14 Agosto 2011
A vida das religiosas dos Estados Unidos está em trabalho de parto, sofrendo suas dores, das quais uma nova vida emergirá.
A reportagem é de Monica Clark, publicada no sítio National Catholic Reporter, 11-08-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa foi a mensagem que a irmã dominicana Barbara Reid pronunciou no dia 10 de agosto para mais de 600 irmãs reunidas em Garden Grove, Califórnia, para a assembleia anual da Leadership Conference of Women Religious (LCWR) [conferência da ala "progressista" das religiosas dos EUA].
A LCWR tem aproximadamente 1.500 membros, líderes eleitas das cerca de 370 ordens religiosas em todos os EUA. Elas representam mais de 50 mil religiosas.
Em seu discurso de uma hora de duração, Reid, vice-presidente e reitora acadêmica da Catholic Theological Union, de Chicago, além de professora de estudos de Novo Testamento, explorou os fundamentos e as imagens bíblicos como contexto para a sua crença de que a vida religiosa está nascendo de novo.
Suas percepções atraíram uma resposta entusiástica dentre as presidentes de comunidade e equipes de liderança que têm que lidar com o envelhecimento de suas coirmãs, seus poucos novos membros e os constrangimentos financeiros resultantes.
As irmãs estão passando três dias nessa cidade para a contemplação da direção futura da vida religiosa, e a apresentação de Reid ofereceu um quadro teológico para essa reflexão.
"Estamos em uma posição maravilhosa por estarmos aqui umas com as outras e por reconhecermos juntas que estamos vivendo um tempo de um novo nascimento", disse a Ir. Barbara Blesse, dominicana de Springfield, Illinois, depois da apresentação de Reid. "Podemos celebrar isso".
Esse ressurgimento da esperança não significa que tudo o que está renascendo virá sem grandes custos, assim como uma mulher em trabalho de parto deve passar por uma intensa dor para que o seu filho saia do útero.
Para explorar a complexidade dessa metáfora do parto, Reid apresentou uma exegese que levou as irmãs desde a narração do Livro do Gênesis sobre a criação de Deus a partir do caos até a morte de Jesus que abriu uma nova vida.
Ela observou que as imagens do nascimento ocorrem em dois momentos cruciais e dolorosos na história de Israel – a escravidão no Egito e o exílio na Babilônia –, quando Deus trouxe a bondade a partir do sofrimento.
Da mesma forma, o quarto evangelista usou a metáfora do parto para descrever um momento na crucificação de Jesus, quando "um dos soldados abriu-lhe o lado com uma lança e, imediatamente, saiu sangue e água" (João 19, 34).
Assim, o nascimento de um povo de Deus renovado através da morte de Jesus é simbolizado pela saída do líquido amniótico, acompanhado pelo sangue uterino, disse Reid.
A imagem é estendida quando o corpo de Jesus está envolto em linho, assim como um recém-nascido é envolto em faixas de pano.
As últimas palavras de Jesus: "Tudo está consumado", dão suporte, da mesma forma, à imagem do parto. Elas podem ser ouvidas, disse Reid, como a declaração de uma mãe que grita de alegria quando as dores do parto acabaram, e o seu filho nasceu.
Durante um debate depois do discurso de Reid, a irmã do Espírito Santo Sara Murrieta, de Santa Ana, Califórnia, observou que, assim como Jesus não permaneceu na terra para ver o surgimento da Igreja, talvez as religiosas de hoje estão sendo convidadas a dar à luz a uma nova forma de vida religiosa na Igreja e no mundo que elas não vão viver para vê-la plenamente realizada.
Parte da tendência que está morrendo, disse Reid, se manifesta em uma mudança de compreensão sobre as origens do universo e do funcionamento do cosmos.
Essa mudança, afirmou, "está influenciando quase todos os campos da vida, tanto secular quanto religiosa. Estamos abandonando visões mecanicistas e dualistas do universo, e a noção equivocada de que estava dentro da nossa província para entender o funcionamento do universo e para obter o completo domínio sobre a matéria física […] As coisas que pensávamos que sabíamos com certeza não são mais assim, e um modo de vida que parece previsível e seguro não o é. O caos não é apenas uma teoria científica, mas também caracteriza a nossa realidade vivida cotidianamente".
Reid lembrou a primeira história da Criação, em que Deus demonstra o domínio sobre o caos, criando uma ordem que coloca tudo em um relacionamento correto. E depois de cada novo ato criativo, Deus "viu que tudo era bom" (Gn 4, 10, 12, 18, 21, 25, 31).
Ela apontou duas afirmações teológicas importantes nesse relato – o mundo e tudo o que Deus criou é bom; Deus é mais poderoso do que as forças do caos.
Ela acrescentou que essa história convida as religiosas contemporâneas a contemplar "a fecundidade do caos" e a reconhecer que a criatividade divina trabalha "a partir de dentro para fora, do mais profundo e permanente, atraindo-nos para o amor e impelindo-nos para fora, em missão, segundo os padrões sempre criativos do amor generativo".
Enquanto as irmãs percebem o realinhamento das formas e das estruturas de suas vidas (incluindo a fusão de comunidades e a formação de novas alianças com outras religiosas e leigos/as), conclui Reid, elas "estão em sintonia com os ritmos criativos do nosso universo".
Abordando o tema da assembleia da LCWR, Encarnando o Mistério Sagrado, Reid também falou sobre outra afirmação no primeiro relato do Gênesis – que o mistério de Deus vai além do gênero, abraçando a igualdade de homens e mulheres, masculino e feminino.
Essa, afirmou, era uma percepção "surpreendente" no antigo Oriente Próximo, onde as imagens dos deuses, feitas à mão, geralmente sob a forma de um animal ou de um ser humano, eram pensadas para tornar os deuses presentes.
Em contraste, Israel proibiu o uso de imagens divinas, porque é nos seres humanos, tanto homens quanto mulheres, que a presença de Deus se manifesta.
Nada nessa narrativa da criação, disse Reid, aponta para a superioridade do macho, do masculino. Ao contrário, fala-se do gênero humano como uma unidade, dentro da qual existe a diferenciação do masculino e feminino.
Reid disse que o segundo relato do Gênesis, que culmina na criação da mulher, também mostra claramente que a mulher é o resultado de "uma decisão deliberada de Deus, não uma reflexão tardia, nem um segundo melhor derivado do homem".
De fato, disse Reid com base no trabalho de Phyllis Trible em God and the Rhetoric of Sexuality [Deus e a retórica da sexualidade], o movimento retórico da história da criação apresenta Deus melhorando na criação em cada ato.
Por exemplo, quando não existe nenhuma planta ou vegetação, Deus cria um jardim; quando não há nada de água para nutrir as plantas, Deus cria uma torrente. E quando o ser humano precisa de uma companhia, Deus cria a mulher. "A estrutura literária", explicou Reid, "aponta para a criação da mulher como o pináculo da criação".
Em vez de ver a mulher como subordinada ao homem, estes e outros textos bíblicos, que Reid ilustrou com palavras específicas em hebraico, mostram que tanto o homem quanto a mulher são criados à imagem de Deus, como iguais.
Proporcionar relações entre homens e mulheres que reflitam essa igualdade, tanto na Igreja quanto na sociedade, no entanto, vai exigir muito trabalho, disse ela.
As religiosas, enfatizou, podem desempenhar "um papel único na defesa da igualdade e da justiça para as mulheres e meninas e na encarnação de formas de se relacionar em igual parceria".
Não é exagero, disse, acreditar que o renascimento da vida religiosa "pode ter consequências transformadoras que alcançam todos os campos do cosmos".
Mas dar à luz a tais novas formas de pensar, de se relacionar e de viver irá exigir tanto o risco quanto a coragem por parte das irmãs.
"Como Jesus, suplicamos que o cálice seja afastado de nós, mas ainda somos convidadas a optar por bebê-lo. Que morte ou mortes devemos suportar como dores de parto para a nova criação do Santo Mistério?", questionou.
Provavelmente, essa é a questão que as irmãs irão refletir quando se sentarem juntas em contemplação todas as tardes dessa assembleia.
Segundo a Ir. Barbara Blesse, "eu acredito que estamos dando à luz a algo novo. É algo misterioso e desconhecido. Estamos buscando juntas o que Deus está fazendo por dentro. E temos a responsabilidade, como parteiras, de ajudar nesse novo nascimento".
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Religiosas dos EUA "estão vivendo um tempo de um novo nascimento" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU