24 Outubro 2016
"Todas as vezes em que um penitente se aproxima, abre a porta do confessionário, ou se ajoelha diante da grade, ou se senta ao lado de nós, sacerdotes, para viver a experiência da reconciliação, seja qual foi a sua história, sejam quais forem as motivações que o trouxeram, seja qual for a carga de pecado que ele carrega sobre as suas costas, nós, padres, devemos pensar na atitude do Pai do Filho Pródigo."
Publicamos aqui um trecho do prefácio escrito pelo Papa Francisco para o livro Non aver paura di perdonare, de Luis Dri, com Andrea Tornielli e Alver Metalli (Ed. RaiEri). O artigo foi publicado no jornal La Repubblica, 23-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eu já contei muitas vezes e em diversas ocasiões a resposta que me foi dada pelo padre Luis Dri quando eu era arcebispo em outra diocese, em Buenos Aires. Eu lhe tinha perguntado o que ele fazia quando, ao sair do confessionário onde tinha passado muitas horas do dia, sentia o escrúpulo de ter perdoado demais. Ele me disse que costumava ir para a frente do Tabernáculo, para a frente do Santíssimo Sacramento, pedindo, ele mesmo, perdão por ter perdoado demais, e que concluía, dirigindo-se assim a Jesus: "Mas foste Tu quem me deu o mau exemplo!".
Algo semelhante também dizia São Leopoldo Mandic, o grande santo capuchinho, do qual, não por acaso, o padre Dri sempre foi muito devoto. Tinham me tocado essas suas palavras e, por isso, nunca deixei de contá-las, porque nos falam de uma atitude mais do que nunca necessária hoje.
O penitente que bate à porta dos nossos confessionários pode ter chegado ao abraço misericordioso de Deus por inúmeros caminhos. Pode ser um fiel que se aproxima habitualmente do sacramento da reconciliação, ou alguém que chega levado por alguma circunstância excepcional. Pode ter entrado por acaso na igreja – mas, nos planos de Deus Pai, nada é casual – ou esse gesto pode ser a etapa final de um percurso muito sofrido. Seja qual for o impulso, quando uma mulher, um homem, um jovem ou uma pessoa idosa se aproximam do confessionário, é preciso fazer com que eles percebam o abraço misericordioso do nosso Deus. Um Deus que nos precede, nos espera, nos acolhe.
Todas as vezes em que um penitente se aproxima, abre a porta do confessionário, ou se ajoelha diante da grade, ou se senta ao lado de nós, sacerdotes, para viver a experiência da reconciliação, seja qual foi a sua história, sejam quais forem as motivações que o trouxeram, seja qual for a carga de pecado que ele carrega sobre as suas costas, nós, padres, devemos pensar na atitude do Pai do Filho Pródigo. É bom que o padre Luis Dri traga no confessionário uma reprodução do quadro de Rembrandt que descreve a cena do abraço entre o Pai e o Filho Pródigo. Ele a recortou e a colocou na parede, conta-nos, "ao alcance do olhar de quem vem se confessar".
O padre Luis nos lembra que o detalhe talvez mais importante dessa pintura são as mãos do Pai misericordioso, que não são idênticas entre si: uma mão, a da esquerda, é masculina, a outra é mais feminina. A misericórdia, assim como a compaixão, aquela comoção visceral que Jesus sente em diversas páginas do Evangelho, tem características tanto paternas quanto maternas. A misericórdia é o amor materno visceral, que se comove diante da fragilidade da sua criatura e a abraça, e no seu aspecto propriamente masculino é a fidelidade forte do Pai, que sempre sustenta, perdoa e volta a colocar os seus filhos a caminho.
E ainda, naquele quadro, o pai misericordioso é cego, "como se o seu olhar tivesse sido consumido pela expectativa do retorno do filho. Para o pai, não há nada mais senão o filho, aquele que ele tem ao seu redor, que emerge da escuridão, participa da sua tensão amorosa em relação ao filho. A barba do pai não está cuidada, como se a expectativa pelo retorno do filho colocasse em segundo plano até mesmo as incumbências pessoais" da cotidianidade.
Continua o padre Luis: "Quando eu noto uma certa relutância em quem vem se confessar, um certo temor por ter feito ‘coisas grandes’ e o pensamento que se pode presumir na sua cabeça é ‘Mas Deus vai me perdoar?’, eu lhes digo: ‘Olha ali! Deus te abraça como aquele pai, Deus te quer bem, Deus te ama, Deus caminha contigo, Deus veio para perdoar, não para castigar, deixou o Céu para estar conosco. Até o fim dos dias. Como podemos ter medo de que Ele não nos perdoe?’".
Também me tocou o gesto que o padre Luis faz assim que um penitente se aproxima dele, nas muitas horas que ele passa no confessionário. "A primeira coisa que eu faço", conta, "é pegar a sua mão e beijá-la. Para que ele se sinta acolhido, livre para se expressar, para falar, bem disposto. Sejam elas limpas, como as mãos de quem recém se lavou, ou sujas como as de tantos peregrinos que chegam aqui sem se importar demais, talvez depois de fazer algum trabalho".
São Leopoldo Mandic costumava se dirigir com estas palavras ao penitente: "Tenha fé, tenha confiança, não tenha medo. Veja, eu também sou um pecador como você. Se o Senhor não colocasse uma mão na minha cabeça, eu também faria como você e até pior do que você". E, poucos dias antes de morrer, esse grande santo confessor havia dito: "Há mais de 50 anos que eu confesso, e a consciência não me pesa por todas as vezes que eu dei a absolvição, mas sinto pena pelas três ou quatro às vezes que eu não pude dá-la. Pode ser que eu não fiz todo o possível para despertar nos penitentes a disposição oportuna".
"Onde há misericórdia", afirma o padre Luis, "há um ponto de contestação do egoísmo, da afirmação de si, uma barreira para a disseminação da intolerância e da violência, mas também um princípio ativo de reconciliação. A misericórdia aceita que não eu, mas um Outro seja o princípio ordenador do mundo. A misericórdia começa com Deus, que faz o homem ser, e tem misericórdia dele, e continua com o homem que imita o comportamento do Senhor, porque experimenta os seus benefícios também na sua vida coletiva, organizada em sociedade. Nesse sentido, a misericórdia é uma atitude profundamente social".
Sim, é uma atitude que tem consequências sociais. E se é verdade que vivemos tempos difíceis, aquela que eu defini várias vezes como uma "guerra mundial em pedaços"; se é verdade que vivemos em tempos de terror e de medo, por causa da violência cega que parece desprovida de qualquer humanidade, também é verdade que os exemplos positivos, graças a Deus, não faltam.
Todo sinal de amizade, toda barreira arranhada, toda mão estendida, toda reconciliação, mesmo que não vire notícia, está destinado a operar no tecido social. Seja ele o das nossas famílias, dos nossos bairros, das nossas cidades, das nossas nações, das relações entre os Estados. O rio cheio de ódio e violência, nunca o esqueçamos, por favor, nada pode contra o oceano de misericórdia que inunda o nosso mundo. Mergulhemos nesse oceano, deixemo-nos regenerar.
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Papa Francisco: "Em tempos de guerra mundial, só podemos vencer com o perdão" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU