22 Março 2017
A visão relacional do homem, no século XXI, pode se traduzir como “conexão”, e da comunidade como “rede”. Os saltos tecnológicos qualitativos relocalizaram a modernidade no tempo real da rede, interpelando a uma nova categorização em todas as disciplinas – da teologia à política, de Spadaro a Marramao, da analística à casuística.
A reportagem é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 20-03-2017. A tradução é do Cepat.
Emilce Cuda, teóloga: Há indícios que ninguém mais ocupará, no futuro imediato, o lugar do líder, nem do saber, em âmbito algum, com plena legitimidade, exceto que a liderança seja conectiva e a autoridade relacional. Os últimos acontecimentos políticos mostram que a liderança, hoje, procede da capacidade de colocar em relação pessoas de diferentes cidades, países, continentes, gêneros, gerações, crenças, idiomas, culturas e ideias, escutando mais suas demandas, que expondo princípios. A autoridade, agora, procede da capacidade de articular uma rede, onde o tempo supera o espaço, e sua unidade se fundamenta nas diferenças que consegue articular. Um setor dos moralistas católicos já percebeu isto há mais de uma década.
James Keenan, SJ, professor de Ética Teológica do Boston College e diretor do Jesuit Institute dessa instituição, fundou, em 2000, uma rede global de teólogos moralistas católicos que hoje conta com 1.500 membros, de 6 continentes. Entre eles há jovens teólogos e também históricos nomes da teologia do século XX, há leigos e religiosos, há homens e mulheres. Todas as culturas e todos os idiomas estão representados, m,as agora, em uma nova linguagem, a da rede que constitui a CTEWC (Catholic Theological Ethics in the World Church).
A rede que estes teólogos moralistas formam, diferente de outros espaços parecidos, é de conexão não só virtual, mas também física. É uma rede encarnada. A rede, de maneira global, reuniu-se fisicamente, pela primeira vez, em 2006, em Pádua, posteriormente, no ano 2010, em Trento, e em 2018 se reunirá em Saravejo.
A ética teológica em rede não é apenas outra moralidade teológica, mas também um novo modo de ser Igreja atenta aos “sinais dos tempos”, no sentido de uma assembleia deslocalizada, mas contemplado as identidades locais, gerando a articulação das diferentes demandas pela necessidade das culturas particulares que vão assumindo uma nova posição no processo histórico, que é a responsabilidade em construir o Reino dos Céus.
Papa Francisco cumprimenta o jesuíta James Keenan (Fonte: Religión Digital)
Na rede da CTEWC, as posições ético-teológicas originadas nas culturas locais não são absorvidas por uma ética-teológica totalizante, mas, ao contrário, visibilizadas.
As conferências locais da CTEWC são uma mostra disso: Bogotá - 2016, Bangalore - 2015 e 2012, Cracóvia - 2014, Berlim - 2013, Nairóbi - 2012, Manila - 2008. Cada uma das conferências regionais é realizada, efetivamente, com a produção e publicação de um livro conjunto, onde cada capítulo não é só um artigo acadêmico no sentido teórico, mas também a argumentação de uma demanda sociocultural e sua possível resposta ético-teológica.
A rede da CTEWC, sem deixar de expor seus argumentos a partir de uma fundamentação teológica, mostra o compromisso pastoral e missionário de seus integrantes.
Após 10 anos de trabalho, o presidente da rede, James Keenan, SJ, junto a membros do comitê executivo internacional (Linda Hogan, da Irlanda, Antonio Autiero, da Alemanha, Emilce Cuda, da Argentina, Kristin Heyer e Toni Ross, dos Estados Unidos, e Roman Globokar, da Eslovênia), foram recebidos pelo Papa Francisco em audiência privada, na última sexta-feira, 17 de março, na Santa Sé do Vaticano.
Foi o momento culminante, após uma longa semana de trabalho, na qual apresentaram a rede para diferentes congregações da Cúria Romana. Reuniram-se com cardeal Ravasi, do Pontifício Conselho da Cultura, com o cardeal Versaldi, da Congregação para a Educação Católica, com dom Rodríguez Carballo, da Congregação para os Religiosos, com o cardeal Feloni, da Propaganda Fidei, com o cardeal Farrel, da Congregação para os Leigos, a Família e a Vida, e com o cardeal Turkson, do Dicastério pelo Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. Também foram recebidos pelo Geral dos Jesuítas, Padre Arturo Sosa.
Teólogos(as) moralistas se encontram com o Padre Arturo Sosa (Fonte: Religión Digital)
A audiência com Francisco foi um grande estímulo para a CTEWC, não só porque o Papa deu sinais de reconhecimento ao trabalho realizado com esforço por seus integrantes, como também apoiou com entusiasmo o desafio de, agora em diante, uma ética teológica católica a serviço de construir pontes e não muros. O pontífice destacou que isso só será possível se for pensado como “processo histórico, já que isso é a história da salvação para o cristianismo”, e lhes sugeriu que a ética teológica se desenvolva a partir de uma “hermenêutica da unidade na diferença”, compreendendo que “o tempo é superior ao espaço”.
A comitiva internacional da CTEWC também teve atividade acadêmica, apresentando seu programa na Academia Alfonsiana, na Universidade Urbaniana e na Universidade Gregoriana. A rede de teólogos moralistas católicos, que longe de concordar com uma ética apriorística buscam a construção de uma ética situada, desenvolvem suas posições no terreno da investigação. Além dos livros publicados como resultado de cada uma das conferências globais e regionais, a CTEWC também conta com uma produção de livros de ética teológica, conforme temas particulares que emergem como necessidades sociais urgentes a ser visibilizadas. A rede publicou: Linda Hogan (ed.). Feminist Catholic Theological Ethics, Orbis, New York; Christiana Peppard e Andre Vicini (ed.). Just Sustainability, Orbis, New York; Agnes Brazal e Maria Teresa Davila (ed.). Living with(out) Borders, Orbis, New York; Emilce Cuda (ed). Hacia una Etica de Participación y Esperanza, Universidade Javeriana, Bogotá.
Em sua estadia em Roma, a palavra dos representantes da CTEWC não só fez uma recordação de sua experiência, durante os dez anos transcorridos, como também apresentou seu programa para o futuro. Em concordância com a Igreja em Saída, que o atual pontífice prega, e que a rede de teólogos moralistas católicos vem promovendo desde 2006, a CTEWC se propõe como desafio “construir pontes”. Pensando a Igreja como sacramento, como corpo de Cristo, e aos teólogos que fazem parte desse Povo de Deus como cristãos conectados, se escolhe a cidade de Saravejo por ser a cidade das pontes – uma linguagem simbólica que não é alheia a nenhum dos problemas com os quais os moralistas se deparam em cada um de seus continentes.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Francisco pede a teólogos moralistas que “construam pontes a partir da hermenêutica da união na diferença” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU