16 Agosto 2011
Em outras circunstâncias, o título do roteiro da viagem do Papa Bento XVI a Madri, entre os dias 18 a 21 de agosto, para a Jornada Mundial da Juventude, poderia ser "Papa ferido procura ajuda na Espanha".
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 12-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Basta olhar em volta: a China está descaradamente ordenando bispos, desafiando o Vaticano, a Irlanda está ameaçando romper a santidade do confessionário em afronta à crise dos abusos sexuais, e Nova York se uniu recentemente à aparentemente inexorável marcha no Ocidente rumo ao casamento gay. Sob essa luz, pode-se argumentar que Bento XVI precisa desesperadamente da demonstração de apoio que a animada juventude católica certamente irá lhe dar na capital espanhola, na última edição desse massivo encontro que é, de um lado, liturgia e, de outro, Lollapalooza [festival de música itinerante norte-americano].
No entanto, dada a narrativa mundial mais geral do momento, as manchetes, ao contrário, provavelmente serão: "Espanha ferida espera ajuda do papa".
Enquanto o mundo paira à beira do apocalipse financeiro, a Espanha representa ser o olho do furacão. Uma crescente crise da dívida aumentou os temores de que Itália e Espanha, as terceira e quarta maiores economias da zona do euro, podem seguir nações menores como Grécia, Irlanda e Portugal em uma possível falência.
Dentro da Espanha, a crise é sentida, de forma especialmente aguda, no mercado de trabalho. Cerca de 40% da população com menos de 30 estão agora desempregados, com poucas perspectivas de um novo crescimento do emprego novo no horizonte. Acrescente-se a isso percepções generalizadas de corrupção política, e não é de se admirar que as ruas de Madri tenham sido recentemente obstruídas por um movimento de protesto dos "indignados", que exigem uma resposta mais eficaz à crise econômica.
Elevação espiritual ou distração inútil?
A questão posta diante do pontífice é se a sua chegada no meio dessa turbulência será um momento valioso de elevação espiritual – o que o bispo auxiliar César Franco Martínez, coordenador-geral da JMJ, chamou de "um presente à Espanha do Papa Bento" – ou se ela vai parecer uma distração inútil, senão um exercício de negação.
Esta última possibilidade foi captada por uma recente bandeira desfraldada pelos manifestantes "indignados" em antecedência à viagem: "Menos crucifixos e mais empregos".
No nível intelectual, Bento XVI já deu a sua resposta à "Grande Recessão" em desdobramento em sua encíclica de 2009 Caritas in Veritate, argumentando que a recuperação econômica depende de uma renovação moral e espiritual. As estruturas não vão mudar para melhor, defendeu, a menos que os corações individuais mudem primeiro.
"A adesão aos valores do cristianismo é um elemento útil e mesmo indispensável para a construção de uma boa sociedade e de um verdadeiro desenvolvimento humano integral", escreveu ele.
O drama de sua viagem à Espanha pode se resumir a se o pontífice intelectual será capaz, com sucesso, de levar essa mensagem a um nível popular – o que inclui mobilizar a Igreja Católica a responder ao custo humano da crise.
Conscientes dos tempos difíceis, os organizadores da JMJ têm se esforçado para apresentar o encontro como "sóbrio". Yago de la Cierva, diretor de comunicações do evento, disse ao NCR que nenhum tipo de fundo público está sendo gasto na JMJ. As taxas pagas pelos participantes irão cobrir 80% dos custos (mesmo que essas taxas tenham sido reduzidas em 20% em comparação à última edição, na Austrália), mais as contribuições privadas que compõem o equilíbrio.
Sob essa luz, De la Cierva disse que as críticas ao evento como um desperdício de dinheiro estão enraizadas ou "em uma falta de informação ou em um preconceito rançoso".
O presidente da Secretaria de Economia e Fazenda de Madri, Percival Manglano, estimou recentemente que o afluxo de visitantes de todo o mundo irá injetar 143 milhões de dólares na economia espanhola. Os participantes também estão sendo convidados a contribuir com 10 euros (14 dólares) para um "Fundo de Solidariedade" contra a pobreza.
Bento x Zapatero
De certa forma, as estrelas parecem estar alinhadas para dar a Bento a melhor possibilidade de sucesso. De um lado, o fantasma do confronto com o primeiro-ministro socialista, José Luis Rodríguez Zapatero, já não paira sobre a viagem.
Neto de um revolucionário republicano executado pelos nacionalistas de Franco durante a Guerra Civil espanhola, Zapatero, desde a sua primeira eleição, em 2004, desafiou a Igreja Católica em todas as frentes imagináveis – liberando o aborto e o divórcio, promovendo o casamento gay, até mesmo cortando o financiamento público às instituições eclesiais. Uma expressão simbólica do espírito de Zapatero foi dada em 2009, quando Bento XVI disse a famosa frase de que os preservativos não são a solução para a crise da Aids, e a Espanha prontamente enviou um milhão de camisinhas para a África, em protesto.
O editor do principal jornal de esquerda da Espanha, El País, disse recentemente que as vitórias de Zapatero sobre a Igreja representam os únicos sucessos inquestionáveis em seu currículo como primeiro-ministro.
No entanto, em termos de psicologia política, a Espanha já está vivendo em um mundo pós-Zapatero. Gravemente atingido pela crise econômica, Zapatero confirmou recentemente que não vai se candidatar a um terceiro mandato e convocou eleições antecipadas para novembro.
Na verdade, o choque de civilizações da Espanha mal está resolvido. Em uma entrevista ao L`Osservatore Romano, o historiador espanhol Vicente Cárcel Ortí recentemente chamou de mito a noção da Espanha como um país católico. Ele disse que a realidade é que "sempre houve duas Espanhas, a católica e a anticatólica". Essa segunda corrente se fará sentir durante a viagem de Bento XVI, já que o governo recentemente aprovou duas marchas antipapa, incluindo uma organizada por um grupo de defesa dos direitos de gays e lésbicas.
De todos os modos, no entanto, as questões culturais certamente têm uma relação com a crise econômica. Talvez refletindo a sua condição política diminuída, Zapatero não apenas evitou qualquer sugestão de confronto, mas os organizadores da JMJ também dizem que o seu governo tem-se revelado surpreendentemente útil (é um raro exemplo em que os Socialistas e o Partido Popular, seus rivais conservadores, estão, basicamente, em sincronia).
Sucesso e desafios
As indicações também são de que a JMJ provavelmente irá impressionar os observadores por ser um sucesso, pelo menos de acordo com o número de participantes e o interesse midiático. A edição de Madri já superou os recordes anteriores de inscrições online prévias, com cerca de 420 mil, e de pedidos de credenciais de imprensa, com 4.300. Os organizadores esperam que pelo menos 1,2 milhão de pessoas participem da missa final de Bento XVI, no dia 21 de agosto, no aeroporto Cuatro Vientos, nos arredores de Madri.
No entanto, os desafios à espera do papa são enormes.
Embora a taxa de 26% de participação na missa semanal na Espanha seja alta para os padrões europeus, ela é de apenas 8,9% entre os espanhóis com idade inferior a 29 anos, e exatamente a metade dos jovens católicos espanhóis se identificam como "não praticantes". Esses números não mudaram muito depois de um massivo encontro com o Papa João Paulo II em Cuatro Vientos, em 2003, e também não está claro se se pode esperar uma recuperação desses números com a visita de Bento XVI.
Além disso, a hierarquia local gastou tanta energia intelectual e política ao longo da última década lutando contra Zapatero, que alguns observadores se perguntam se ela poderá aproveitar a oportunidade criada pelo fim do seu regime para oferecer uma visão positiva para a sociedade espanhola, que se dirige ao ciclo eleitoral. Sob essa luz, o almoço do dia 20 de agosto de Bento XVI com os bispos de Madri e adjacências – e qualquer orientação que ele ofereça sobre a tradução do ensino social católico sobre as questões que estão diante da Europa hoje – pode ser especialmente importante.
Enquanto estiver em Madri, Bento XVI também tem em sua agenda um encontro com a família real da Espanha e os representantes do governo, discursos para grupos de jovens freiras espanholas, seminaristas e professores universitários, e uma visita a uma fundação para doentes.
Certamente, para as multidões de jovens católicos de todo o mundo que farão a viagem a Madri, o subtexto político e eclesial é, em grande parte, ruído. Para eles, o drama é caracteristicamente muito mais simples e mais pessoal.
Como disse Crystal Sandoval, jovem de 18 anos de San Bernardino, Califórnia, explicando por que ela está disposta a passar uma semana em um saco de dormir no sufocante e abafado clima de Madri em agosto: "é uma chance de estar perto de Deus".
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Em meio a pânico econômico, papa se dirige à Espanha em busca de ajuda - Instituto Humanitas Unisinos - IHU