Os bispos católicos, autoridades dos governo estaduais e municipais, executivos do petróleo e representantes de agências não governamentais reuniram-se em
Port Harcourt, centro empresarial e logístico da indústria do petróleo da
Nigéria, para abordar as questões da má governo e das más práticas da indústria do petróleo que atormentam a região do Delta do Níger há décadas.
A reportagem é de
Patricia Lefevere, publicada no sítio
National Catholic Reporter, 25-03-2011. A tradução é de
Moisés Sbardelotto.
Os bispos respondem assim ao "grito de angústia que vem de todos os segmentos da população", conforme escreveram em uma
Declaração de Intenções após o fórum, entre os dias 8 a 9 de fevereiro. A "angústia", escreveram eles, é evidente entre as pessoas do
Delta do Níger, "especialmente as das comunidades rurais que ainda sofrem com a pobreza, o analfabetismo e a doença".
O fórum iniciou como parte dos trabalhos de paz e justiça da
Conferência dos Bispos da Nigéria, que pediu que os prelados das regiões "se envolvam com essas questões em prol da conferência", de acordo com o
Pe. Edward Obi, secretário-geral do
Fórum dos Bispos Católicos do Delta do Niger e cossignatário da Declaração de Intenções, juntamente com o arcebispo
Joseph Edra Ukpo, de
Calabar, presidente do fórum.
Das 18 empresas mundiais de petróleo que operam no Delta do Níger, somente administradores locais da anglo-holandesa
Shell Petroleum Development Company foram convidados para o fórum. A Shell é a maior operadora de poços terrestres da Nigéria. Foi a primeira a chegar na Nigéria em 1937 e representa agora 43% da produção total de petróleo. É a operadora de uma
joint venture que inclui a estatal
Nigerian National Petroleum Corporation e as empresas petrolíferas multinacionais
Total e
Agip.
Em uma data futura, outras grandes companhias petrolíferas como a
Chevron, a
ExxonMobil e a
ConocoPhillips receberão oportunidades semelhantes para mostrar e, se necessário, defender as suas atividades no Delta do Níger, segundo Obi, indicando que os bispos planejam convocar o fórum duas vezes por ano.
Além de Ukpo, os bispos das dioceses de
Ogoja,
Uyo,
Ekpene Ikot,
Port Harcourt,
Bomadi e
Warri participaram do fórum.
A Shell ficou muito satisfeita com o fórum, disse
Funkapo Fufeyin, gerente administrativo local e de relações governamentais e comunitárias da empresa, em um e-mail ao
NCR.
No tempo que lhe foi atribuído, a Shell fez uma apresentação detalhada dos seus esforços de responsabilidade corporativa no Delta do Níger, disse Fufeyin. Os bispos fizeram perguntas de sondagem e sugestões construtivas "sobre como podemos melhorar o nosso portfólio de projetos de desenvolvimento comunitário" e como comunicar melhor "as nossas conquistas", disse ele.
A declaração dos bispos afirma que eles "estão pedindo um futuro em que todos os nossos povos possam ser orgulhosos beneficiários de uma indústria que tem um potencial tão vasto, mas que os deixou incapazes de viver suas vidas e de ser totalmente participantes no desenvolvimento da região".
A
Nigéria ganhou 282 milhões dólares por dia neste ano de suas reservas petrolíferas, estimadas em 34 bilhões de barris. Esses recursos tornaram-na a maior produtora de petróleo da
África, com a 10ª maior reserva de petróleo do mundo. A Nigéria é o quinto maior fornecedor de petróleo dos
Estados Unidos, suprindo cerca de 8% das necessidades de petróleo dos EUA.
Trinta e um milhões de pessoas vivem no Delta do Níger. As necessidades das populações locais são cada vez mais urgentes, dado o "dom único em petróleo e em gás" da região, escreveram os bispos.
"A verdade é que os recursos petrolíferos que financiam as necessidades orçamentárias do governo federal são derivados da zona Sul-Sul [Delta do Níger]", disse Obi ao
NCR.
"As pessoas aqui têm o direito de alimentar a crença de que merecem mais do que vem do governo, que não é proporcional, nem de longe, ao que eles têm que suportar como resultado da indústria do petróleo", disse o padre, doutor em ética teológica pela
Universidade de Louvain, na
Bélgica.
Embora os nove estados que produzem petróleo e gás recebam 13% dos rendimentos da exportação – cerca de 5,4 bilhões de dólares em 2007 –, a alocação não melhorou a educação, a saúde ou o emprego para a maioria dos indivíduos. As taxas de mortalidade infantil no Delta do Níger continuam as mais altos do país. O desemprego continua em torno dos 40% para os jovens de 15 a 24 anos da região.
Os bispos decidiram se reunir com líderes empresariais e governamentais em uma época de relativa paz, mas a criminalidade, a violência e a militância armada têm assolado a região desde a década de 1990. Gangues militantes de jovens desempregados atacam os gigantes de petróleo dos
EUA e da
Europa, sequestrando expatriados, autoridades locais e até mesmo crianças. Eles sabotaram instalações petrolíferas e gasodutos interrompendo a produção de petróleo em até 25%.
Em resposta aos sequestros e à lentidão na produção, o governo ofereceu uma anistia aos rebeldes em 2009, dando-lhes dinheiro para as suas armas, que são abundantes no Delta do Níger, e a promessa de formação profissional e, para alguns, de ensino superior.
De acordo com Fufeyin, a
Shell, em parceria com a
USAID/Nigéria e a sede nigeriana do
Instituto Internacional de Agricultura Tropical, está em um projeto para desenvolver a agricultura da mandioca. A Shell está envolvida na capacitação de agricultores, proporcionando conhecimentos técnicos e de negócios, oferecendo ensino médio e bolsas de estudo universitárias, e apoiando as unidades de saúde da região, disse Fufeyin.
A declaração dos bispos reiterou seu compromisso de trabalhar com o governo e com outras partes interessadas para promover a criação de empregos. Eles prometeram continuar o diálogo com as comunidades, as empresas petrolíferas e o governo para tratar de questões fundamentais como as falhas de liderança.
Seus esforços são motivados pelo desejo de "construir isso com base no entendimento da dignidade humana, da divina providência e do bem comum", escreveram.
Ninguém sabe se a aparente tranquilidade existente no momento do fórum vai se manter. Invasões a instalações de petróleo ocorreram nas três eleições civis anteriores na Nigéria desde 1999, e novas violências irromperam neste mês em Port Harcourt e no resto da região, já que o país se prepara para votar no dia 9 de abril.
Os danos ambientais à região do Delta foi outra preocupação primordial durante o fórum. Os derramamentos de petróleo, a queima de gás e o desmatamento continuam ameaçando a saúde e a subsistência de 60% das pessoas do Delta que ganham a vida na agricultura e na pesca. A degradação do solo, provocada em grande parte pela indústria do petróleo, contribuiu para pôr em risco a água potável e para poluir o ar e os rios.
Os gerentes da Shell que participaram do fórum disseram que o número e o volume dos derramamentos de petróleo na Nigéria "continuam inaceitavelmente altos" e afirmaram que 98% do volume derramado em 2009 foi causado por sabotagem e pela ação de militantes ou de ladrões de petróleo.
Em um e-mail ao NCR,
Fufeyin chamou o esforço de limpeza de "um desafio enorme" por causa da "falta de acesso aos locais de vazamento, devido à situação de segurança ou de interferência por parte das comunidades locais".
Os executivos da
Shell defenderam os esforços da companhia para reduzir a queima de gás – os fogos ao ar livre que queimam o gás liberado quando o petróleo é extraído do solo. A queima, que é ilegal na Nigéria desde 2008, tem sido associada a doenças respiratórias, a cânceres e ao perigo posto aos ecossistemas locais por meio da emissão de grandes quantidades de gases do efeito estufa.
Os executivos do petróleo citam os ataques de militantes contra os seus funcionários e instalações e a falta de fundos da
Nigerian National Petroleum Corporation como fatores que prejudicam seus esforços para reduzir ainda mais a queima de gás.
No final do ano passado, o arcebispo
John Olorunfemi Onaiyekan, de
Abuja, condenou o uso de informação enganosa por parte da Shell que colocava a culpa da maior parte da poluição petrolífera em mercenários que operam no Delta do Níger. "A Shell não deve fazer no Delta do Níger o que não faria no Mar do Norte", disse Onaiyekan.
O arcebispo, junto com os principais grupos de direitos humanos e ambientais, instou os reguladores de petróleo do governo nigeriano a serem duros com as empresas que operam os poços.
"É bom ter bispos da região advogando pelos problemas que as pessoas têm levantado sobre os serviços, o governo, a destruição ecológica e a pobreza em meio a ricos recursos", disse
Lydia Onyeka, do
Catholic Relief Services de Abuja, que ajudou a organizar o fórum.
O que é "único", disse ela, é que todas as 30 pessoas que se reuniram reconheceram "seu interesse comum, sua necessidade comum de segurança e que compartilham um ambiente comum".
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Bispos nigerianos organizam fórum sobre o impacto da indústria petrolífera - Instituto Humanitas Unisinos - IHU