09 Novembro 2016
"O demagogo é aquele que prega doutrinas que sabe que são mentira a pessoas que sabem que é idiota". — H.L. Mencken
O problema não é Donald Trump. O problema é o trumpismo, um coquetel de ódio e fascismo repleto de mentiras e incoerências confeccionado sobre a marcha por Trump e seus aduladores em um processo febril de incitação mútua.
A reportagem é de John Carlin, publicada por El País, 07-11-2016.
Os ingredientes de ódio são conhecidos por qualquer um que tenha prestado um pouco de atenção à campanha presidencial dos Estados Unidos: fala mal dos mexicanos, dos muçulmanos, dos judeus, dos negros, dos imigrantes em geral, das pessoas com deficiências, dos intelectuais e das mulheres, especialmente as mulheres modernas, pós-feministas e independentes, cuja imagem mais visível é sua rival para a presidência dos Estados Unidos, Hillary Clinton.
Os ingredientes fascistas também não são difíceis de se identificar: Trump, apoiado em sua candidatura pelo jornal oficial da Ku Klux Klan, afirma que se chegar à presidência irá prender Clinton, fazendo pouco caso do princípio democrático da independência do judiciário; que se não vencer, não respeitará o resultado, sugerindo ao mesmo tempo que poderá incitar seus partidários a que peguem em armas; que a tortura é desejável como método de interrogação; que os muçulmanos nos Estados Unidos, como os judeus na época nazista, devem ser todos identificados em uma base de dados.
Mas o problema não é Donald Trump, por mais que seja a expressão em carne e osso de quase tudo o que é vil no ser humano. O problema são as pessoas que acreditam que semelhante animal é digno de ser o presidente dos Estados Unidos, o país com maior poder sobre a humanidade do que qualquer outro. O problema é que dezenas de milhões de norte-americanos pensam em votar em um homem que diz que o governante que mais admira no mundo é o ditador russo e ex-oficial da KGB Vladimir Putin. O problema é a idiotice da turba trumpista.
“Amo os que não têm educação”, declara Trump, e as multidões o aplaudem. Ele os ama porque não sabem distinguir entre a verdade e as mentiras nas quais ele se baseia, que, como está bem documentado, são 70% do que Trump diz.
Um exemplo entre milhares. Trump insiste que o índice de homicídios nos Estados Unidos hoje é o mais alto em 45 anos. Trump se queixa aos seus devotos que a imprensa jamais menciona esse fato. Não o faz porque é mentira. O índice de homicídios em 1980 foi o dobro do que em 2015.
O que Trump faz é apresentar uma imagem aterradora dos Estados Unidos, uma espécie de Estado fracassado mergulhado na criminalidade e na miséria. É o velho truque do demagogo fascista, seja Hitler, Franco ou Mussolini, seja o inimigo o comunismo ou a conspiração judaica. Confiem em mim; só eu sou capaz de salvá-los.
O problema não é Trump; o problema são os que acreditam nele. Como nos lembra uma crítica da mais recente biografia de Hitler no New York Times, escrita por um historiador alemão chamado Volker Ullrich: “O que realmente dá medo no livro de Ullrich não é que Hitler pudesse ter existido, mas o fato de que tanta gente pareça ter esperado que aparecesse”.
É verdade que o adjetivo de fascista foi utilizado com exagerada frequência e volubilidade desde os anos trinta. Mas nesse caso, já que o assunto em questão é a campanha de Trump para chegar ao poder, a comparação não é frívola. Renomados intelectuais de esquerda e direita nos Estados Unidos, entre eles o professor universitário de economia Robert Reich e o historiador Robert Kagan, definiram explicitamente como de caráter fascista o culto ao homem forte redentor que se criou ao redor da figura de Trump.
A vitória eleitoral de Hitler em 1933 foi o triunfo do ódio, da barbárie e da estupidez. Uma vitória para Trump nas eleições de terça-feira seria o mesmo. Não existe lógica alguma para que dezenas de milhões de norte-americanos, a maioria deles aparentemente formada por homens brancos que se sentem marginalizados e ressentidos, vejam em Trump o homem que lhes devolverá à prosperidade. A parte do cérebro que utiliza a razão não entra em ação. Trump é um bilionário que não paga impostos há 20 anos e é favorável a que se corte ainda mais os impostos dos super ricos.
A parte do cérebro que entra em ação é a mais primitiva e animal. A do medo e da agressão, a da manada. Tony Schwartz, que há 30 anos vendeu sua alma e escreveu para Trump seu livro A Arte da Negociação, chegou a conhecer o atual candidato melhor do ninguém. “Trump está só um degrau acima da selva”, disse em uma entrevista semana passada ao Times de Londres. “Sua visão do mundo é tribal”.
O que seria um problema somente para seus familiares e conhecidos que precisam aguentá-lo se não fosse pelo fato de que as massas descerebradas o adoram e existe o sério risco de que acabe ocupando a Casa Branca. Não existe análise política que explique isso. Essa ferramenta não é o suficiente. Para entender o fenômeno Trump é preciso recorrer à antropologia, nesse caso ao estudo do animal humano em sua versão mais selvagem e primitiva. Porque o trumpismo não tem causa; tem inimigos. Não propõe esperança, propõe ódio.
O problema não é Trump. O fantástico, o grotesco, o surreal é que às vésperas das eleições as pesquisas digam que o ódio, a barbárie e a estupidez têm uma razoável possibilidade de vencer, que não é uma bobagem pensar que Trump conseguirá os votos necessários para ser coroado presidente dos Estados Unidos. O fantástico, o grotesco, o surreal é que tantos milhões dos habitantes do país mais próspero do mundo compartilhem sua visão tribal, que não só Trump, mas também seus devotos estejam somente um degrau acima da selva.