08 Dezembro 2016
A diocese de Milão se prepara para a visita do Papa Francisco, prevista para o próximo dia 25 de março, e relança a forma comum da confissão. Amada pelo cardeal Martini, mas que, no passado, levou a abusos condenados por João Paulo II e Bento XVI.
A nota é de Simone M. Varisco, publicada no blog Caffè Storia, 07-12-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Depois de mais de um adiamento, parece que este é o momento certo: a diocese de Milão se prepara – de novo – para a visita do Santo Padre, prevista para o dia 25 de março de 2017, solenidade da Anunciação do Senhor. Na esperança de que a visita de Francisco “não se reduza a uma experiência de uma emoção intensa e passageira”, informam no Conselho Episcopal Milanês, “será oportuno que, em cada igreja, sejam decididos e publicados horários de presença assegurada do confessor, e poderá ser frutífero que o sacramento da confissão também seja celebrado de forma comunitária”, de modo que “a ninguém falte a oferta da misericórdia do Pai”. Uma modalidade já experimentada pelo clero na catedral de Milão no dia 4 de novembro passado, por ocasião da festa de São Carlos Borromeu.
“O aspecto mais importante desse evento é a escolha de viver o sacramento da confissão”, já enfatizava o vigário episcopal para a formação permanente do clero e secretário da Conferência Episcopal Lombarda, Dom Mario Delpini. “Pretendemos propor o Jubileu do clero ambrosiano como celebração penitencial, tentando valorizar plenamente o sentido eclesial, justamente, do caminho de conversão.” Um horizonte comunitário particularmente apreciado pelo cardeal Carlo Maria Martini.
“Que em todas as sextas-feiras ocorra o desenvolvimento de uma celebração penitencial comunitária, que ajude na realização de um itinerário concreto de conversão; será esse, dentre outros, um modo para valorizar o sentido da liturgicidade da sexta-feira da Quaresma na tradição da nossa liturgia”, escrevia o então arcebispo de Milão na sua “Carta à diocese” para a Quaresma de 1984. “Deverá ser prevista, em particular, a celebração de forma comunitária do sacramento com a confissão individual. Pedi aos escritórios competentes a preparação de um subsídio que facilite a realização desses momentos.”
Justamente Martini, junto com os cardeais Ballastrero, Magrassi e Pappalardo, em 1983, tinha se feito portador no Sínodo dos Bispos de um percurso penitencial a ser feito durante a Quaresma, com encontros comunitários e uma absolvição geral conclusiva. Nunca aprovado. Ou, melhor, do próprio Sínodo surgiria a exortação apostólica Reconciliatio e paenitentia, de João Paulo II, que, ao denunciar “a tendência a ofuscar o significado eclesial do pecado e da conversão, reduzindo-os a fatos meramente individuais, ou, vice-versa, a anular o valor pessoal do bem e do mal para considerar exclusivamente a sua dimensão comunitária”, condenava os abusos da confissão comunitária empregada rotineiramente.
Uma posição reiterada em 2002 com o motu proprio Misericordia Dei e, em 2006, pelo sucessor, Bento XVI, que, por ocasião da visita ad limina dos bispos da Suíça, convidou a se concentrar em uma “pastoral penitencial que encoraje a confissão individual” e a “observar rigorosamente as normas da Igreja referentes à absolvição coletiva”.
Etapas de um longo braço de ferro que, ao longo dos anos e particularmente desde 1974, ano da publicação do Ordo paenitentiae, viu o confronto entre a Congregação para a Doutrina da Fé, a Congregação para o Culto Divino e liturgistas, bispos e sacerdotes que, várias vezes, tentaram experiências com a “terceira forma” do rito, aquela que prevê precisamente a absolvição comunitária, com modalidades que, em alguns casos, ultrapassaram aquilo que é permitido pela Igreja.
Em síntese, são três as formas rituais do sacramento da confissão previstas pela Igreja: o Rito para a Reconciliação dos Penitentes Individuais, que é o único modo normal e ordinário da celebração sacramental, além de ser a forma mais praticada e que prevê a conversa de forma privada e secreta entre penitente e sacerdote, geralmente dentro de um confessionário; o Rito para a Reconciliação de Vários Penitentes, com a confissão e a absolvição individuais inseridas em uma mais ampla celebração comunitária da Palavra de Deus, hoje, em grande parte, limitado a alguns momentos de reunião ou em pequenas comunidades eclesiais como, por exemplo, os neocatecumenais; por fim, o Rito para a Reconciliação de Vários Penitentes, com a Confissão e a Absolvição Geral, que se realiza de forma comunitária do início ao fim e que só é admitido em casos excepcionais de grave necessidade, quando há um iminente perigo de morte ou confessores não estão disponíveis em número suficiente para escutar devidamente as confissões dos indivíduos em um tempo razoável (Catecismo da Igreja Católica, n. 1.483). Essa terceira forma, decisivamente a mais contestada, não é deixada à livre escolha, mas é regulada por uma disciplina específica e nunca ganhou espaço na Igreja, particularmente na Itália.
A Itália, aliás, é a pátria da confissão moderna. E se Trento é o berço da confissão individual, Milão é o berço do confessionário. Se parece complexo traçar uma história da confissão – mas parece confirmada a existência na Igreja primitiva de uma confissão comunitária dos pecados públicos, por isso já conhecidos, com uma consequente penitência pública, especialmente após períodos fortes, como a Quaresma – é certo que os confessionários, ou seja, os lugares dedicados à confissão individual, começaram a fazer parte do mobiliário das igrejas apenas com o Concílio de Trento.
Foi Carlos Borromeu, arcebispo de Milão, que deu impulso à sua difusão, introduzindo-os a partir do século XVI nas paróquias da diocese ambrosiana, primeiros modelos de uma difusão que se tornaria mundial.
Por que continuar discutindo a confissão coletiva, então? Certamente, não só porque a Igreja, em determinadas condições, a permite. Em uma época de confessionários vazios – mas será que estamos realmente certos disso? – os defensores da “terceira forma” não só consideram que ela poderia ser uma solução, mas que lançaria as bases para uma recuperação do sentido comunitário da fé. Justamente a confissão coletiva, de fato, colocaria em relevo a dimensão social e comunitária do pecado, melhor do que a penitência individual e – dizem – individualista. Esta última, além disso, também seria particularmente exposta às diferenças (às vezes aos limites da contradição) entre confessor e confessor, especialmente sobre alguns temas candentes da matrimonialidade e da sexualidade.
Em contrapartida, justamente o papel reservado à comunidade na práxis penitencial de algumas Igrejas protestantes alertou várias vezes Roma sobre o risco de uma “protestantização” da confissão. O longo percurso feito na implementação das indicações do Concílio Vaticano II sobre a renovação da celebração do sacramento da penitência também não é desprovido de sombras. Mostrou-se particularmente difícil até agora a busca de um equilíbrio entre a dimensão eclesial e a pessoal da confissão, já que ambas pertencem a esse sacramento, sem ceder a simplificações que atribuam a responsabilidade das culpas apenas à sociedade, desresponsabilizando o indivíduo, ou, ao contrário, que isolem o penitente do resto da comunidade eclesial.
O que Francisco pensa a respeito? Filho do Vaticano II, assim como e até mais do que os seus antecessores e testemunha direta da dimensão social do pecado, o pontífice também encarna – pelo seu pertencimento jesuíta – uma via tradicionalmente individual da confissão, como já demonstrou várias vezes durante o seu pontificado.
Mas é cedo demais para dizer como será a experiência de Francisco em Milão. Sempre admitindo-se que ele finalmente irá cruzar o limes ambrosiano e o da grande reunião no parque da Villa Reale de Monza.
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À espera de Francisco, Milão relança a confissão comunitária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU