25 Agosto 2015
Em vários sentidos, a Nigéria é o Texas da África: o país é terra de gente ousada, onde “ou vai ou fica” poderia ser o lema nacional. Com uma população de 183 milhões, ele é o maior da África e também a maior economia, além de ser o maior produtor de petróleo do continente.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 23-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Os defeitos que este país africano possui, como a corrupção, são enormes. Apesar de produzir 2,4 milhões de barris de petróleo bruto por dia, gerando 50 bilhões de dólares em receitas anuais, muito desse dinheiro acaba desviado e fazendo com que o país importe gasolina; além disso, a sua matriz energética não é nada confiável.
Em 2014, a Nigéria ganhou um outro título: tornou-se o maior crisol do mundo para novos mártires cristãos.
O observatório protestante Open Doors International, que produz um relatório anual sobre a perseguição aos cristãos, citou 2.484 cristãos assassinados na Nigéria entre 1 de novembro de 2013 e 31 de outubro de 2014, número que coloca este país à frente de outros tais como o Iraque, a Síria e a Coreia do Norte.
Praticamente todas essas mortes foram atribuídas ao Boko Haram, grupo terrorista que visa criar um Estado islâmico no norte do país. Acredita-se que o Boko Haram seja o responsável por mais de 17 mil mortes desde 2009.
Em termos de composição religiosa, a Nigéria – talvez mais do que qualquer outro lugar na Terra – possui duas verdades indiscutíveis:
• Frequentemente, a perseguição religiosa está ligada a fatores econômicos, políticos e étnicos, e pode ser difícil saber, em casos individuais, o quanto a “religião” foi fator determinante.
• Os cristãos não estão imunes aos efeitos de violência, e nem sempre aceitam passivamente as durezas que lhes são infligidas.
Quanto ao primeiro ponto, o Boko Haram é em geral dito como sendo o equivalente africano da Al Qaeda e do Estado Islâmico; o seu líder até mesmo prometeu lealdade ao IE.
No entanto, a maioria dos especialistas insistem ser esta uma falsa analogia. Na verdade, o objetivo do Boko Haram, segundo eles, não é o jihad mundial; seria, isto sim, uma insurgência local cuja nêmesis principal é o Estado nigeriano.
As origens do grupo remontam aos fracassos percebidos no governo, especialmente no tocante às décadas de corrupção e negligência que se seguiram depois da independência, em 1960, que deixaram o norte do país, de maioria islâmica, ainda mais pobre e mais subdesenvolvido do que a região sul, de maioria cristã.
Assim, quando um homem-bomba do Boko Haram caminhou até a Igreja de Deus dos Cristãos Redimidos, nos arredores de Potiskum no estado de Yobe, Nigéria, em 5 de julho – matando a si próprio, o pastor, uma mulher e seus dois filhos –, foi, em certo sentido, um ato dirigido aos cristãos.
No entanto, é difícil saber se esse homem-bomba esteve motivado principalmente pelo ódio religioso, ou se o seu alvo eram os cristãos como símbolos, pelo menos em parte, de um regime político e econômico que os membros do Boko Haram acreditam ter fracassado.
“O sujeito típico do Boko Haram que ataca uma igreja poderia, com a mesma vontade, atacar uma mesquita”, disse Musa Abdullahi, sociólogo da Universidade de Maiduguri, no norte da Nigéria, e muçulmano que perdeu três membros de sua própria família para violência do Boko Haram.
“Na verdade, a guerra deste grupo não é uma guerra contra determinada religião”, disse Abdullahi. “É contra o sistema”.
Como prova, Abdullahi disse que coletou dados que mostram que o número de ataques a mesquitas e igrejas pelo Boko Haram é quase proporcional ao número de tais estruturas em seu estado natal de Borno, e o número de muçulmanos e cristãos mortos também reflete suas respectivas parcelas da população.
As complexidades não residem apenas nas causas da violência anticristã, mas também nas soluções.
Muitos dos cristãos nigerianos dizem que garantir uma maior segurança nas igrejas e que ver os líderes islâmicos moderados condenando a violência são soluções apenas parciais. A verdadeira solução, afirmam, é agir contra a corrupção e o subdesenvolvimento, começando com a alfabetização básica e o emprego, especialmente no norte.
Em outras palavras: se quisermos manter seguros os cristãos, temos de resolver as condições sociais e políticas que os põem em risco.
Também complicada é a resposta cristã ao seu sofrimento, porque nem sempre ela se deixa conduzir por um espírito paciente.
A Nigéria não é o Oriente Médio, onde os cristãos são uma pequena minoria na comparação com uma grande maioria muçulmana. Os cristãos e muçulmanos estão divididos de forma bastante equilibrada neste país, e, consequentemente, os cristãos nigerianos tendem a estar mais dispostos a responder de volta quando percebem que os seus interesses estão ameaçados.
Em junho passado, por exemplo, uma milícia cristã formada principalmente por moradores do estado de Borno, na região nordeste do país, assumiram a luta contra o Boko Haram, lançando uma série de ataques a militantes que teria deixado 46 mortos.
Na verdade, estas milícias não são nenhuma novidade. Elas remontam aos anos 1990, quando uma série de confrontos sectários irrompeu nos estados do norte do país. O pastor James Wuye, da igreja Assembleia de Deus, por exemplo, coordena um centro de reconciliação inter-religioso depois de perder o braço direito quando liderava uma milícia numa batalha contra muçulmanos duas décadas atrás.
A experiência nigeriana coloca, assim, perguntas difíceis sobre quando as vítimas de perseguição religiosa podem se justificar na luta contra o fogo lançando mão deste mesmo instrumento, e sobre como assegurar que os esforços legítimos em autodefesa não acabam tendo um efeito contagiante para mais ódio mútuo.
Em resumo, a Nigéria é, ao mesmo tempo, um caso de estudo sobre as complexidades da perseguição religiosa e um laboratório para a procura de soluções ao problema. Por ser uma superpotência africana, o mundo inteiro tem interesse em ver este país ser bem-sucedido.
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Crux na Nigéria
Nesta semana, Inés San Martín (da equipe do sítio Crux) e eu, John L. Allen Jr., estamos na Nigéria, informando sobre o que a ascensão do Boko Haram vem significando para a dinâmica e altamente diversificada comunidade cristã do país e os diversos modos em que diferentes grupos cristãos estão respondendo. Siga o Crux para ficar por dentro de nossas reportagens.
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Os países do “FINC” preparam-se para moldar o catolicismo do século XXI
Em 2001, Jim O’Neill – do grupo financeiro internacional Goldman Sachs – cunhou o termo “BRIC” para se referir a Brasil, Rússia, Índia e China, todos considerados novas superpotências mundiais. O termo, agora alterado para “BRICS” para incluir a África do Sul, tornou-se de uso corrente.
O’Neill e outros recentemente acrescentaram a abreviatura “MINT” ao nosso léxico, ao para se referir a México, Indonésia, Nigéria e Turquia, pois estes também se uniram ao jogo global como atores econômicos e políticos emergentes.
Nesse sentido, eu gostaria de propor um novo termo para uso nos ambientes católicos: falo dos países do “FINC”, referindo-me às comunidades católicas das Filipinas, da Índia, da Nigéria e da Coreia do Sul. Todos estes são lugares onde o futuro do catolicismo no século XXI está sendo moldado.
São países em que o inglês é a língua principal, e juntos representam um vasto conjunto de 130 milhões de católicos. (Quer dizer: 80,2 milhões nas Filipinas; 19,7 milhões na Índia; 25,5 milhões na Nigéria; e 5,3 milhões na Coreia do Sul.)
A população católica dos países do FINC é maior do que a dos Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia em conjunto, representando os berços tradicionais do catolicismo de língua inglesa. As tendências estão se movendo em direções opostas: enquanto a religiosidade se esforça para se manter viva neste segundo grupo, no primeiro ela está em alta.
As Filipinas, a Índia, a Nigéria e a Coreia do Sul dispõem de economias emergentes – ainda que em diferentes fases de desenvolvimento –, de uma crescente influência política e de uma diáspora mundial substancial. Na medida em que este seu alcance se espalha ao redor do mundo, o mesmo acontece com a sua versão do que é viver uma vida católica.
Os Estados Unidos formam um bom exemplo. Este país dependente, cada vez mais, de sacerdotes do exterior para manter a Igreja de pé, recebendo cerca de 300 sacerdotes estrangeiros a cada ano. Em muitas dioceses americanas, se a Igreja tivesse de mandar embora os seus sacerdotes filipinos, indianos nigerianos e coreanos, teria também de pedir que o último apagasse as luzes quando for.
A seguir apresento algumas ideias sobre como cada um destes países pode se tornar uma potência católica no século XXI.
As Filipinas
As Filipinas são o terceiro maior país católico do mundo, e sem dúvida a sociedade mais pervasivamente católica da Terra. Mais de 80% de sua população é católica, com níveis de fé e prática surpreendentes para os padrões ocidentais.
Afinal de contas, estamos falando de um país onde os shoppings têm capelas e as cidades têm placas nas ruas com os dizeres: “Cuidado: Missas e orações sempre em progresso”.
Hoje, em um número impressionante de lugares ao redor do mundo, os filipinos formam o maior e mais comprometido segmento das populações católicas locais. A Arábia Saudita, por exemplo, tem hoje uma população católica de cerca de 1,5 milhão, a maioria deles filipinos expatriados que trabalham na indústria do petróleo ou como empregados domésticos.
As Filipinas estão também entre as 30 principais economias mundiais, ainda que com enormes lacunas entre ricos e pobres. É também um lugar onde o secularismo e a diversidade de estilos de vida estão se fazendo, cada vez mais, presentes. Consequentemente, as Filipinas têm a oportunidade de ser o lugar onde toma forma o novo papel da Igreja em uma sociedade cada vez mais pluralista.
Índia
Os católicos são cerca de 1,6% da população indiana apenas, mas este país é tão grande que ainda acaba, mesmo assim, sendo o lar de um conjunto considerável de quase 20 milhões de pessoas. Os católicos também têm um perfil social descomunal na Índia, em parte por causa da extensa rede de escolas e outras obras sociais que possuem, e em parte devido à veneração pública à Madre Teresa, a lendária santa dos pobres.
Juntamente com a China, a Índia é uma das potências da Ásia, especialmente em termos de seu rápido progresso econômico. O analista financeiro Nicholas Varney coloca tal transformação nos seguintes termos: “Na década de 1970, dizíamos às crianças nos Estados Unidos que comessem toda a comida do prato, pois pessoas estavam morrendo de fome na Índia. Hoje, dizemos a elas que terminem a lição de casa, pois as crianças na Índia estão estudando mais e irão tirar os seus empregos”.
Além da oportunidade de ajudar a orientar o desenvolvimento de uma nova potência mundial, a Igreja Católica na Índia pode desempenhar um papel-chave em, pelo menos, duas outras áreas:
• A maioria de sua população é composta por dalits, ou seja, os “intocáveis” no âmbito do antigo sistema de castas, e por “tribais”, descendentes dos habitantes originários do país. Ambos tendem a ser extremamente pobres e viver às margens da sociedade, o que significa que os católicos indianos têm a oportunidade de elaborar uma versão asiática do “Teologia da Libertação”, potencialmente evitando os excessos ideológicos que dificultaram o desenvolvimento deste movimento em sua fase inicial no catolicismo latino-americano.
• Os cristãos indianos estão sujeitos diariamente ao assédio e à perseguição, o que vem piorando sob o atual governo, que conta com o apoio de ardentes nacionalistas hindus. No entanto, a Índia é também a maior democracia do mundo e um país orgulhoso de sua herança constitucional como Estado laico, o que significa que os católicos indianos podem ajudar a levar o país a garantir uma maior proteção às minorias religiosas. Em época em que a perseguição religiosa é um desafio mundial, isso seria um exemplo valioso.
Nigéria
Como observado acima, a Nigéria é a maior país africano em, pelo menos, três aspectos: populacional, econômico e em seu nível de produção petrolífera. O país tem clara consciência de seu papel enquanto força regional – e mesmo mundial –, o que é tão verdadeiro para os católicos locais quanto o é para as suas elites políticas e econômicas.
Hoje, existem 25 milhões de católicos na Nigéria, mas combinando a estimativa das Nações Unidas quanto ao crescimento demográfico mundial com a taxa nigeriana de conversões acima da média, poderão existir nada menos do que 50 milhões de católicos no país até 2050, o que colocaria a Nigéria em 7º lugar na lista dos maiores países católicos do mundo, à frente da Itália e da França.
A Nigéria possui sete grandes seminários católicos, com um número de jovens que estudam visando o sacerdócio ficando entre 400 e 500. O Seminário Bigard, no sudeste nigeriano, com mais de 1 mil matriculados, é considerado o maior seminário católico do mundo.
Aliás, não são os católicos são em grande número no país. Com 19 milhões de fiéis, a Nigéria tem mais anglicanos que qualquer outro país na Terra, exceto a Inglaterra, que conta com 26 milhões. No entanto, dadas as diferenças nos níveis de convicção religiosa e a de frequência entre a Nigéria e a Inglaterra, é praticamente certo que a Nigéria tem o maior número de anglicanos praticantes em todo o mundo.
Uma área em que a Nigéria está pronta para desempenhar um papel de liderança é a das relações entre cristãos e muçulmanos.
O Ímã Sani Isah, do estado de Kaduna, que fica na região norte – de predominância muçulmana –, gosta de dizer que, do ponto de vista religioso, a Nigéria é a Arábia Saudita e o Vaticano em um só lugar. O país é uma mistura de dezenas de milhões de muçulmanos altamente motivados com um número aproximadamente igual de cristãos devotos. Dom John Onaiyekan, da Arquidiocese de Abuja, certa vez definiu a Nigéria – país mais populoso da África, com 140 milhões de habitantes – como “a maior nação islamo-cristã sobre a terra”, porque é o país com a maior concentração de muçulmanos e cristãos dentro das mesmas fronteiras.
O que Nigéria pode oferecer ao mundo é um modelo de relações entre muçulmanos e cristãos que seja, ao mesmo tempo, mais realista e também mais equilibrado. Os cristãos nigerianos sabem que uma coexistência pacífica com os muçulmanos é possível, pois a maioria deles possui vizinhos, colegas e amigos muçulmanos. Simultaneamente, a experiência ensinou-lhes a acreditar que, para se lidar com os fanáticos religiosos, a força tem de ser respondida, também, com força.
Sob a influência nigeriana, a abordagem católica no século XXI para com os muçulmanos, bem como para outras comunidades religiosas, provavelmente combinará o diálogo e uma cooperação prática em causas sociais e caritativas, juntamente com uma defesa mais forte da fé e uma maior disposição a encarar abusos e perseguições.
Coreia do Sul
A Coreia do Sul pode parecer o elemento estranho entre os países do FINC, com uma comunidade católica relativamente pequena, de apenas 5,3 milhões de pessoas. Todavia, por causa de sua economia altamente desenvolvida e do perfil educacional relativamente alto de sua população católica, a Igreja aí desempenha um papel significativo.
No país, o catolicismo cresce rapidamente, com o número de membros aumentando em 70% entre 2004 e 2014. Grande parte desse crescimento tem sido atribuído à imagem positiva que a Igreja desfruta por seu papel de liderança no movimento pró-democracia da Coreia, por sua extensa rede de projetos sociais e por sua abordagem profundamente respeitosa para com a espiritualidade nativa.
Em geral, a Coreia do Sul é uma exceção à norma asiática em que o cristianismo não é uma pequena minoria. Os cristãos formam um terço da população total, e representam a maior comunidade religiosa, dado que cerca de 45% dos coreanos não praticam nenhuma religião.
A Igreja sul-coreana parece pronta a dar uma contribuição em, pelo menos, duas áreas.
• A experiência coreana de desenvolvimento do cristianismo é singular em que a fé chegou à península não por meio de missionários estrangeiros, mas a partir de leigos coreanos, em sua maioria estudantes e comerciantes, que o encontraram na China. Na realidade, o catolicismo se desenvolveu na Coreia por mais de um século, antes mesmo que o primeiro sacerdote estrangeiro aparecesse. Quando visitou o país em agosto de 2014, o Papa Francisco pediu que os coreanos ajudassem a guiar a Igreja mundial a desenvolver novos modelos de liderança leiga.
• Os católicos sul-coreanos têm também a oportunidade de inovar nas relações ecumênicas, descobrindo novas formas de envolver o cristianismo que mais rapidamente cresce no mundo: o pentecostalismo.
De menos de 6% da população cristã total em meados da década de 1970, o pentecostalismo terminou o século representando quase 20% do cristianismo mundial, segundo um estudo de 2006 conduzido pelo Pew Global Trust.
A Coreia do Sul é um dos epicentros deste crescimento. A maior denominação cristã singular do mundo é considerada a Igreja do Evangelho Pleno de Yoido, grupo pentecostal localizado em uma ilha dentro dos limites da cidade de Seul. Todos os domingos, cerca de 250 mil adoradores participam em nove cultos traduzidos, simultaneamente, para 16 idiomas.
O fato de que tantos católicos e pentecostais vivam lado a lado, ambos desfrutando de altos níveis realização material e educacional para os padrões mundiais, proporciona teoricamente a eles tanto a proximidade quanto os recursos necessários para se criar novas formas de entendimento.
Dada a relação, por vezes, difíceis entre católicos e pentecostais ao longo dos anos, estas duas comunidades poderiam, sem dúvida, se beneficiar de um “momento coreano”.
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Nigéria é um laboratório para testar soluções à perseguição religiosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU