversa com Página/12, o autor de A arte do assassinato político (Quem matou o bispo?) se mostrou desesperançado pelo panorama político de seu país natal e descreveu este momento como de decadência para uma democracia jovem e frágil. O escritor não subscreve a teoria de que o problema do crime organizado se combate com mais mão dura. "Se o problema deste país são as máfias, não se deve contratar um mafioso. Isso só oferece mais violência", disse Goldman.
O Supremo Tribunal Eleitoral emitiu, nesta quinta-feira, um parecer segundo o qual a campanha do Partido Patriota excedeu em 1,3 milhão o teto de 6,3 milhões de dólares autorizado para o gasto em toda a campanha. Na Guatemala, os partidos têm uma contribuição do Estado, mas contam com carta branca para receberem doações de supostos filiados e amigos. Otto Pérez Molina se negou sistematicamente a revelar os doadores de sua campanha, o que gerou suspeitas sobre a origem desses recursos. Francisco Goldman aponta as tradicionais famílias guatemaltecas ligadas ao narcotráfico. "Estiveram por trás de todos os piores dirigentes políticos do país, os mais reacionários. Em relação à história do bispo Gerardi, foram as mesmas famílias que promoveram livros e pistas falsas e utilizaram os programas de televisão para desinformar e proteger os autores do crime. Cumprem o mesmo papel ano após ano. Apoiaram o conservador Oscar Berger (2004-2008) e vão apoiar Pérez Molina", sentencia Goldman.
Seus adversários diretos na corrida eleitoral de 11 de setembro se encontram 30 pontos atrás de Otto Pérez Molina, o que faz com que os analistas falem claramente de que será uma vitória quase certa. À pergunta sobre as razões de por que boa parte da sociedade está disposta a votar num candidato com esses antecedentes, Goldman acredita que o problema também está no que vem pela frente. "Pérez Molina quase venceu há quatro anos. A verdade é que a Guatemala não tem bons candidatos no mundo político. O país conta com uma infra-estrutura completamente mergulhada no crime organizado. O que qualquer político pode fazer contra isso?", se pergunta o autor com um manto de resignação.
Em um país no qual só em 2010 houve 5.960 casos de homicídio sobre uma população de 14 milhões de habitantes (uma taxa aproximada de 41,5 assassinatos sobre cada 100.000 pessoas), Pérez Molina promete comandar sua guerra contra o sangrento cartel dos Zetas. O militar os acusa de extorquir, ameaçar e sequestrar a população indígena. Essa mesma população que, no começo da década de 1980, sofreu 20 massacres que acabaram com a vida de mil indígenas na região de Nebaj, onde Otto Pérez Molina comandava uma base militar. Do mesmo modo que nega as acusações da CIDH e evita revelar seus patrocinadores, também desmentiu um ex-embaixador norte-americano que o acusa de ter equiparado as populações indígenas com combatentes guerrilheiros de extrema esquerda.
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Mão dura militar na Guatemala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU