15 Agosto 2011
"A Igreja pensou que a solução estava em recuperar o que lhe serviu nas sociedades pré-industriais e pré-ilustradas. O exemplo mais claro nesse sentido são essas concentrações massivas, que tanto foram fomentadas pelos dois últimos papas. Porque essas concentrações não costumam responder às preocupações espirituais mais profundas que a maioria de nós leva em nossa intimidade secreta. Então, para que ele vem? Para prolongar o equívoco. E confesso que meu desejo é que eu fosse o equivocado."
A análise é do teólogo espanhol José Maria Castillo, publicada no sítio Atrio, 15-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Pode-se assegurar que o motivo dessa visita do papa a Madri não é conjuntural. Pela simples razão de que JMJ [Jornada Mundial da Juventude] estava programada há muito tempo, talvez há anos. Essas Jornadas, que congregam jovens de meio mundo, foram inaugurado em 1984 pelo Papa João Paulo II e são preparadas com bastante antecedência. Sem dúvida, a visita do papa irá agradar mais ao PP [Partido Popular] do que ao PSOE [Partido Socialista Operário Espanhol].
Mas é certo que, pelos três dias que o papa estará em Madri, o desemprego não vai diminuir, nem o prêmio de risco da nossa maltratada economia vai melhorar, nem haverá mais trabalho para tantos milhares de jovens desempregados, nem acredito que a convivência entre os espanhóis se tornará, a partir agora, menos tensa e mais suportável. Por isso, me parece pertinente a pergunta: para que o papa vem?
A JMJ nos foi apresentada como a solução de que os jovens precisam para os seus problemas mais preocupantes. Será realmente isso? O que ninguém põe em dúvida é que a religião interessa cada dia menos. O abandono das práticas e das ideias religiosas, o desprestígio da Igreja e de seus dirigentes em amplos setores da opinião pública são fatos bem conhecidos e processos sociais que estão aumentando. Dia após dia, se afirma o convencimento de que estamos diante de um fenômeno novo e crescente que não tem volta atrás. Por quê?
Os "homens da religião" costumam dizer que a causa desses fatos está na secularização da sociedade e no relativismo das ideias que arrasaram as certezas religiosas de antigamente. No entanto, os estudiosos que analisaram esses problemas a partir de uma perspectiva mais ampla explicam que todo o sistema político e social, que perdura e se apoia quase com segurança em uma ordem moral adequada que configura os sistemas político e econômico, como esses, configura o sistema estabelecido. Nos sistemas pré-industriais, essa ordem moral costuma adotar a forma da religião.
Mas vê-se que, nas sociedades industrializadas, a religião já não serve para cumprir essa função para a maioria das pessoas. Porque, nessas sociedades avançadas, a tecnologia e a economia funcionam de forma que, nelas, se potencializa mais a apetência do bem-estar do que a necessidade da convivência. E, então, o que acontece com a maioria das pessoas, sobretudo os jovens, é que a aspiração imediata ao bem-estar material se mostra muito mais poderosa do que as promessas das religiões, que oferecem recompensas das quais ninguém sabe com certeza nem quando nem como chegarão.
Dessa forma, a Igreja se equivocou. Porque pensou que a solução para esse estado de coisas estava em recuperar o que lhe serviu nas sociedades pré-industriais e pré-ilustradas. O exemplo mais claro nesse sentido são essas concentrações massivas, que tanto foram fomentadas pelos dois últimos papas. Porque essas concentrações, que afirmam os já convertidos em suas convicções, são estranhas ou escandalosas para muitas pessoas. E não costumam responder às preocupações espirituais mais profundas que a maioria de nós leva em nossa intimidade secreta. Então, para que ele vem? Para prolongar o equívoco. E confesso que meu desejo é que eu fosse o equivocado.
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Para que o papa vai à Espanha? A visão de um teólogo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU