17 Janeiro 2011
A Paixão de Cristo e a Santa Eucaristia foram os sinais escolhidos pelo Assessor Nacional da Pastoral Carcerária, Gunther Alois Zgubic, para marcar sua despedida do Brasil, na missa realizada no último dia 15 na Igreja da N. Sra. da Boa Morte, em São Paulo, SP.
A reportagem e a entrevista é de Cloves Costa e Marlise da Silveira Costa e publicada pelo boletim da Pastoral Carcerária, 17-01-2011.
Gunther Alois Zgubic é padre da Paróquia de Weiz, na Diocese de Graz-Seckau, na Áustria. Chegou ao Brasil em 1988 e trabalhou em uma Paróquia na região de Capão Redondo e Jardim Ângela, Zona Sul de São Paulo, nos primeiros seis anos. Depois trabalhou junto à população em situação de rua no centro da cidade, quando também passou a conhecer a situação dos presos no Brasil. A partir daí, atuou na Pastoral Carcerária e foi Coordenador Nacional desta pastoral entre 2001 e 2009, ajudando a organiza-la em todos os estados do país.
Na missa de despedida, participaram agentes da pastoral carcerária, militantes dos direitos humanos de diversas instituições, defensores públicos, deputados, padres e agentes de pastorais sociais, e alguns amigos e amigas das comunidades onde Gunther viveu. Concelebraram a missa Pe.Valdir Silveira, atual Coordenador Nacional da PCr, Pe. Bernard Hervy, padre operário, atualmente na ACAT Brasil, Pe. Emerson de Lima, Coordenador Estadual da PCr de São Paulo, e o Pe. José Enes de Jesus, da Pastoral Afro-Brasileira.
Dias antes de sua despedida, Pe. Gunther concedeu uma entrevista em que conta como foi sua chegada no Brasil, relata como aconteceu seu primeiro contato com a população carcerária e como foi opção de vida em favor dos presos e, por fim, alguns dos trabalhos desenvolvidos.
Eis a entrevista.
1) DA ÁUSTRIA PARA O BRASIL
Quando chegou ao Brasil?
Cheguei ao Brasil no dia 1º de agosto de 1988, e fui muito bem acolhido em todos os cantos. Isso foi um primeiro encanto pra mim, o que agradeço muito a Deus. Assim que cheguei ao Brasil, fui trabalhar numa das áreas mais violentas de São Paulo, naquele tempo. Fui para o Capão Redondo, Campo Limpo, Zona Sul de São Paulo. Fui muito bem acolhido pelo D. Fernando Penteado, Bispo Auxiliar da Arquidiocese de São Paulo naquele ano. Nunca teria acontecido na Europa que, ao chegar ao aeroporto, encontrar um bispo que não estivesse usando nem anel, nem o colar... Pensei que fosse um trabalhador, que com seu carro meio velho, já usado com duas irmãs que também não reconheci pela vestimenta, pois não usavam hábito... Mas logo reconheci uma, pois falou em alemão. Foi a Ir. Monica Kopf, Missionária Serva do Espírito Santo. E essas pessoas me acolheram. Eu nem soube que o homem que dirigiu o carro para Campo Limpo era meu bispo! Eu sempre pensava, durante a viagem: "nós agora vamos à Cúria conhecer meu bispo", "vou encontrar meu bispo hoje ainda...".
O que fez no início?
A Zona Sul era uma área com maior número de movimentos populares do Brasil, com maior densidade, naquele tempo. Isso vem da Ditadura Militar, do Santo Dias, da criação dos sindicatos na Zona Sul de São Paulo e na Zona Leste. Isto foi no meu primeiro tempo: muita violência. Então fui solicitado de começar a criar uma paróquia junto com a população formada por 90% de nordestinos e 10% de mineiros. Neste momento acontecia o segundo grande mutirão [de moradia] conseguido junto à Prefeitura de São Paulo. Ou seja, as pessoas apanharam centenas de vezes da polícia, pois chegaram como ocupantes da terra do solo urbano na periferia. Existiu uma grande luta e eu cheguei quando as coisas já estavam se estabelecendo, mas ainda não existia asfalto em grande parte e diversas coisas não funcionavam. Então comecei tentando trabalhar para que a luta popular e a espiritualidade da comunidade de base continuassem. A violência diminuiu extraordinariamente, assim como no Jardim Ângela, por causa desta elaboração de um trabalho de espiritualidade e estrutural, pensando no nosso bairro, pensando políticas públicas. Também ajudei na construção do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo – CDHEP, que trabalha na formação de lideranças populares e eclesiais, na linha da espiritualidade, cultura da paz e direitos humanos.
O senhor já veio militante ou tornou-se militante aqui?
Eu vim militante. Lá em minha Forania na Áustria, nós tivemos 27 entidades eclesiais, ecumênicas e não-eclesiais interligadas, formando a nova geração que questionava a geração dos mais idosos e conservadores que existem dentro de qualquer igreja e qualquer partido. Nós, jovens, nos juntamos às mulheres e os políticos ficaram com raiva, os responsáveis eclesiais ficaram inquietos porque a jovem geração mexeu, e nós colocamos que "nós não vamos mais abrir uma conta neste banco porque este banco colabora com o sistema do apartheid na África do Sul; nós não vamos mais comprar nestas lojas ou supermercados porque elas usam só plástico para estragar ainda mais o meio ambiente ou porque elas oferecem coisas para a Ditadura Militar da América Latina...". Nas pequenas cidades, nas escolas, as crianças também se lançaram nesta campanha. Então foi um clima excelente. Mas agora analiso que quando cheguei ao Brasil foi uma grande realização. Ainda que lá eu já fosse militante, mas aqui eu pude viver um pouco mais livre.
O que esperava encontrar no Brasil?
Entre o aeroporto de Viracopos, em Campinas, e o bairro de Campo Limpo, em São Paulo, apesar de ser madrugada, me impressionou ver prédios altos, uma enorme cidade com muita riqueza, então quase não vi nenhuma favela. A partir das primeiras horas no Brasil comecei a me perguntar "o que agora é verdade?", porque os relatórios, inclusive de movimentos populares e dos missionários, só mostravam a pobreza. Mas depois descobri que na área onde morei, o Campo Limpo, era a de maior índice de favelas da cidade de São Paulo, com 21% de favelas, mais ou menos 270 favelas, naquela época. Mas não era como eu pensei, que aqui teria só miséria. E nem na periferia a miséria era o pior do pior que sempre se mostrou na Europa, porque aqui em São Paulo a população é trabalhadora, em geral as pessoas têm emprego, poder econômico, por isso aquela choradeira de "somos tão pobres", neste primeiro momento tive dificuldade de aceitar, porque todo mundo tem uma geladeira, todo mundo tem uma televisão e até na favela aonde eu cheguei, pela luta popular de nossas lideranças, conseguiu-se água, luz e a maioria dos barracos já eram de tijolo, graças a Deus. Só que tem um pouco de desequilíbrio da informação, e aí me perguntei onde fica a verdade. E esta pergunta me acompanhou por muitos anos.
Porque escolheu no Brasil?
Foi para me conscientizar como se pode, como cristão, ser solidário. Porque não aguentei mais lá na Áustria, num Estado Social Democrático com políticas públicas excelentes e políticas sociais, onde o Estado paga universidades, escolas de primeira linha, saúde pública de primeira linha, os desempregado recebem do Estado moradia de graça para que não aconteça violência como ocorre aqui. Eu quis me conscientizar do que era verdade e como podemos ser solidários.
2) DAS RUAS PRA A PRISÃO
Como foi trabalhar na Pastoral do Povo da Rua ?
A partir do dia 01 de janeiro de 1995, após seis anos de trabalho na Paróquia, pude entrar na Pastoral do Povo da Rua, onde fui acolhido pelo Pe. Arlindo Pereira Dias, que já conhecia antes. Eram mais ou menos 80 pessoas, entre padres, seminaristas, ex-seminaristas, leigos e leigas... Dentro desta pastoral, nos tentamos, junto com a população de rua, pensar um pouco o futuro dos moradores de rua, porque nas calçadas, sob chuva, frio e na insalubridade, a pessoa se torna uma pessoa doente e desestruturada fisicamente e psicologicamente. Estes são nossos pobres que precisamos acolher humildemente e acompanhar. E aí foi a pergunta que colocamos sistematicamente sobre o futuro: e se alguém quiser sair da situação de rua e entrar no movimento de luta? Foi aí que começamos o trabalho junto ao Movimento Sem Terra, com o "Projeto Da Rua Para a Terra".
Como chegou à Pastoral Carcerária?
Fiquei na Pastoral do Povo da Rua até a quaresma de 1997, quando a Campanha da Fraternidade foi sobre os nossos encarcerados. Então fui solicitado pelo Pe. Chico, então coordenador da Pastoral Carcerária (PCr) para me dedicar exclusivamente à PCr. Na verdade, eu já comecei a descobrir os presos a partir da Pastoral do Povo da Rua, pois em maio de 1995 um morador de rua foi preso e o pessoal da Pastoral e da Rede Rua sempre tentou visitar pessoas que haviam sido presas pela polícia para ver a situação em que estavam, se estavam precisando de roupa, se foram torturados, se precisavam fazer um contato com alguém ou mesmo se precisavam de um advogado...
Conte-nos como foi seu primeiro contato com os presos.
Fui para o 3ºDP, na Rua Aurora, perto da Cracolândia, na Estação da Luz, uma das maiores situações de miséria que se pode imaginar, com prostituição e povo de rua. Quando cheguei lá, tive medo, por causa também da má fama da polícia no Brasil, que veio da ditadura. Então, foi a primeira vez que entrei. Fui até o Delegado Titular.
Eu admirei e estranhei, porque ele era muito bom. Ele disse: "Padre, que bom que o senhor chegou, pois eles precisam mesmo da sua presença, do seu acompanhamento. O senhor vai ver porque". Daí ele chamou o carcereiro para me acompanhar. Nem consigo falar direito o quão terrível é a situação, com tantos sofrimentos e como o Estado e a sociedade tratam os presos. Daí entramos.
Tinha uns portões de aço preto, com "duas asas’, como se fala, e isto num DP relativamente novo e moderno. Me deu toda uma impressão terrível da arquitetura, como se conhece dos filmes, do barulho dos portões abrindo e batendo atrás de mim. Mas daí eu olhei e estava sozinho, não tinha nenhum preso. Só que vi de novo um enorme portão com duas asas e também preto. E o barulho terrível do portão bateu atrás de mim.
Então após o segundo portão, olhei e não vi ninguém. Foi preciso trancar sempre, o primeiro portão de grade, o segundo portão oficial e então já assustei. Meu medo já estava bastante aquecido, porque agora eu também já estava preso. Aí, diante do terceiro portão, o carcereiro olhou pelo buraquinho do portão e disse: "Sim, eles estão calmos, podemos entrar, e o senhor pode fazer a visita hoje". Abriu o portão e fechou atrás de mim novamente. Agora, passado por todos os três portões, então vi a massa de presos. Massa no sentido de que dentro de um pequeno espaço de seis metros de largura do pátio interno, eram tantas pessoas que nunca pude imaginar. Apertados... Isso me criou um impacto muito grande.
Então pensei em perguntar: "Como vocês estão?", mas não falei ainda. A questão que me passou é "Quem sou eu perante vocês?", porque ainda ficou uma grade de noventa centímetros até onde os carcereiros e os advogados chegam. Então pensei: "Vocês são meus irmãos ou não?". Pensei: "E então, Gunther, do que você tem medo? Você não confia? Se eles são filhos de Deus, amados de Jesus Cristo, se Jesus se tornou um deles, foi preso... então devo entrar. Se eu ficar deste lado de cá, eu não posso ser mais cristão. Ou sou um cristão que fica refém de seus próprios medos, que nunca vou poder ser feliz por tanto medo que é minha prisão. Minha prisão é, na verdade, meu medo, minha projeção sobre eles de que seriam perigosos".
Neste momento senti que não poderia mais celebrar a Santa Missa, não poderia mais colocar a roupa do padre, porque seria tudo mentira, porque eles não seriam meus irmãos. Jesus, em cada Santa Missa, é lembrado quando se diz: "Tomai e comei, meu corpo vai ser dado, meu sangue será dado por vocês para o perdão dos pecados". Mas onde? Na prisão também. Entre quem? Entre os assim chamados bandidos. Jesus fez eles nossos irmãos. Deus quis, é preciso viver a reconciliação entre eles, junto com eles, para eles. E isto tudo se passou dentro de poucos segundos, mas foi como um filme de horas, onde eu senti que devo aqui na minha vida mudar algo. Então graças a Deus o Espírito Santo me trabalhou, me preparou para uma decisão de vida. Então falei para o carcereiro, após alguns segundos: "Por favor, deixe-me entrar". Falei firmemente, pois sabia que deveria convencê-lo, para que não acontecesse, como descobri depois, que os funcionários não deixam entrar alegando que são responsáveis pela nossa segurança. E tudo é um medo só deles. Porque quando acontece algo, se for preso que mata preso, não tem muito problema, a sociedade até gosta. Agora, se é alguém de fora, como um padre, aí já é desagradável para os funcionários. Por isso, muitas vezes, a Pastoral Carcerária tem dificuldades ou é proibida de entrar.
E o que o senhor disse?
Bom..., aí entrei. E Deus me trabalhou em segundos no meu próximo desafio: "O que ia falar com eles? Quem sou eu?". Nunca antes tinha estado nesta situação. E eles tampouco sabiam quem eu era, porque o carcereiro não falou que eu era um padre. "Vou falar que sou padre?" Cada pessoa que chegava nesta superlotação diminuía mais o espaço entre eles. "Então, por que eu estava ali? Para lhes tirar o último espaço onde já não existia mais nem o mínimo?" Depois ouvi: "Gunther, não tenhas medo. Fale a verdade, simplesmente. Nem mais, nem menos". Então falei: "Eu sou o Pe. Gunther, boa tarde a todos vocês! Eu trabalho com a Pastoral do Povo da Rua. Ontem um morador de rua foi preso e nosso projeto sempre cuida dos moradores de rua quando vão presos. Queria saber como ele está e o que podemos fazer para ele. Mas como não sei quem é ele entre vocês, então quero perguntar, como vocês estão?".
Qual foi a reação dos presos?
Eles me olharam, eu mais alto que a maioria deles. Dentro de poucos segundos, um preso jovem sumiu e voltou em poucos segundos com uma toalha. Abriu a toalha na minha frente e vi que era tudo vermelho, sangue, escarra, partes de um pulmão vomitados. Sangue e pus. Entendi que se tratava de tuberculose.
Como os presos me falaram mais uma vez a verdade, porque preso nem sempre é mentiroso, muitas vezes eles falam totalmente a verdade e eles falaram: "Padre, se o senhor puder fazer algo para que este nosso irmão possa chegar ainda ao hospital, ao atendimento de um médico para que não precise morrer sem assistência de saúde, o senhor já terá feito o suficiente".
Então, neste momento, olhando os presos, entendi que todos já estavam também contagiados de tuberculose. Fiz para mim mais uma vez a pergunta e rapidamente veio a resposta: "Então vocês são meus irmãos. E isto significa que eu também sou irmão de vocês", pensei. Ou seja, o medo, os nossos medos, impossibilita a toda a sociedade de ver o preso como gente, como meu irmão, como filho de Deus, que tem uma vida atrapalhada, mas todo mundo sabe de onde eles vêm, da miséria, e assim desempregados, sem moradia, sem escolaridade...
O que o senhor viu na prisão?
Então fiquei lá dentro o máximo de tempo possível e perguntei "O que mais? Como vocês dormem?". Metade dormia fora, na chuva e frio, molhados. A outra metade dormia nas celas, em menos de três metros quadrados dormem mais de vinte e cinco pessoas, até trinta. Tudo era escuro lá dentro. O banheiro não tinha porta, nem vaso sanitário. De noite, os ratos saem direto. Também não tinha ducha, só um cano, e a torneira que não funcionava mais, continuamente saia água. Neste espaço também dormem pessoas. Dependendo da superlotação, entre cinco e oito. Eles tinham que dormir neste espaço úmido também porque não existia outro espaço. Perguntei há quanto tempo estavam ali. Então responderam uns dias, um mês, três meses, seis meses, nove meses...
Então contaram que, assim como na rua, dormem com um olho aberto e outro fechado, porque não se conhece o caráter da pessoa que acabou de chegar. É um sofrimento terrível. De certo tem lutas entre grupos, e aí o grupo mais fraco é perseguido pelo outro.
Talvez se fosse cada um de nós nessa situação explodiria da mesma forma, porque ninguém pode aguentar o que essas pessoas têm que sofrer.
"E como é com a roupa?", perguntei, porque metade não tinha segunda roupa, pois quando a polícia pega na rua não pergunta se a pessoa quer levar sua mala junto.
Descobri que mais ou menos a metade, não tinha visita familiar. Ou seja, eram de outro estado ou do interior, perdidos da família, ou a família não sabe onde está o seu filho.
E pior ainda quando são cadeias públicas femininas. Quando a mãe está presa e os filhos não sabem onde está sua mãe.
Então comecei a comprar cadernos pequenos, de cem páginas, que custavam R$1 real. Percebi que com cem páginas, R$1 real, um selo social de um centavo, eu posso ajudar cem pessoas para começar um contato com a família.
O Estado não investiu para que o laço familiar não seja destruído. E não vou falar só mal dos funcionários. Posso falar bem também. O chefe de investigação me mostrou o que ele pagou do seu próprio salário em medicamentos porque o Estado não forneceu nada ou forneceu somente poucos kits, que foram insuficientes. Os funcionários também ficaram muito felizes que alguém de fora vinha ver a situação para publicar, falar na rádio...
3) DO BRASIL PARA O MUNDO
A Pastoral Carcerária efetuou diversas denúncias sobre o sistema carcerário do Brasil, inclusive na ONU. Como isso começou?
O jurídico no sistema nunca funcionou, em nenhuma cadeia da polícia e em nenhum presídio oficial; a saúde não funcionou; o espaço não funcionou... Isto tudo contrariando as normas que o Brasil já tinha assinado perante a ONU. Então, em 1997, falei com Pe. Chico [Coordenador da PCr naquele ano], quando ia viajar para a Áustria: "Chico, se você quiser, eu levo toda nossa documentação para a ONU. Nosso Ministério das Relações Exteriores na Áustria vai colaborar para uma intervenção em diversos estados do Brasil sobre a situação dos presídios".
Então reunimos a documentação, que está nas Cortes Internacionais.
O pressuposto é que se tentou, até o esgotamento, resolver os problemas pelos mecanismos do Estado próprio. Se a Justiça não funciona, se o Ministério Público não funciona, a Defensoria Pública nem existia, tudo o que a Constituição prevê, se a mídia não colabora, se os políticos não ajudam, a gente foi para o exterior.
Então, denunciamos. A Pastoral Carcerária, junto com a Anistia Internacional e outras entidades internacionais, conseguiram que a ONU fosse oficialmente convidada pelo governo para fazer uma avaliação do sistema carcerário e do sistema de justiça criminal no Brasil. O relator escreveu um relatório muito mais aniquilador que o próprio relatório da Pastoral Carcerária, da Anistia Internacional e de outras organizações de Direitos Humanos. Ele, como representante oficial da ONU, acabou com o governo brasileiro no aspecto da sua irresponsabilidade, como o Estado trata dos seus pobres, onde o Estado nunca previu as políticas públicas necessárias quando se quer ser um Estado Membro da ONU.
A partir desta e outras denúncias internacionais as coisas mudaram?
Então algumas coisas depois melhoraram. Outras não. Teve avanços e retrocessos, dependendo do resultado das eleições estaduais ou federais. Porém os presídios são como campo de concentração pela massificação. Onde uma pessoa é tratada em massa, se destrói a possibilidade de um relacionamento comunitário. Como a Pastoral Carcerária, numa visita de duas horas, em oito raios e mais outros tantos corredores, onde tem presos de castigo ou doentes, etc, pode atender dois mil presos, mil e duzentos presos? Onde ficam as políticas afirmativas para os presos para que tenham um espaço digno como se tem em qualquer casa, como qualquer família tem?
O que levou a acontecer a CF 2009, Fraternidade e Segurança Pública?
A Campanha da Fraternidade de 2010 foi uma solicitação minha em consequência da megarrebelião de São Paulo, onde milhões de trabalhadores de São Paulo não tiveram mais possibilidade psicológica e física de ir para o trabalho por alguns dias. Com isso, eu tentei conseguir uma conscientização das nossas comunidades, no Brasil inteiro, já que muitas vezes nem visitam seus próprios filhos na prisão, por medo. Que nós cristãos devíamos ter serviços aqui fora para colaborar com a construção de um novo modelo de segurança pública, que funciona em muitos países, porque melhorou e só funciona quando tem políticas públicas adequadas na linha dos direitos humanos básicos e isso combinado com milhares de comunidades colaborando, nós vamos cuidar do nosso bairro, com uma nova filosofia. Nós tentamos, como Igreja, colaborar na conscientização dos cristãos e da sociedade sobre a questão da violência.
Por que está voltando para a Áustria?
Eu vou embora porque hoje em dia, na Europa, existem cada vez menos padres. Então, se não tem vocações celibatárias suficientes, autênticas, então meu bispo disse que precisava de mim de volta. Hoje, nós temos menos vocações na minha diocese do que aqui, então ele precisou me pedir de volta.
Que mensagem deixa para os agentes de Pastoral Carcerária no Brasil?
Quero agradecer a toda pessoa do Brasil que tomou seu coração para começar a se aproximar destas questões. E quem entrou uma vez no presídio não preciso falar mais nada, a não ser lhe dar um abraço em nome de Jesus e agradecer em nome da Igreja também. Quero agradecer a todos os bispos, a todos os padres e agentes, todas as comunidades que tentam sentar junto e ver como podemos apoiar para que Jesus, o grande Bom Pastor, possa chegar também por nossa Igreja perto dos excluídos, das pessoas desvalorizadas, distorcidas, desestruturadas, com personalidades também desestruturadas. Quero agradecer por esta comunhão que decidiu viver na sua vida e celebrar, porque nossa vida é ressurreição, celebração e compromisso com a ressurreição. Amém.
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A situação dos encarcerados brasileiros e a Paixão de Cristo. Entrevista com Gunther Alois Zgubic - Instituto Humanitas Unisinos - IHU