01 Abril 2020
"O triste para o Papa Francisco, e ele o define como 'um genocídio viral', é quando alguém opta pelo contrário, porque, segundo ele, 'isso levaria à morte de muitas pessoas'", escreve Luis Miguel Modino, padre espanhol e missionário Fidei Donum.
Muitos governantes reagiram tarde à chegada do coronavírus. Passado o tempo, a maioria deles, forçados pelas terríveis consequências de seus erros, tem tentado, nem sempre tendo sucesso, enfrentar as consequências devastadoras da pandemia. Se existe alguém que não apenas não se esforçou, mas insistiu em menosprezar as consequências do vírus e em se opor a todos, esse foi o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro.
Em uma carta enviada em 28 de março passado ao Presidente do Comitê Pan-Americano de Juízas e Juízes pelos Direitos Sociais, o Dr. Roberto Andrés Gallardo, o Papa Francisco expressou sua preocupação com "o crescimento, em progressão geométrica, da pandemia". Nessas circunstâncias, o Santo Padre elogiou "a reação de tantas pessoas, médicos, enfermeiras, enfermeiros, voluntários, religiosos, padres, arriscando suas vidas para curar e defender pessoas saudáveis do contágio".
O Papa Francisco, em suas palavras, reconheceu que "alguns governos adotaram medidas exemplares com prioridades bem definidas para defender a população", algo que ele entende que muitas pessoas não gostam muito nos primeiros momentos, mas que mais tarde eles assumem bem, "a longo prazo, a maioria das pessoas os aceita e se move com uma atitude positiva". O bispo de Roma é claro sobre isso, "o povo primeiro", embora isso tenha uma clara consequência, "um desastre econômico".
O triste para o Papa Francisco, e ele o define como "um genocídio viral", é quando alguém opta pelo contrário, porque, segundo ele, "isso levaria à morte de muitas pessoas". Essa é a posição defendida até hoje pelo presidente brasileiro, embora também deva ser dito que ele encontrou forte oposição de praticamente todos os governadores estaduais, a grande maioria de prefeitos e bispos, que sem nomeá-lo, eles falaram alto e claro.
Em recente entrevista, o arcebispo de Manaus, depois de aprovar que "os governadores e prefeitos, cientes da pandemia, orientaram a sociedade para ficar em casa", afirmou que "infelizmente, temos autoridades que subestimam a seriedade do momento", afirmando que, do seu ponto de vista, "os pobres, os cidadãos fragilizados, não contam", enfatizando que esses governantes "sentem-se tão seguros que desafiam a inteligência humana e o bom senso", que convidam para cuidar da vida. São políticos que, segundo Dom Leonardo Steiner, colocam a economia como algo maior, o que levou à pergunta: "A economia existe para o homem ou é o homem que deve servir a economia?"
Na mesma linha, o Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil e o Arcebispo de Belo Horizonte haviam falado, que em uma homilia em 25 de março disse que “rejeitamos, criticamos fortemente, as autoridades do executivo nacional quando minimizam o que deve ser feito com responsabilidade por todos nós. A pandemia da covid-19 não pode se compor como mais uma pandemia de irresponsabilidade, inconsequência e falta de sentido humanístico e respeitoso para com a dignidade humana”.
Suas palavras são consequência das atitudes de um presidente determinado a realizar o que muitos definem como um show dos horrores, chamando o coronavírus de gripezinha ou resfriadinho, emitindo decretos para impedir as ações de governadores e prefeitos, ou para reabrir igrejas como bens de interesse essencial. Também saindo para a rua para cumprimentar as pessoas e conversar com elas, havendo uma suspeita dele ter dado positivo, que ele nunca tem demonstrado o contrário, porque não quis mostrar os resultados de seus exames. O que se sabe é que boa parte de sua comitiva para os Estados Unidos no início do mês apresentou resultados positivos.
O mesmo pode ser dito de seu apoio às carreatas nas quais empresários e comerciantes pedem a reabertura de seus negócios, embora em suas chamadas deixem claro que ninguém deve descer de seus carros, geralmente importados, o que coloca em dúvida que eles querem sair para trabalhar e reafirma que eles querem que seus funcionários sejam obrigados a fazê-lo. A mesma coisa pode ser dita da campanha institucional, proibida pela justiça, para retornar ao trabalho. Na mesma linha, está sua tentativa de barrar entrevista coletiva do Ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, considerado pela maioria como o único com certo bom senso entre os membros do governo, uma vez que sua posição é a favor do isolamento. Nas últimas horas, o presidente vê como a maioria dos membros do governo, incluindo aqueles que seguiram seus slogans o tempo todo, estão dando as costas para ele.
Tudo isso e muito mais, já que seriam necessárias muitas páginas para narrar suas façanhas nas últimas semanas, é o que pode nos levar a pensar se Bolsonaro pode ser considerado um genocida viral. Em sua coluna no Dom Total, nesta segunda-feira, 30 de março, Afonso Barroso definiu o presidente brasileiro como alguém "esperto como o diabo. Muito ao contrário, é frio, calculista, raposa eleitoreira”. Segundo o jornalista, o que ele pretende é “manter a confiança e a fidelidade cega dos seus seguidores, que somam nada menos de 30 por cento do eleitorado, como mostram as pesquisas". Ele continua dizendo que "o presidente sabe que mortes de gente não tiram votos tanto quanto o falecimento da economia", uma análise que reforçaria a visão do papa Francisco.
Segundo Barroso, Bolsonaro acha que "é preciso manter as atividades produtivas ao invés de fechar o comércio e inibir a circulação de mercadorias, o que resultará em caos econômico e desemprego em massa". De fato, o presidente pensa que “os riscos de morrer pela Covid-19 estão restritos às pessoas idosas, grande parte delas não mais obrigadas a votar. Os jovens, ao contrário, ele garante, estão imunes aos efeitos do vírus e seguirão firmes e fortes, preparados para sufragar o nome e número dele nas próximas eleições presidenciais. O que não pode é deixar que ocorra uma recessão brutal, o que resultará na perda da sua popularidade e, em consequência, dos votos que considera cativos como candidato em 2022”.
Essa análise cai pelo chão quando gente vê que no Brasil, entre os falecidos, há um bom número de pessoas que não atingiram os 50 anos. Sem ir mais longe, no estado do Amazonas, onde moro, há oficialmente dois mortos, um com 49 e outro com 43 anos. Como o presidente poderá continuar apoiando seu argumento de que o que o jovem tem é que trabalhar, produzir, fazer a economia girar e assegurar o seu emprego ?
Em sua carta a Roberto Andrés Gallardo, o Papa Francisco diz estar ciente das consequências econômicas que estão por vir e que, para isso, já se encontrou com o Dicastério do desenvolvimento humano integral "para refletir sobre o agora e o depois", pois o Santo Padre considera que “a preparação para as consequências é importante”. Ele se preocupa com "fome, especialmente para pessoas sem trabalho permanente (gangues, etc), violência, aparência de usurários (que são a verdadeira praga do futuro social, criminosos desumanizados) etc.", uma preocupação que muitos governos ao redor do mundo compartilham.
Não é sobre escolher uma coisa ou outra, e sim fazer primeiro uma coisa e depois a outra. A questão fundamental é o que colocamos em primeiro lugar, a vida de todos ou a economia de alguns. A maneira como os outros nos veem depende da resposta, incluindo podermos ser chamados de genocidas virais. Vivemos um tempo de grande incerteza, aqueles que são cristãos podem dizer que essa Quaresma será longa, mas ao mesmo tempo que esperamos que um dia possamos celebrar a Páscoa, a festa da vida para todos. Ela virá mais cedo se conseguirmos viver a solidariedade, praticar a caridade, que não devemos esquecer é uma prática necessária para quem quer viver uma boa Quaresma.
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Bolsonaro, um genocida viral? Artigo de Luis Miguel Modino - Instituto Humanitas Unisinos - IHU