20 Dezembro 2016
As cidades brasileiras hoje não carecem de leis e nem de planos, mas de atitudes concretas para mudar a realidade.
Novos sistemas de governança, mobilidade urbana e reestruturação do sistema de habitação foram os temas principais durante o diálogo “O Futuro das Cidades”, organizado pelo Instituto Envolverde em parceria com a Unibes Cultural, e apoio do ICLEI- Governos Locais pela Sustentabilidade e da Brasil Kirin.
A reportagem é de Katherine Rivas, publicada por Envolverde, 16-12-2016.
O Encontro aconteceu nesta quarta-feira (14) e contou com a participação de três especialistas: a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato, o pesquisador do Núcleo de Estudos do Futuro da PUC-SP Diego Conti e o Secretário-executivo do ICLEI Rodrigo Perpétuo e foi mediado por Dal Marcondes, diretor do Instituto Envolverde e editor da Agência Envolverde.
O “Futuro da Cidades” promoverá no decorrer de 2017 uma série de seis diálogos para avaliar as tendências em sustentabilidade para as cidades do mundo nos próximos anos, assim como propor estratégias de solução frente aos dilemas da população.
As cidades brasileiras hoje, segundo os especialistas, são manejadas pelo mercado imobiliário, que se apropria de localizações privilegiadas. Apesar de seu forte conhecimento e cultura, a sociedade ainda se mostra alienada de seus direitos e tem profundo desinteresse pelas instituições e governos em trabalhar por melhorias.
A urbanista Ermínia Maricato afirmou que as cidades no Brasil hoje não carecem de leis nem planos, mas de atitudes concretas para mudar a realidade. Segundo a legislação do país toda metrópole deve ter um Plano Diretor Estratégico, no entanto, os planos atuais não enxergam a real necessidade da população. “Os sistemas judiciário e administrativo desconhecem a legislação urbanística do município e a realidade das cidades. Em São Paulo é urgente impedir a ocupação dos mananciais criando um projeto habitacional para os moradores destas localidades”,comenta.
Na capital paulista, a 40 km da Praça da Sé existe uma reserva natural ocupada de forma ilegal pelas vítimas do sistema imobiliário, qualificado pela urbanista como excludente. A ocupação dos mananciais hoje é lar de dois milhões de pessoas e gerou nos últimos anos múltiplos problemas ambientais entre eles a crise hídrica. Ermínia destaca também a disfuncionalidade da cidade, onde 70% do emprego está no centro urbano fazendo com que as pessoas viajem por várias horas para trabalhar, da mesma forma que existe uma distribuição segmentada da população por gênero, classe social e etnia, excluindo alguns dos serviços básicos e qualidade de vida.
Para Diego Conti, pesquisador do Núcleo do Futuro, o problema principal do Brasil é a dificuldade de conceber uma cidade igualitária onde diversas classes sociais possam morar num mesmo prédio, por exemplo, mesmo que com estruturas e apartamentos diferentes. Ele cita a cidade de Copenhagen, na Dinamarca, pioneira neste formato. “Precisamos de lideranças políticas e empresariais para transformar o mundo. Estamos em uma arritmia que precede ao infarto. Vamos deixar o Brasil enfartar? ” questiona.
O modelo de governo, segundo Conti, precisa ser participativo e aliado de forma transparente aos moradores que conhecem a realidade dos seus bairros. Ele vê o desenvolvimento sustentável nos próximos anos aliado a três frentes climáticas: seca, aumento de chuvas e incremento da velocidade dos ventos.
O pesquisador concorda com Maricato na ineficiência das cidades que mantem o trabalho longe da moradia. O fato de uma pessoa precisar de seis horas para ir e voltar do trabalho, mais as oito horas de jornada laboral diária, lembram Conti da era industrial. Desde esta perspectiva ele acredita que nada mudou.
Já Rodrigo Perpétuo do ICLEI avalia que mesmo com as transformações históricas a sociedade hoje ainda é dominada por um pós-capitalismo industrial onde apesar da preocupação com mudanças climáticas e protagonismo orgânico e econômico ainda somos vítimas de machismo, homofobia, racismo e crueldade humana e ambiental.
Utopia de cidade
Os especialistas acreditam que a cidade ideal de 2050 contará com governos participativos e líderes verdadeiros sendo missão da sociedade identificar os prefeitos e vereadores do futuro. “O maior conselho para um líder é ter resiliência, porque todos os dias você é esmagado pelo sistema, mas você tem que voltar ao seu estado natural”, diz Diego Conti.
Com a crise política do Brasil a saída é que a agenda dos próximos anos manifeste o interesse real das pessoas. Segundo Ermínia a saída não está em modelos urbanísticos compactos e sim em educação, conhecimento das cidades e lideranças de movimentos sociais realizando um diálogo aberto com a periferia brasileira.
Perpétuo defende a reestruturação das cidades evitando que famílias mudem de lar para viver melhor e sim que estas consigam ter qualidade de vida nos seus municípios pequenos. Ele defende a geração de cidades mais éticas que promovam o potencial humano. “O Brasil precisa ecoar a sua verdade varrida para debaixo do tapete”, aponta.
Ermínia Maricato defende que a mudança iniciou nas manifestações de 2013, onde surgiram alguns movimentos que serão os protagonistas de anos futuros. Ela qualifica o empoderamento da população negra, as mulheres da periferia e o movimento LGBT como uma alternativa potencial para alavancar transformações sociais e resgatar um país ético. A urbanista mostra-se pessimista a curto prazo, porém com grandes esperanças após desvendar estas realidades a longo prazo.
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As cidades do futuro devem ser éticas e participativas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU