Por: João Vitor Santos | 01 Junho 2017
Quem acompanhava a rotina da família Jetsons, no desenho animado que marcou a infância de muita gente no final da década de 1980, sonhava com uma casa toda automatizada, como uma funcionária robô que fizesse todas as tarefas e ainda cuidasse da saúde da família. Em 2017, ainda não é comum vermos uma Rose, a personagem robô, atuando em muitos lares, mas as casas não têm perdido muito para a automação da residência Jetsons. Basta ver alguns projetos das chamadas casas inteligentes. Para o professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Cesar Sanson, isso é fruto da chamada Quarta Revolução Industrial. Numa provocação para que nos aproximemos do tema, na noite da última terça-feira, 30-5, Cesar fez uma apresentação do livro A quarta revolução industrial (São Paulo: Edipro, 2016), de Klaus Schwab. O evento é parte do ciclo de debates ‘Revolução 4.0, Inteligência Artificial e Internet das Coisas. Impactos no modo de produzir e viver’ promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Cesar Sanson: "A Quarta Revolução Industrial é sem precedentes em termos de velocidade com que as coisas acontecem, além disso há todo o potencial de evolução das tecnologias. É a revolução que permite que as coisas dialoguem entre si (Foto: João Vitor Santos/IHU)
Cesar faz uma resenha da obra, destacando os principais pontos abordados por Schwab. O autor, economista e um dos intelectuais do Fórum Econômicos de Davos, escreveu o livro como uma preparação para o encontro do ano passado. “Outros pensadores vão dizer que estamos vivendo parte ainda da Terceira Revolução, mas Schwab a inscreve como quarta porque ela é sem precedentes em termos de velocidade com que as coisas acontecem, além disso há todo o potencial de evolução das tecnologias. É a revolução que permite que as coisas dialoguem entre si”, analisa Cesar. O professor ainda detalha como essa revolução congrega os meios físicos, digitais e biológicos. “Veja um exemplo bem simples: o Uber. Pelo aplicativo, meio digital, você chama algo físico, um carro, para fazer o transporte de algo biológico, você”, brinca.
Na casa automatizada da família Jetsons, a robô Rose gerencia as tarefas e cuida da saúde dos membros dessa família (Foto: reprodução Wikmedia Communs)
Entretanto, Cesar está preocupado em olhar os impactos dessa revolução no mundo do trabalho. “A automação é interessante e todos nós gostamos, mas é preciso compreendermos que há implicações”, adverte. Para ele, os efeitos mais devastadores da Quarta Revolução Industrial vão se dar sobre a ocupação, o trabalho das pessoas. “Outro dia, um amigo chamava atenção: o Google vale muito mais [na bolsa de valores] do que a GM. Não produz nada físico e emprega um número muito menor de pessoas”, exemplifica.
Cesar destaca a importância para estar atento para o tema pois, “muitos sairão de uma faculdade e não estarão preparados para entrar no mercado de trabalho. Seu trabalho não existirá mais”. Se a funcionária Rose dos Jetsons ainda não está em casa, é também ilusório achar que os robôs estão apenas nas indústrias. Eles ocupam postos de trabalhos em muito mais lugares do que imaginamos. “A robótica está nos mais variados campos. Além das montadoras, podemos ver no campo, operando em colheitadeiras, na indústria farmacêutica e ainda há projetos em que até a entrega de medicamentos nas farmácias seja feita por robôs”, explica Cesar.
Para o professor, essa revolução inaugura outra espécie de capitalismo que não mais está interessado em vender produtos. Agora, seu alvo é a venda dos serviços. “Mais uma vez o Uber é um exemplo. Serviço de transporte que existe no mundo inteiro e que não possui um só carro”. Cesar aponta que esse capitalismo gera ainda mais desigualdade e alicerça a sociedade cada vez mais em desejos e interesses individuais. “Klaus Schwab é bastante otimista com essa revolução, pois acha que ainda há tempo para nos moldarmos a essas mudanças. Há outros pensadores mais pessimistas, que dizem que já perdemos o controle. Mas, agora, é importante que reconhecer essa revolução e pensemos em como agir diante dela”, aponta Cesar.
Ao longo de todo a sua apresentação, Cesar usa elementos trazidos por Schwab para demonstrar como a Quarta Revolução Industrial já está entre nós. É como se já estivéssemos na realidade dos Jetsons sem nos darmos conta. Enquanto mostra vídeo de robôs em balés frenéticos na linha de montagem de uma fábrica, da plateia se ouvem suspiros. A agitação só aumenta quanto Cesar apresenta os conceitos de cidades inteligentes, veículos autônomos, até chegar no ápice de apresentar a casa inteligente. É nesse instante que a estudante do curso de Serviço Social da Unisinos, Cristiane Ferreira da Rosa não se contém e dispara: “uau. Nossa senhora!”.
Cristiane se diz preocupada com gerações futuras
(Foto: João Vitor Santos/IHU)
Ela é um dos tantos incomodados com a realidade trazida pelo professor Cesar. Ela anota muito, suspira e se mexe muito na cadeira. Nem bem o espaço é aberto para perguntas e Cristiane logo pede o microfone. “O tema é muito interessante. Mas isso tudo choca, né?! Já fico questionando e pensando como será o futuro de um filho, uma criança gerada já no nosso tempo. Como vai ser?”, diz a aluna que, enquanto fala, recebe o apoio de colegas que sinalizam com a cabeça como que se avalizassem sua fala.
Cesar se solidariza com a inquietação da estudante e de muitos presentes que também se manifestam. Apesar do otimismo do autor do livro, ele acredita que se caminhe para três níveis da sociedade. “Teremos os trabalhadores bem remunerados, aqueles que terão condições e poderão facilmente se adaptar a essa realidade; os semi-excluídos, possivelmente excluídos, que são os precarizados, os terceirizados, aqueles que não conseguem adaptação plena; e os excluídos, que são aqueles que nem sequer vão conseguir acessar os postos de trabalho”, analisa.
Sem uma resposta clara para Cristiane, Cesar aponta que o caminho é criar mecanismos para inclusão social, mas reconhecendo que a sociedade salarial está em crise. “Como incluir na sociedade sem que as pessoas sejam assalariadas? É o que precisamos pensar, passando até por discussões como de renda básica”, provoca o professor. Cristiane não se convence e, ao fim conferência, dispara: “a impressão que tenho é de que os grandes, as grandes empresas, vão vencer. Mas e os pequenos, as pessoas mais pobres? É tudo muito provocativo, precisamos pensar”.
Atua nas áreas de docência e pesquisa na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN com o tema sociologia do trabalho. Possui graduação em Filosofia e História pela Pontifícia Universidade Católica - PUC-PR, com especialização em Economia e Trabalho pela Universidade Federal do Paraná – UFPR, mestrado e doutorado na área da sociologia do trabalho pela UFPR. É autor de Trabalho e Subjetividade. Da Sociedade Industrial à Sociedade Pós-Industrial (Natal: UFRN, 2014).
Leia a resenha do livro, feita por Cesar Sanson
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Quarta revolução industrial e a sociedade dos desiguais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU