18 Março 2020
Em tempos de crise climática - e nesse momento, de saúde - os que mais sofrem são os menos responsáveis pelo desastre e os que menos recursos possuem. A energia, o setor que mais contribui na Espanha para o aquecimento global da atmosfera, é o exemplo perfeito para mostrar a enorme disparidade entre os que mais têm e os que menos: os 10% mais ricos consomem aproximadamente 20 vezes mais energia que os 10 % mais pobre.
A reportagem é de Eduardo Robaina, publicada por La Marea, 16-03-2020. A tradução é do Cepat.
Esta é a conclusão de um estudo publicado, nesta segunda-feira, na revista científica Nature Energy. Realizado por uma equipe de pesquisa da Universidade de Leeds, combinaram os dados da União Europeia e do Banco Mundial para calcular a distribuição das pegadas energéticas e descobrir em quais bens e serviços de alto consumo energético os diferentes grupos de renda tendem a gastar seu dinheiro. No total, foram analisados 86 países, de países altamente industrializados a países em desenvolvimento, revelando uma extrema disparidade nos resultados, tanto dentro dos países, como no mundo.
Na medida em que aumenta a renda, o estudo aponta que as pessoas gastam mais de seu dinheiro em bens de alto consumo energético, como pacotes de férias e veículos, levando a uma grande desigualdade energética. Nesse sentido, os autores descobriram que os 10% mais ricos dos consumidores com maiores recursos utilizam 187 vezes mais energia de combustível para veículos do que os 10% mais pobres.
Embora as desigualdades sejam evidentes em todos os setores de consumo, é no transporte onde fica mais evidente. Segundo a pesquisa, os 10% dos consumidores mais ricos utilizaram mais da metade da energia relacionada à mobilidade, sendo a grande maioria baseada em combustíveis fósseis. Estes últimos geraram 75% das emissões de gases do efeito estufa produzidas globalmente. Quanto aos combustíveis usados em casa, seja para cozinhar, aquecer e a eletricidade, são distribuídos de maneira muito mais equitativa: os 10% mais ricos consomem aproximadamente um terço do total.
“Sem reduzir a demanda de energia” de setores como o transporte, “seja através de tributação a viajantes frequentes, a promoção do transporte público e a limitação ao uso de veículos particulares, ou a tecnologia alternativa, como veículos elétricos, o estudo sugere que, na medida em que a renda e a riqueza melhorarem, nosso consumo de combustíveis fósseis no transporte disparará”, destaca Yannick Oswald, principal autor do estudo. No caso da calefação e da eletricidade, o estudo aponta que poderiam ser reduzidas por meio de programas de investimento público em larga escala para a reforma de moradias.
O estudo destaca também a distribuição desigual da pegada energética entre os diferentes países analisados. Enquanto 20% da população espanhola e britânica pertence aos 5% dos principais consumidores de energia, na Alemanha, esse número sobe para 40% e, no caso de Luxemburgo, para 100%. Esses dados contrastam com os da China, onde apenas 2% da população estão nesses 5%, e com os da Índia, onde o número é de 0,02% da população.
Essas grandes diferenças se tornam ainda mais palpáveis ao se constatar que os 20% mais pobres da população do Reino Unido continuam consumindo cinco vezes mais energia por pessoa do que os 84% mais pobres da Índia.
Durante a última Cúpula do Clima realizada em Madri, um relatório da Oxfam Intermon colocava em evidência como a desigualdade extrema e a crise climática andam de mãos dadas, sendo impossível entender uma sem a outra. Assim, a pesquisa destacava que somente os 10% mais ricos do planeta são 60 vezes mais responsáveis pelas emissões de dióxido de carbono que são emitidos na atmosfera do que os 10% mais pobres. No caso da Espanha, as emissões por consumo dos 10% das residências dos mais ricos excedem 2,3 vezes as dos 10% mais pobres.
Nesta linha, manifesta-se a doutora Anne Owen, coautora da pesquisa. “O crescimento e o aumento do consumo continuam sendo os objetivos centrais da política e da economia atuais”, afirma. Para ela, “a transição para a energia sem carbono será facilitada pela demanda reduzida, o que significa que os principais consumidores desempenharão um papel importante na redução do consumo excessivo de energia”.
A equipe de pesquisa alerta que, se o consumo não for reduzido e não forem realizadas as intervenções políticas, até 2050 - quando o mundo deveria atingir a neutralidade de emissões -, a pegada energética poderá dobrar em comparação com 2011, ainda que melhore a eficiência energética.
Nessa linha, poderia haver um aumento de 31% no consumo atribuído apenas ao combustível de veículos e outros 33% em calefação e eletricidade. Se o transporte continuar dependendo de combustíveis fósseis, “esse aumento seria desastroso para o clima”, destaca o estudo.
Outra das autoras do estudo, a professora de Ecologia Social e Economia Ecológica Julia Steinberger, enfatiza a ideia de adotar medidas detalhadas sobre essa desigualdade para garantir uma transição energética equitativa e justa. Por esse motivo, aponta para a necessidade de “considerar seriamente” o fato de como “mudar a distribuição altamente desigual do consumo mundial de energia e enfrentar o dilema de proporcionar uma vida decente a todos e, ao mesmo tempo, proteger o clima e os ecossistemas”.
Embora seja crucial pensar em termos de emissões para a mitigação da mudança climática, isso passa a ser secundário quando se pensa nos níveis de vida, ressaltam os autores.
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A distribuição desigual da pegada energética no mundo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU