Por: Patricia Fachin | 02 Mai 2017
Uma das explicações possíveis para compreender por que os projetos do setor energético como um todo estiveram no “âmago” da corrupção entre o setor público e o setor privado nos últimos anos, é a alta margem de lucro e de excedente econômico gerado, justamente porque, nesses setores, a concorrência econômica é baixa, diz o engenheiro e diretor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo, Ildo Sauer, à IHU On-Line.
“Os projetos do setor elétrico estavam no âmago disso, porque nos setores convencionais da economia, aqueles concorrenciais, como supermercados, padarias, farmácias e nas indústrias competitivas, a margem de lucro é muito pequena. Mas há setores da economia que não são concorrenciais, que são aqueles em que a natureza provê as bases materiais para a produção de bens e insumos, cujo custo de produção é geralmente 10% do seu valor de mercado, como é o caso do setor de petróleo, do setor de minérios, e os potenciais hidráulicos”, afirma.
De acordo com Sauer, os setores ligados à área de energia “se expressam” com muita “força” “dentro do sistema político” “para catapultar uma parte do excedente econômico ou até mesmo o superlucro, seja via contratos, seja via benefícios, conseguindo comprar insumos mais baratos”. O excedente econômico gerado nos últimos anos no setor de energia, lamenta, “foi utilizado muito mais em benefício daqueles que detinham e sempre mantiveram o poder de barganha”, com a criação dos chamados “Campeões Nacionais” à custa de financiamento público e de aumento do endividamento público federal interno, que financiou as ações do BNDES. Se não bastasse isso, assinala, os envolvidos nessas negociatas “impediram que essa bonança se espraiasse para um grupo muito maior de pequenas e médias empresas, que não tinham acesso aos contratos públicos em lugar algum”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, o ex-diretor executivo da Petrobras e responsável pela área de Negócios de Gás e Energia da empresa entre 2003 e 2007, quando foi exonerado durante o governo Lula, explica como as empresas públicas, a exemplo da Petrobras e da Eletrobras, foram “destruídas” e “serviram de muleta para sustentar projetos como Belo Monte, como os do rio Madeira, outros projetos na área eólica e na área de transmissão de energia”. O setor de energia brasileiro, enfatiza, “foi instrumentalizado em uma teia” em favor de alguns grupos, aos quais “os governantes passaram a ser subordinados diretos mediante pecúnia, mediamente uma rede de pagamentos, que os tornavam meros capitães-do-mato desses segmentos (serviçais do senhorio e da elite que oprimem e se transformaram em inimigos do povo)”.
Segundo ele, ao longo dos últimos anos os problemas internos da Petrobras eram vistos como derivados de “equívocos, de erros, de percepções equivocadas, não imaginávamos que eram intencionais”. Entretanto, pontua, depois das revelações da Lava Jato, “ficou claro que grande parte desses que pareciam ser equívocos, na verdade eram crimes. E o pior é saber que eles foram feitos com apropriação e incentivo do sistema político partidário que se impôs sobre a vontade democrática da população, para se manter no poder e partilhar esses benefícios e excedentes entre essa rede de empreiteiras, gestores e dirigentes nomeados, que nunca passaram de despachantes de interesse. Essa expressão eu cunhei em 2006, quando reagia às pressões que vinham do Planalto em relação a várias iniciativas que não eram viáveis, que eram impossíveis, como, por exemplo, vender gás natural pela metade do preço ou continuar mantendo a Petrobras como as outras estatais, ou seja, sendo obrigada a vender energia por mais ou menos 20% do custo para que os 660 grandes consumidores pudessem se beneficiar disso”. E dispara: “Naquele tempo enviávamos cartas, explicávamos que o modelo estava errado e precisava ser corrigido, e nada tinha efeito. Hoje vem a clareza de que aquilo não era equívoco, era intencional e levava à mais alta esfera do poder, incluindo os dois ex-presidentes que se chamam de esquerda”.
Ildo Sauer | Foto Agência Senado
Ildo Sauer é graduado em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Engenharia Nuclear e Planejamento Energético pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ e doutor em Engenharia Nuclear pelo Massachusetts Institute of Technology. Atualmente é professor titular da Universidade de São Paulo – USP.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - O senhor sempre foi um crítico das políticas dos governos Lula e Dilma ao setor elétrico. Como está acompanhando e reagindo às investigações da Operação Lava Jato e às delações, que denunciam relações ilegais entre o setor público e o privado na realização de grandes obras, como as hidrelétricas de Belo Monte e as do Rio Madeira e Jirau?
Ildo Sauer – Eu tenho acompanhado tudo isso. Quando fui demitido da Petrobras, em 2007, emiti uma carta que acabou sendo publicada com o título “Sem alegria e sem espanto”. Eu retratava, naquele momento, a profunda frustração resultante do contraste entre aquilo que foi formulado como um programa de governo da Frente Brasil Popular, em 2002, e aquilo que eram as possibilidades reais de implementação e o que estava realmente sendo entregue e realizado. Naquele tempo havia uma consideração que se tornou muito popular, que era a palavra mágica chamada “governabilidade”. Então, de certa forma, todas as forças que apoiavam esse projeto se subordinaram ao que estava vindo do núcleo duro do governo, dizendo que tudo o que ele fazia era para o bem do projeto e para garantir a governabilidade e que, finalmente, o governo entregaria, ainda que por um caminho diferente do inicialmente formulado, os resultados prometidos. Isso aconteceu em 2007, ano em que fui destituído da Petrobras, quando o Lula disse para alguns intermediários que eu não estava ajudando. Em nome da construção de um projeto e da coerência, eu retornei às minhas funções da mesma forma que entrei: sem alegria, mas também sem espanto, depois do que eu havia vivido.
A contradição interna se avolumou tanto que só havia uma saída para alguns setores: sair do governo. Isso aconteceu há 10 anos. Agora eu já não usaria a mesma expressão de antes, e diria que, com profunda tristeza e com muita perplexidade, vejo que aquilo que se percebia como sendo uma decadência acelerada entre o prometido e o realizado, se deteriorou muito mais do que se imaginava. Havia claros indícios de contradições do governo como um todo, particularmente do setor de energia – o setor de eletricidade, os setores do petróleo, do gás natural e dos biocombustíveis -, que foi objeto de grandes disputas e onde grande parte desses descaminhos se materializaram.
A perplexidade e a profunda tristeza vêm do fato do que se construiu, ao longo de décadas, no enfrentamento da ditadura, a partir do movimento sindical que buscava garantir sua autonomia, do papel da Igreja, e de outras igrejas que se juntaram à Igreja tradicional, dos intelectuais. Ou seja, um conjunto de forças foi aglutinado pelo menos ao longo de duas décadas e meia - do final dos anos 1990 até o começo do milênio, em 2002 -, quando finalmente aquilo que parecia quase impossível se materializou: um grande movimento popular, liderado pelo Partido dos Trabalhadores – PT, venceu democrática e indubitavelmente as eleições em nome de um programa transformador.
Mas agora, olhando em retrospectiva, parece que as sementes da dissolução daqueles valores e princípios já estavam plantadas, porque as revelações dos últimos tempos indicam que já estava claramente em curso um processo de manutenção do discurso tradicional e uma prática que se opunha a esse discurso. É aquilo que alguns chamam de second life - aquele modismo da informática -, onde as personalidades conseguiam ter duas vidas: uma vida de fantasia na informática e a vida real. Na política houve uma inversão: o discurso se tornou a versão fantasiosa, e a conduta concreta das decisões se tornou, cruelmente, o mundo real que pautava as ações. Então, nesse sentido houve uma contínua deterioração das alianças, das forças e, progressivamente, decepções.
É claro que a grande âncora que sustentou esse processo veio do âmbito econômico. Na área social, as tensões estavam relativamente pacificadas, apesar de alguns conflitos que afloravam nas áreas da reforma agrária, do setor elétrico, do petróleo, das favelas, da segurança ou da saúde, mas de modo geral o que perpassava era um profundo sentimento de esperança na área social. E, na área econômica, ao contrário do que alguns analistas entendem, a grande solução veio de uma mudança quase que inesperada do ponto de vista das teorias convencionais, mas que tem um fundamento muito forte: a emergência da China e de parte da Índia como grandes demandantes de produtos primários. Isso alterou profundamente as históricas relações de deterioração dos termos de intercâmbio, em que os preços dos produtos primários eram progressivamente desvalorizados e a repartição do valor era produzida entre a periferia e o centro, embora pendesse sempre para o centro.
Houve, portanto, um alívio temporário, que perdura parcialmente até hoje, mas não com a mesma intensidade, por conta da exportação dos produtos primários, como minérios, especialmente o ferro, no caso brasileiro, e o próprio petróleo, do qual o Brasil passou a ser exportador, que beneficiaram profundamente a economia brasileira e geraram um excedente econômico que pôde ser reciclado. É verdade que a sua reciclagem se deu, mais uma vez, em conformidade com este discurso: um pouco para os pequenos e muito para os grandes. Esse não era o discurso revelado, mas o praticado. O discurso revelado era: “Nós fazemos Bolsa Família e retiramos da pobreza frações significativas da população”. Então, esse alívio econômico dependeu muito mais da conjuntura internacional do que das medidas efetivamente tomadas no país, muito embora o discurso do governo diga o contrário.
Somada a essa situação de bonança econômica, ainda havia uma grande esperança que persistia na população em relação ao governo. Hoje isso não existe mais. A crise de 2008 não foi sentida imediatamente mas deixou sequelas, porque atingiu profundamente um dos pilares que garantia a geração de excedente econômico. Esse excedente econômico foi utilizado muito mais em benefício daqueles que detinham e sempre mantiveram o poder de barganha, ou seja, daqueles que impuseram, de um lado, a “governabilidade”, a qual foi aceita de maneira muito entusiástica por vários setores que se tornaram hegemônicos dentro da Frente Brasil Popular. E aí surgiram as alianças com o sistema financeiro, com os grandes empresários, com as grandes empreiteiras e tudo mais que aconteceu, como a criação dos chamados “Campeões Nacionais” à custa de financiamento público e de aumento do endividamento público federal interno, que financiou as ações do BNDES.
A minha leitura é de que, por conta do alívio econômico temporário e da esperança nos primeiros seis anos do governo Lula, o discurso de que a “esperança venceu o medo” ainda vigia no âmago de setores importantes da população. Em outros não, porque eles já estavam desiludidos. Os analistas mais atentos ao que estava acontecendo, aqueles que conviviam com as contradições e não viam espaço para expressar sua inconformidade com o que estava em curso, já estavam profundamente sem alegria, mas também sem espanto. Mas esses segmentos eram minoritários no sentido do quanto representou a aliança que chegou ao poder.
Progressivamente o governo vinha cedendo cada vez mais a essa aliança não assumida publicamente, mas praticada de fato. Ele favoreceu extensivamente as empresas nacionais. Teoricamente esse projeto teria um fundamento, mas não do modo como foi feito. Apesar de muitos, no passado, terem se declarado socialistas e depois terem renegado essa perspectiva, não estava em questão a possibilidade de derrocada do capitalismo. De todo modo, poderia ter se implantado no Brasil um regime que se aproximasse do que se conhece em outros lugares do mundo como uma social-democracia, e utilizar os excedentes econômicos dos setores de energia, hidráulica, petróleo para beneficiar outros setores, como educação e saúde, desde que as instituições para fazê-lo tivessem sido construídas. Mas isso não aconteceu. O governo foi cedendo progressivamente nesses campos a todos os interesses que já eram dominantes antes e que mantiveram sua hegemonia.
A perplexidade de muitos de nós vem do fato de que essa ação do governo não favoreceu somente esses segmentos, mas, em grande parte, foi feita na penumbra da ilegalidade e conduzida de modo a favorecer grupos, segmentos e partidos políticos. É verdade que as forças conservadoras, às quais o PT se aliou mais adiante, já adotavam essa prática, mas ela foi aprofundada. Todas as instituições e empresas relevantes que estavam sob o controle do governo acabaram sendo subordinadas a esse processo de instrumentalização em favor dessa aliança formal e objetiva de criar os “Campeões Nacionais”, de favorecer as empresas brasileiras, muito embora só as oligopolistas, que formaram cartéis, foram beneficiadas. Além disso, elas impediram que essa bonança se espraiasse para um grupo muito maior de pequenas e médias empresas, que não tinham acesso aos contratos públicos em lugar algum. Tudo foi instrumentalizado em uma teia em favor desse grupo, ao qual os governantes passaram a ser subordinados diretos mediante pecúnia, mediamente uma rede de pagamentos, que os tornavam meros capitães-do-mato desses segmentos (serviçais do senhorio e da elite que oprimem e se transformaram em inimigos do povo).
Aquilo que se achava ser uma democracia burguesa-formal nunca existiu no Brasil. Eu já declarei isso antigamente em uma entrevista que gerou alguma controvérsia. Naquele tempo eu não tinha as acusações concretas, eu tinha indícios, e dizia: o Brasil não tem democracia, o que se tem aqui é algo próximo da cleptocracia, que impunha o assalto ao excedente econômico, aos recursos públicos e à manutenção de uma hegemonia. Algo que se aproxima, em certo sentido, embora com flexibilidade metodológica e conceitual, da chamada acumulação primitiva do início do processo capitalista, onde todos os bens públicos foram apropriados privadamente pelos grupos que conseguiram se impor politicamente pelas novas regras então emergentes da lógica capitalista de relacionamento social.
Esse processo não é inteiramente novo, a diferença e a perplexidade vêm de que os governos anteriores, mesmo o militar, propugnavam essa rota, embora ninguém tenha usado da ilegalidade e da corrupção como instrumentos para perenizar isso, mas ela estava presente sempre; foi ela quem aprofundou essa instrumentalização.
IHU On-Line - Em 2012 o senhor criticou o fato de o governo federal ter entregue uma grande parte da franja do pré-sal para a empresa OGX, do empresário Eike Batista. E, num artigo, o senhor mencionou que no governo FHC as empresas que venciam as licitações eram as que tinham a melhor proposta, mas na gestão de Lula o governo passou a escolher o vencedor das licitações. Que irregularidades e contradições já eram evidenciadas ou apontadas no setor de energia pelo senhor, no governo FHC, e durante e depois da sua gestão na Petrobras, já nos governos Lula e Rousseff, as quais vêm à tona hoje?
Ildo Sauer – Quando eu comentei o processo de transparência no governo Fernando Henrique em relação às licitações, aquilo não pretendia ser um elogio, mas apenas uma análise. Eu dizia que o governo FHC e os neoliberais proclamavam abertamente suas intenções e as praticavam e, portanto, faziam as licitações para vender concessões, motivados pela lógica de garantir os interesses dos investidores, não importando o impacto que isso causaria na sociedade e nos consumidores; essa prática era abertamente proclamada.
O governo que se seguiu a ele, liderado pelo PT, proclamava fazer coisas diferentes e privilegiar sempre o interesse público, até se falava em modicidade tarifária, mas as tarifas nunca deixaram de subir tanto quanto no governo tucano quanto no petista, e ainda continuam entre as mais caras do mundo.
Uma das razões de eu ter sido diretor da Petrobras foi dar conta daquilo que parecia ser um grande escândalo: o governo FHC definiu que as empresas públicas, as estatais e federais, especialmente a Petrobras, mas também Furnas e, marginalmente, a Companhia Paranaense de Energia – Copel, deveriam assumir o ônus de dar garantia a todos os investimentos privados da área da geração termoelétrica, o que fez com que essas empresas tivessem enormes prejuízos. A Petrobras, somente em três contratos com o senhor Eike Batista, da MPX, teve um prejuízo de 2,5 bilhões de dólares, na Termoceará, no Macaé e na atual Usina Mario Lago. Falo disso porque fui encarregado de gerenciar e liderar esse processo de reestruturação. Nos anos em que estive na Petrobras, conseguimos reduzir esse prejuízo para menos de 1,5 bilhão de dólares, e esse é o primeiro exemplo de que a Petrobras foi “desroubada” em 1 bilhão de dólares, pelo menos, em três contratos. Durante cinco anos pelo menos a Petrobras pagaria o equivalente a 2,5 bilhões de dólares, e as usinas, quase não utilizadas, seriam dos grupos privados. Nós conseguimos pagar menos do que os 2,5 bilhões e ficar com as usinas. Esse foi um processo árduo e duro de negociação, inclusive dentro do governo, porque não havia simpatia por essa negociação nem no Ministério de Minas e Energia, nem na Casa Civil, nem no Ministério da Justiça. Toda essa situação é herança do governo Fernando Henrique.
A diferença é que naquele tempo o lucro da Petrobras era pequeno comparado com o que aconteceu depois. Os investimentos na Petrobras eram pequenos porque o petróleo tinha um preço baixo, portanto o lucro era menor e o plano de investimentos também era menor; o petróleo oscilava entre 15 e 22 dólares naquele até 2004, o lucro era da ordem de um bilhão de dólares e os investimentos eram de dois, três e quatro bilhões de dólares por ano. Depois essa margem aumentou para 30, 40 bilhões de dólares por ano e o lucro chegava a 10, 15 bilhões de dólares anuais. A Petrobras, em 2003, valia na Bolsa de Nova York – não que isso seja um grande indicador, mas é uma referência - cerca de 15 a 18 bilhões de dólares. Quando fui destituído, em setembro de 2007, ela estava valendo cerca de 216 bilhões de dólares.
Por que a Petrobras cresceu tanto? Porque houve o processo de um plano estratégico, houve o aumento do preço do petróleo, e a Petrobras fez um tripé de investimentos de visão estratégica e de futuro e apostou na exploração e na produção de petróleo - descobrir petróleo com a capacidade que se tem no Brasil é gerar uma riqueza futura potencial. Então, descobrir petróleo revelou-se uma ação acertada que levou à descoberta do pré-sal.
A segunda etapa desse mesmo processo estratégico era valorizar o gás natural como substituto do petróleo com menor teor de emissões de carbono, porque ele é menos impactante. A substituição do petróleo geraria mais emprego e renda, porque toda a cadeia produtiva do gás é feita de investimentos em redes e em processos de consumo final. O outro processo estratégico seria investir nas energias renováveis. O discurso que vigorava, pelo menos na nossa área, era de que o cinquentenário da Petrobras havia sido comemorado com a autossuficiência, mas o centenário seria sem petróleo; mesmo assim a empresa deveria continuar sendo uma instituição capaz de gerar riqueza e ser um dos esteios para aumentar a produtividade, gerar riqueza e permitir o bem-estar da população brasileira. Esse era o foco em 2003/2004, que deu certo, relativamente, e essa foi a razão pela qual a Petrobras chegou a valer 216 bilhões de dólares na Bolsa de Nova York, em 2007.
Em seguida veio a crise internacional e na sequência começaram as revelações dos escândalos, que já estavam acontecendo, mas não eram conhecidos. Obviamente havia problemas internos na Petrobras, mas nós acreditávamos que esses problemas derivavam de equívocos, de erros, de percepções equivocadas, não imaginávamos que eram intencionais. Agora ficou claro que grande parte desses que pareciam ser equívocos, na verdade eram crimes. E o pior é saber que eles foram feitos com apropriação e incentivo do sistema político partidário que se impôs sobre a vontade democrática da população para se manter no poder e partilhar esses benefícios e excedentes entre essa rede de empreiteiras, gestores e dirigentes nomeados, que nunca passaram de despachantes de interesse. Essa expressão eu cunhei em 2006, quando reagia às pressões que vinham do Planalto em relação a várias iniciativas que não eram viáveis, que eram impossíveis, como, por exemplo, vender gás natural pela metade do preço para um projeto siderúrgico no Ceará ou criar um modelo elétrico onde a Petrobras assuma como as outras estatais, sendo obrigada a vender energia elétrica por mais ou menos 20% do custo para que os 660 grandes consumidores pudessem se beneficiar disso. Vender energia a 10% ou 20% do custo é subtrair valores e riquezas das estatais para favorecer os grupos privados. Foi isso o que aconteceu na área elétrica, com a implementação do mercado livre de energia, combinado com a descontratação da energia entre geradores e distribuidoras.
Naquele tempo enviávamos cartas, explicávamos que o modelo estava errado e precisava ser corrigido, e nada tinha efeito. Hoje vem a clareza de que aquilo não era equívoco, era intencional e levava à mais alta esfera do poder, incluindo os dois ex-presidentes que se chamam de esquerda. Eu não os considero de esquerda, porque a esquerda não aceita e não pratica a corrupção; quem pratica a corrupção está subordinado aos interesses e está vinculado ao que se chama de direita, que acha aceitável burlar as normas e as regras para se beneficiar.
Mas falando agora sobre o Eike Batista, ele foi favorecido já no governo do FHC, com termoelétricas, e depois a senhora ex-presidente da República, Dilma Rousseff, compareceu à inauguração de uma plataforma de uma empresa dele, ao estilo do que faziam os antigos presidentes no tempo em que a Petrobras era considerada um símbolo nacional. Quando algum presidente comparecia à inauguração de uma plataforma, era porque via nela a possibilidade de realizar o sonho brasileiro e a materialização concreta de poder transformar a realidade do Brasil.
Em 2007 aconteceu algo mais grave: houve uma tentativa de leiloar todo o entorno do pré-sal, mas depois de uma mobilização dos movimentos sociais e ex-dirigentes da empresa, o governo acabou recuando. No entanto, Eike Batista comprou aquilo com a ajuda de uma equipe de mais de 20 especialistas que estudaram a Petrobras em um curto espaço de tempo, e foi justamente por isso que ele venceu os leilões contra a Petrobras, porque ele tinha informações privilegiadas. Tudo isso foi feito com o beneplácito das autoridades que davam não só a ele, mas a outros, financiamentos e apoio para criar os chamados “Campeões Nacionais” na área petrolífera e na área dos frigoríficos, porque as empreiteiras já tinham uma certa autonomia e bastava a elas dar um certo apoio político interno e externo.
Diante das últimas delações, o sistema financeiro, de certo modo, ainda está “intocado”, mas estamos esperando novas delações que possam revelar o fio de novelo que completaria esse círculo da corrupção com outros setores da economia. Isso revelará que o capital político foi dilapidado nessa troca de interesses, que favoreceu algumas elites dirigentes e os grupos partidários em nome de fraudar a democracia; é isso que aconteceu no Brasil. Os projetos do setor elétrico estavam no âmago disso, porque nos setores convencionais da economia, aqueles concorrenciais, como supermercados, padarias, farmácias e indústrias competitivas, a margem de lucro é muito pequena. Mas há setores da economia que não são concorrenciais, são aqueles em que a natureza provê as bases materiais para a produção de bens e insumos, cujo custo de produção é geralmente 10% do seu valor de mercado, como é o caso do setor de petróleo, do setor de minérios, e os potenciais hidráulicos, que permitem, com muito menos investimento, gerar produtos rentáveis.
Vou dar o exemplo do setor de petróleo: ele se tornou hegemônico dos anos 1920 em diante, e quem se beneficiava dessa cadeia era a própria indústria petrolífera e, com a criação da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo], passou a existir uma disputa geopolítica em relação a esse mercado. Algo paralelo acontece no setor elétrico para quem controla os melhores potenciais hidrelétricos: a disputa é sempre a quem interessa esse tipo de coisa. Sempre há um discurso nacional e outro internacional.
Se os próximos cem anos serão sem petróleo, a transição energética será importante. Mas os setores econômicos capitalistas preferem muito mais ter o monopólio de petróleo ou controlar o potencial hidráulico do que competir em qualquer outra área econômica competitiva do sistema capitalista. É justamente por isso que, dentro do sistema político, esses setores se expressam com tanta força, para capturar uma parte desse excedente econômico ou até mesmo do superlucro, seja via contratos, seja via benefícios, conseguindo comprar insumos mais baratos, como parece ter sido o caso da petroquímica brasileira que foi consolidada pelo governo do PT e entregue de “mão beijada” ao grupo Odebrecht, que foi consolidada à custa da Petrobras e entregue à Braskem.
Nesses setores de energia, os excedentes são muito maiores e, portanto, uma obra pública como a de Belo Monte, que poderia ser um projeto interessante do ponto de vista técnico - desde que se revolvesse antes o problema socioeconômico, político e ético -, foi enfiado goela abaixo das populações locais para beneficiar as empreiteiras, e hoje se sabe a título de quais esquemas.
Do mesmo modo, na área do petróleo, a deterioração da Petrobras é um exemplo. Nos últimos quatro anos a Petrobras tem tido prejuízos grandes. A mudança de gestão da Petrobras relegou ao lixo a estratégia anterior, que levou a descobrir o pré-sal, a valorizar o gás e a construir uma estratégia de longo prazo valorizando as energias renováveis no seu devido momento, para permitir aumento de produtividade. A tragédia é a baixa produtividade e a estratégia brasileira ainda é aumentar a produtividade do trabalho e da economia e é justamente por isso e nesse aspecto que a energia tem um papel fundamental. É por isso que o petróleo foi tão relevante no passado, porque ele permitiu aumentar substancialmente a produtividade e permitiu a explosão populacional do período pós-industrial: éramos 700 milhões no mundo e já passamos de 7 bilhões de pessoas em menos de 300 anos.
IHU On-Line – Qual é o atual estado da Petrobras e do setor de energia como um todo?
Ildo Sauer – Agora a Petrobras está sendo subordinada única e exclusivamente ao discurso do sistema financeiro e o que vigora é o discurso dos acionistas. Nesse momento, três grupos a disputam: os acionistas querem que ela valorize rapidamente, mas não estão conseguindo fazê-lo, ou seja, querem extrair o petróleo e vendê-lo o quanto antes para transformá-lo em moeda e ganhar lucro, sem se preocupar com o que vai acontecer com o futuro do país; os consumidores querem derivados mais baratos, embora seja uma minoria na sociedade que tenha carro privado e consuma em larga escala esses derivados; e o último e maior interesse é o da população, que criou a Petrobras e que deveria tê-la como um instrumento para gerar riqueza, produzindo petróleo e coordenando a produção do petróleo brasileiro com a Opep, para manter o preço elevado, exportando e mantendo o abastecimento interno e gerando lucros e excedentes que poderiam ser utilizados para financiar a educação pública, a saúde e a aposentadoria. Por que não se cogita usar as ações da Petrobras como ativos da previdência? Nada disso é considerado, e isso interessa ao sistema hegemônico que controla a política.
Do mesmo modo, a Eletrobras foi destruída. O lamentável é que aquilo que parecia ser o baluarte e os instrumentos essenciais para um governo democrático e popular que chegou ao poder em 2003, e que defendia a Petrobras, a Eletrobras e o BNDES, serviria para fazer tudo isso que estou dizendo, mas não o fizeram. A Eletrobras foi destruída em nome de um conluio de interesses entre empreiteiras, grandes consumidores e investidores privados, que abocanharam os melhores segmentos. A desastrada intervenção da senhora Rousseff em 2012, para determinar que as empresas públicas vendessem a energia a um preço próximo do custo de operação e manutenção, deixando o valor da energia pública para subsidiar o sistema que estava com tarifas muito elevadas por conta dos altos preços pagos aos grupos privados, só piorou de lá para cá: a Eletrobras está destruída e só serviu de muleta para sustentar projetos como Belo Monte, como os do rio Madeira, e outros projetos na área eólica e na área de transmissão de energia, ou seja, a Eletrobras era um segurador de risco em última instância.
A Petrobras, que ainda detinha maior estrutura, também acabou sendo dizimada nas esteiras das revelações da Lava Jato. A empresa foi desmoralizada diante da opinião pública e adotou um programa de vários planos de demissão voluntária - o maior ativo da Petrobras é a sua força de trabalho e os quadros mais eficazes e mais experientes foram incentivados a sair dela para abrir espaço para quem? Para as empresas internacionais que atuam aqui, levando conhecimento estratégico e experiência. Há um problema sério no Brasil.
Hoje a Shell já está se aproximando de ser a maior exportadora de petróleo do Brasil e está, progressivamente, juntamente com outras empresas, comprando as reservas de petróleo descobertas pela Petrobras, para eliminar definitivamente a possibilidade de o Brasil ter autonomia de se inserir internacionalmente em cooperação com a Opep e com a Rússia para valorizar o seu petróleo e ter um controle estratégico sobre ele, como também controlar o ritmo de produção. Se não se controla o ritmo de produção, acontece o que aconteceu nas décadas de 70 e 80, quando a Opep não conseguiu sustentar o preço elevado do petróleo. Brasil, México e Canadá deveriam estar ao lado da Opep e da Rússia para controlar o ritmo de produção do petróleo e assim manter seu preço elevado, gerando excedente para os países produtores e suas populações.
A Petrobras está vendendo ativos, porque a dívida dela é monstruosa e foi gerada por projetos equivocados e pela corrupção, como é o caso da Refinaria de Abreu e Lima e outros muitos projetos cujo desenvolvimento se fez ao arrepio do interesse da boa gestão e do interesse público em benefício das empreiteiras, dos financiadores e dos sócios. As privatizações que a Petrobras está fazendo agora representam uma sucessão de vendas muito abaixo do valor econômico do mercado, ou seja, estão “depenando” a Petrobras e convertendo-a em uma empresa de óleo: os gasodutos estão sendo vendidos ironicamente a grupos canadenses, sucessores da antiga Brascan, braço imobiliário da Light, que veio para o Brasil no final do século XIX.
A dívida da Petrobras continua em 300 bilhões de reais, algo em torno de 100 bilhões de dólares. Essa dívida tem basicamente três origens: a forçação de barra do governo Rousseff de impor preços abaixo do valor para os derivados do petróleo causou um prejuízo de 20 bilhões de dólares; a perda da Abreu e Lima vai gerar um prejuízo da ordem de 14 bilhões de dólares; e a perda no complexo petroquímico, que ainda não se sabe o valor, mas provavelmente será algo em torno de 20 bilhões de dólares. Somando isso, já temos algo em torno de 54 bilhões de dólares, que representam 60% da dívida da Petrobras.
Mas 100 bilhões de dólares, para uma empresa que tem 100 bilhões de barris de petróleo sob seu controle, podem ser pagos através do financiamento de duas fontes. Explico: o governo brasileiro tem 370 bilhões de dólares no exterior, em reservas, rendendo juros próximo de zero ou negativo, porque esse valor está investido em títulos do tesouro americano, que paga juros próximo de 0%. Uma das formas de se ter pagado a dívida era ter usado 100 bilhões de dólares e feito um fundo no exterior, com o qual se comprassem títulos da Petrobras. Esse dinheiro poderia ficar no exterior e poderia financiar a saída da Petrobras da situação em que ela foi jogada deliberadamente por incúria.
Outra possibilidade seria fazer uma aliança com os chineses, que precisam de petróleo e têm três trilhões de dólares de reservas. Poderia ter sido feito um acordo de 100 bilhões de dólares, visando a entrega do petróleo no futuro ao preço internacional. Isso teria permitido manter a estratégia de conservar a Petrobras hegemônica no país. Mas não se fez isso e, de maneira insidiosa, se fez, ao contrário, uma deterioração da gestão da Petrobras.
A corrupção que aconteceu não pode ser negada e deve ser investigada, mas ela ensejou a imagem de desmoralização da Petrobras justamente para que agora se tenha apenas uma alternativa: se vendam os gasodutos, as termoelétricas, se fechem os setores de biocombustíveis, que seriam o futuro da Petrobras daqui a quatro décadas, e se vendam reservas de petróleo já descobertas, como a de Carcará, por mais ou menos 2,5 bilhões de dólares.
Onde estamos hoje? Os governos Lula e Rousseff, numa sequência, criaram essa teia de subordinação de um projeto de interesse popular amplo a essas alianças espúrias com o sistema financeiro, com as empreiteiras, com os setores internacionais, subordinado à venda e à compra do apoio partidário, que por sua vez comprava, enganando a população, os seus votos. Foi isso que aconteceu com o dinheiro público; é pior do que máfia. Isso já acontecia antes, mas a traição vem do fato de que a promessa era mudar essa realidade, mas há aí uma anuência da qual poucos falam, mas que é preciso ser dita: na medida em que houve um excedente econômico que permitiu manter a esperança e um fluxo, irrigando um pouco as aspirações com programas como o Bolsa Família, o Prouni, Fies, e os demais programas sociais, não se criou autonomia. O fato é que não queremos alguém que cuide da gente como o Lula diz que pode fazer. Nós queremos algo que faça com que cada um seja dono do seu próprio nariz, que sejamos capazes de construir saídas autonomamente, organizando a sociedade e a produção e sua distribuição.
A coincidência da crise de 2008 com a teia de interesses criados fez com que duas coisas acontecessem de modo muito claro, mas não dito claramente por aí. Primeiro, a crise econômica teve efeitos na estabilidade macroeconômica dos princípios sobre os quais ela foi construída, com a manutenção de todos os cânones liberais no governo. E segundo, a fraude eleitoral ou, como se diz, a mentira proclamada em 2014, em que se prometeu manter um tipo de governo e retornar àquele projeto que havia sido prometido no passado, mas a efetivação do contrário imediatamente depois da eleição desmoralizou completamente o governo.
Havia uma crise econômica no país, mas depois disso se instalou uma crise política sem precedentes, o que acabou consolidando a queda brutal de popularidade do governo. O quadro se deteriorou de tal modo que os serviçais desses grupos hegemônicos se tornaram inúteis. Quando a popularidade do governo caiu para 10%, ele deixou de cumprir o papel essencial àquela aliança que se incrustou na frente popular em 2003. Aqueles setores viram que o papel que o PT, o Lula, e a senhora Rousseff poderiam exercer estava exaurido. Então, eles criaram um processo para retirá-los do governo, para aprofundar tudo que já vinha sendo feito antes em favor das elites.
Nesse sentido, a aliança que está no governo agora é uma deterioração de um governo de interesse público, de grupos privados que estão no BNDES, na Petrobras, na Eletrobras e em todos os campos onde há influência do governo. Agora estamos todos pagando um preço elevadíssimo, porque isso se reflete na total desconfiança da população no processo político, e se reflete na segurança pública também.
Esse mesmo problema aconteceu no setor da educação e em outros que eu poderia citar. A maior expansão do ensino privado brasileiro converteu o ensino em mercadoria. Diferentemente do que são as universidades públicas e as privadas de espírito público, como as PUCs, as presbiterianas como a Mackenzie, e as dos jesuítas, como a Unisinos, que são instituições de controle privado não estatal, mas de interesse público, as escolas privadas de baixa qualidade no país foram criadas e estão num processo de concentração do controle, sendo vendidas como se vendem as fazendas: pelo número de hectares e de alunos, tudo isso financiado pelo BNDES, sem falar do financiamento concedido aos alunos, via FIES, que agora se tornou uma dívida impagável para muitos, mas enriqueceu os donos das faculdades.
É claro que era necessário financiar o estudo, mas havia outras maneiras de ampliar o ensino público. Se tivessem dado o dinheiro para as várias universidades privadas de espírito público, com o mesmo dinheiro teríamos expandido o ensino privado com muito mais qualidade. É óbvio que a criação de universidades federais foi importante, mas onde estão os recursos para dotá-las de condições de permanência e de aumento natural de sua capacidade de fazer pesquisa e ensinar? Todos esses segmentos tiveram algum interesse econômico por detrás, inclusive de empresas internacionais na área de ensino. Portanto, não há uma tragédia somente no setor de energia, mas em todos os segmentos, seguindo o mesmo paradigma de deterioração entre o discurso e a prática.
IHU On-Line - Diante dos saques feitos e da atual dívida da Petrobras, que alternativas vislumbra para recuperá-la? Alguns têm defendido sua privatização total, outros, a sua estatização total. O que seria um melhor modelo de gestão para que a empresa não fosse saqueada como foi?
Ildo Sauer – Eu não sou a favor da estatização de tudo, acho que numa social democracia é possível manter o regime de mercado onde há competição, mais a regulação e o controle para extrair o excedente econômico do setor elétrico, mineral, do setor de petróleo e do setor agrícola, quando o excedente está muito elevado, em favor do interesse público para financiar educação, saúde, a reforma agrária e a urbana. Isso porque os recursos do petróleo, do minério, do potencial hidráulico são bens da natureza estratégicos que permitem excedente econômico enorme e por isso devem estar sob rigoroso controle público.
A solução que vejo para a Petrobras tem relação com o seguinte: tudo o que falei tem uma origem no sistema político, na forma como elegemos e na forma como governamos. A Nova República proclamada por Tancredo acabou, e a Constituição de 88, no seu espaço político, não existe mais. Então o Brasil encerrou um ciclo e esse ciclo não diz respeito somente à Petrobras, à Eletrobras, ao BNDES, à educação pública e privada, à saúde pública falida; ao contrário, a crise econômica vem da crise política. E esse governo que aí está não tem capacidade de prover uma saída.
Respondendo, então, de modo indireto à sua questão, diria que o problema da Petrobras, da Eletrobras, do BNDES, da educação e da saúde, está na reforma política e, diante disso, estamos num profundo impasse: se a Nova República e a Constituição não são mais instrumentos relevantes para a organização social, é preciso construir uma nova saída, e eu gostaria que ela fosse pacífica, mas não estou vendo espaço nas classes hegemônicas de que isso vá acontecer. O que vamos assistir é uma maior deterioração além da que já vivemos, e não se sabe o que vai acontecer. Precisaria ter uma iniciativa de convocar uma nova assembleia constituinte para refundar as bases do poder no país. O momento é terrível por conta da crise, mas não vejo no horizonte força política para isso, porque as que estão aí, estão deslegitimadas.
Nos EUA uma força de fora do sistema político se impôs. Tanto nos EUA quanto na França e na Inglaterra, vemos que as populações estão decepcionadas e insatisfeitas com o sistema político que oprime a população e não lhe dá esperança de futuro, porque todos os que estão em Brasília estão preocupados somente com o seu futuro. Então, a Petrobras, a Eletrobras e o BNDES são parte da solução, mas a solução não pode sair de dentro dessas instituições, e tampouco há ânimo de organizar atos em defesa dessas instituições hoje. É essencial garantir e preservar a democracia, porque as reações totalitárias irão aflorar, mas a saída não é por aí. É preciso generosidade de reconhecer que erros foram cometidos com boas intenções e que outros precisam ser investigados e punidos, e é preciso recuperar a capacidade de mobilização, mas aí vem a tragédia, porque desmobilizamos e destruímos a mobilização e construímos a desacreditação da população no processo político.
O governo Temer jamais deveria ter assumido, deveria ter havido eleições gerais para todos os níveis, inclusive para segmentos do judiciário. É preciso entregar devolver o poder à populaçãoao povo, seu único e legítimo detentor. . Hoje assisto perplexo alguns proclamando que Lula, Temer e FHC deveriam se aliar para evitar que algum aventureiro chegue ao poder. Mas o que é isso? Onde estamos? Que acinte. Parece que existe uma elite iluminada, a qual comandou esse processo de destruição da esperança da população brasileira, destruiu a economia e fechou as portas da social-democracia, a qual agora se arvora do poder messiânico de dizer o que é bom para o povo brasileiro para evitar que um aventureiro surja.
Estou respondendo a sua pergunta indiretamente, porque não vejo como propor uma saída setorial para nada. Isso porque o problema é político e não vejo nenhuma resolução fora do aspecto político. Agora, a quem cabe liderar isso? Existem forças importantes e vejo muita força na Igreja católica e em outras igrejas que têm tido força de mobilização, vejo força nas universidades, nos movimentos sociais; é preciso reaglutinar a população em torno do que lhe interessa. A periferia está completamente abandonada e é preciso reorganizá-la em favor da moradia, do transporte, da infraestrutura, é preciso gerar trabalho e emprego, ou seja, é preciso organizar os espaços onde se dá a vida concreta da população. Internamente o sistema político não demonstra nenhuma capacidade de se regenerar. Então, só tem uma saída, que se deteriore até o fim, e que deste fim surja a democracia com o povo no centro.
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A instrumentalização do sistema energético brasileiro e a transformação dos políticos em capitães-do-mato. Entrevista especial com Ildo Sauer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU