18 Julho 2020
Nos anos 1950, em Roma, nascia um modo de introduzir as crianças à verdade cristã, hoje difundido em todo o mundo.
O comentário é do historiador jesuíta italiano Giancarlo Pani, em artigo publicado em Avvenire, 16-07-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Retornar às origens é útil para entender, mas é sempre necessário para captar como uma certa experiência chegou até nós e ainda se mantém viva.
Em Barcelona, há cerca de um século, no primeiro pós-guerra, uma professora, para fazer as crianças das primeiras classes elementares entenderem as somas e as subtrações, havia descoberto um método simples, mas eficaz: usar pequenos cubos de madeira a serem sobreposto ou separados. Sobrepor os cubos significa a “adição”, enquanto separá-los significa a “subtração”, e assim por diante.
A professora, que era católica, participou depois de um congresso litúrgico e perguntou a um dos oradores, o abade dos beneditinos de Monserrat, o que era importante para iniciar as crianças na realidade da fé e da oração. O abade respondeu prontamente: “A Bíblia e a liturgia, particularmente a missa”.
Mas como ensiná-las às crianças? Frequentar a missa com os pais certamente era fundamental, mas não ajudava a envolver as crianças na participação ativa na liturgia. Assim começou uma pesquisa para interessar as crianças na compreensão da missa: pensou-se em apresentá-la com alguns materiais de trabalho a fim de fazê-las entender as suas partes.
De alguma forma, entrava em cena o tipo de material usado para o método matemático. O empreendimento não era fácil, mas levou à descoberta da aptidão dos pequenos a compreender os mistérios da fé.
A partir daí começou uma pesquisa sobre a catequese, que depois assumiu o nome de “Catequese do Bom Pastor”.
A professora se chamava Maria Montessori, era médica (uma das primeiras mulheres formadas na Sapienza de Roma), neuropsiquiatra infantil, pedagoga e tinha uma extraordinária paixão pela formação e pela educação das crianças, especialmente marginalizadas e deficientes.
Ela descobrira a importância de captar a atenção dos pequenos e de torná-los protagonistas das suas vidas. Em particular, ela havia sido atraída e ficado maravilhada pelas capacidades espirituais da infância desde os primeiros anos de vida: “As crianças são tão capazes de distinguir entre as coisas naturais e sobrenaturais, que a sua intuição nos fez pensar em um período sensitivo religioso”, período no qual as crianças têm intuições e impulsos religiosos surpreendentes.
A expressão pode surpreender, mas ficamos ainda mais admirados quando o Concílio Vaticano II, na Declaração sobre Educação Cristã, afirma que as crianças, “desde a mais tenra idade, são capazes de perceber o sentido de Deus”, e que a tarefa dos pais é “ajudá-las a desenvolvê-lo”.
O ensino religioso pareceu a Montessori o ápice daquilo que se vive nas “Casas das Crianças”, e ela descreveu a sua experiência em três livros, incluindo “I bambini viventi nella Chiesa” [As crianças que vivem na Igreja], onde ela afirma: “O complemento necessário da educação religiosa da primeira idade é a liturgia, tornada acessível às crianças”.
O resultado foi surpreendente, como escreveu Sofia Cavalletti: “Centrando a educação religiosa na liturgia, Montessori demonstra ter intuído a importância fundamental do ‘sinal’ na catequese. É próprio do sinal não tanto apresentar à mente algumas verdades a serem compreendidas, mas sim reproduzir situações, fatos, para que as pessoas de todos os tempos possam ser seus partícipes e atores. A catequese dos ‘sinais’, portanto, dispensa qualquer intelectualismo e é, no sentido mais pleno, uma ajuda para a vida religiosa da criança. Nessa direção de fundo, reside o valor permanente da obra de Montessori no campo religioso, e é por essa herança preciosa que lhe é profundamente grato quem busca hoje continuá-la”.
Montessori descobrira que, a partir das solicitações interiores da criança, surgia nela “um senso muito agradecido de alegria e de nova dignidade”, aquela alegria que é expressão de crescimento interior e aquela dignidade que compromete o adulto a respeitar o princípio de “dar aos pequenos as coisas maiores”, de acordo com o ensinamento do Senhor: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11,25).
De Barcelona a Roma, em 1954. Por diversas vicissitudes pessoais, Montessori não conseguiu completar as suas pesquisas no campo religioso, que foram continuadas e levadas a sério pela sua aluna e colaboradora, Adele Costa Gnocchi, na “Casa das Crianças” em Roma, perto da Chiesa Nuova.
A educadora morava em um prédio em frente ao de Sofia Cavalletti, a quem ela conhecia muito bem e de quem era amiga. Ela pediu que ela preparasse algumas crianças para a Primeira Comunhão. Cavalletti era assistente do ex-rabino Eugenio Zolli na Universidade de Roma e estava envolvida no estudo dos tratados talmúdicos.
Na nova experiência, ela se juntou à pedagoga montessoriana Gianna Gobbi. O trabalho delas parte da leitura da Bíblia, em particular das parábolas, porque, nos Evangelhos, afirma-se que esse era o tipo de ensinamento privilegiado por Jesus. Para a liturgia, por sua vez, são explicadas as partes da missa, de modo que as crianças possam entender o seu significado.
A Escritura e a liturgia são precisamente as fontes que a Igreja, ao longo da sua tradição e da sua história bimilenar, sempre reconheceu como fundamentais para a vida de fé do cristão.
Cavalletti escreve: “A resposta que as crianças dão à experiência religiosa é tal que parece envolvê-las profundamente, em um contentamento total. [...] A facilidade e a espontaneidade da expressão religiosa e da oração da criança levam a pensar em algo que brota das profundezas, como se fosse conatural à criança”.
O ponto central da catequese é a verdade mais importante do cristianismo: a relação vital entre Deus e as suas criaturas, em termos bíblicos, “a aliança”. As crianças mostram que a descobrem e a experimentam através da escuta direta da Palavra.
O método para apresentá-la é simples: lê-se o texto bíblico e depois se dá tempo às crianças para assimilá-lo. Entre os textos bíblicos, exerce uma particular atração a parábola joanina do Bom Pastor. Entre os aspectos poliédricos do texto, as crianças privilegiam um: “O Pastor chama as suas ovelhas pelo nome” (Jo 10,3) e elas ouvem a sua voz e o seguem.
O extraordinário encantamento que esse versículo provoca nas crianças é documentado pela quantidade e qualidade das suas “respostas”, seja em expressões quanto em desenhos. [...]
Como a Escritura encontra o seu cumprimento na liturgia, a Bíblia é vivida na celebração litúrgica, onde nos alimentamos “da mesa tanto da Palavra de Deus quanto do Corpo de Cristo”. Na Catequese do Bom Pastor, a liturgia, portanto, se torna o outro fundamento sobre o qual a criança pode construir a sua relação pessoal com o Senhor. [...]
A Catequese do Bom Pastor começa a partir dos três anos de idade: é o primeiro nível. Hoje, os pedagogos demonstraram que os primeiros anos de uma criança são fundamentais para todo o resto da vida. A catequese se desenvolve durante a infância e a adolescência, sempre através do aprofundamento bíblico e litúrgico.
Depois dos seis anos, o crescimento da criança requer uma ampliação dos temas: é o segundo nível. Começa a exigência moral do fazer e do comportamento.
Em conclusão, deve-se destacar outra característica: o serviço do catequista. Este “não tentará chamar para si mesmo, para as suas opiniões e atitudes pessoais a atenção e a adesão da inteligência e do coração de quem está catequizando; e, sobretudo, ele tentará inculcar as suas opiniões e opções pessoais, como se estas expressassem a doutrina e as lições de vida de Jesus Cristo”. [...]
A partir dos anos 1960, junto com a atividade com as crianças, também se desenvolveram os cursos de formação para os adultos: cursos que geralmente se concluem com exames e conferem diplomas reconhecidos pelo Escritório Catequético do Vicariato de Roma.
Um elemento certamente não marginal dessa catequese é a rapidez com que ela se espalhou não apenas nas paróquias, centros de formação, escolas religiosas, mas também em outras nações e continentes. Ela se estendeu à Europa central e oriental, atravessou o oceano até chegar ao México entre os índios, aos Estados Unidos entre os ameríndios e também conheceu um desdobramento ecumênico.
Especialmente nos Estados Unidos, ela encontrou grande acolhida entre os episcopalianos e os protestantes, aos quais se somaram os ortodoxos: o sinal do Evangelho que une. Hoje, a Catequese do Bom Pastor também foi acolhida pelas Missionárias da Caridade, as irmãs da Madre Teresa de Calcutá.
Em 2015, foi realizado um Congresso Internacional da Catequese do Bom Pastor em Phoenix, na Califórnia: participaram 856 catequistas, representantes de 26 nações dos cinco continentes. Dois anos depois, no México, no Estado de Chiapas, em San Cristóbal de Las Casas, foi organizado um congresso com os catequistas mexicanos, da qual participaram cerca de 450 pessoas.
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“Catequese do Bom Pastor”, uma intuição de Maria Montessori - Instituto Humanitas Unisinos - IHU