21 Fevereiro 2020
"O povo brasileiro quer uma sociedade melhor para todos e todas, onde também aquele que nasceu na favela tenha oportunidade de uma vida melhor, onde a fome não devore a esperança de quem muitas vezes se conforma com sobreviver. No carnaval, a multidão que desfila em cada canto, nos lembra que ainda é possível se unir na busca de um mundo melhor para todos e todas, um mundo onde dignidade seja direito e não luxo de alguns", escreve Luis Miguel Modino, em editorial elaborado para a Rádio Rio Mar, da arquidiocese de Manaus.
Estamos entrando numa das festas mais tradicionais do universo brasileiro, é tempo de carnaval. Tem quem não gosta, mas tem quem adora, porque o carnaval é tempo em que as diferenças se encurtam, mesmo que seja só por umas horas, por poucos instantes. Dom Hélder Câmara, que sempre tinha a palavra oportuna para qualquer ocasião, dizia que: “Carnaval é a alegria popular. Direi mesmo, uma das raras alegrias que ainda sobram para a minha gente querida. Peca-se muito no carnaval? Não sei o que pesa mais diante de Deus: se excessos, aqui e ali, cometidos por foliões, ou farisaísmo e falta de caridade por parte de quem se julga melhor e mais santo por não brincar o carnaval. Estive recordando sambas e frevos, do disco do Baile da Saudade: ô jardineira por que estas tão triste? Mas o que foi que aconteceu… Tu és muito mais bonita que a camélia que morreu. Brinque, meu povo povo querido! Minha gente queridíssima. É verdade que quarta-feira a luta recomeça. Mas, ao menos, se pôs um pouco de sonho na realidade dura da vida!”
Carnaval, além de brincadeira, também é momento para mostrar a cara do Brasil, uma crítica que desde a denúncia pretende que o povo nem só se divirta, mas também acorde. Letras, fantasias, carros alegóricos, saem nas ruas e mostram a arte do povo brasileiro, que também é instrumento de transformação social. A ironia toma conta e fica solta, é o verso solto e livre que fotografa aquilo que para muitos passa despercebido. Porque ainda tem muita gente neste mundo que pensa que tudo está bom.
Mas será que a gente tem alguma coisa a denunciar? Nesta quarta-feira, Dom Walmor Azevedo de Oliveira, Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, nos dizia, após três dias de trabalho do Conselho Episcopal Pastoral, que a realidade os preocupa, “uma preocupação grande porque a economia não cresce, e não cresce porque o modelo econômico vigente está falido”. Diante disso, “precisamos encontrar novos caminhos para sonharmos um novo sonho social, ninguém do lado de fora, e é uma vergonha a Igreja constatar que na sociedade brasileira são muitos os excluídos”.
Dom Walmor também manifestava que “olhamos com preocupação o nascimento de autoritarismos, a retirada de direitos públicos, de direitos cidadãos, e também um comprometimento da participação da sociedade civil em instâncias das quais é importante trazer o seu olhar e a sua compreensão. É importante saber que existem projetos de poder político, alimentados exatamente por perspectivas religiosas”.
Nos próximos dias, as escolas de samba, os blocos, vão nos trazer letras e alegorias que provavelmente serão lembradas, igual àquelas que passavam na cabeça de Dom Hélder quando ele falava do carnaval. Carnaval também é tempo em que aparece o reflexo do Brasil do Desemprego, da miséria, da falta de moradia, do abandono, da violência, da Fake News, da intolerância, da ganância... mas também da resistência!
O povo brasileiro quer uma sociedade melhor para todos e todas, onde também aquele que nasceu na favela tenha oportunidade de uma vida melhor, onde a fome não devore a esperança de quem muitas vezes se conforma com sobreviver. No carnaval, a multidão que desfila em cada canto, nos lembra que ainda é possível se unir na busca de um mundo melhor para todos e todas, um mundo onde dignidade seja direito e não luxo de alguns.
A denúncia sempre ajuda a tomar consciência, também aquela que vem da rua, do samba, do frevo, da festa. No carnaval todo mundo pode brincar, ninguém fica do lado de fora, mas como nos dizia Dom Walmor “é uma vergonha a Igreja constatar que na sociedade brasileira são muitos os excluídos”. Tomar consciência disso também é mais um motivo para ficar atento ao carnaval. Ou será que carnaval não é coisa séria?
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Carnaval, arte ao serviço da transformação social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU