27 Abril 2015
Qualquer católico que já tenha participado de uma reunião do conselho paroquial nos EUA sabe o tipo de coisa que geralmente se discute: como resolver os problemas dos carros no estacionamento da igreja entre as 10h e 11h nas missas de domingo, por exemplo, ou se finalmente chegou a hora de a comunidade reformar o berçário paroquial.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 22-04-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Agora, imagine o seguinte na ordem do dia: ensinar aos frequentadores da missa como recitar um trecho do Alcorão em árabe de forma que eles possam fingir ser muçulmanos e salvar suas vidas na próxima vez que um terrorista apontar uma AK-47 para eles exigindo conhecer o islamismo.
Segundo Dom Anthony Muheria, da Arquidiocese de Kitui, no Quênia, isto está entre as escolhas que o seu rebanho está considerando fazer nestes últimos tempos.
Isso vem na sequência de um ataque, em 2 de abril, por radicais islâmicos armados do grupo Al-Shabaab a uma universidade queniana na Diocese de Garissa, que deixou 150 pessoas mortas e 80 feridas. Como fizeram em outras ocasiões, os militantes tomaram suas vítimas como reféns e exigiram saber delas se eram cristãs ou muçulmanas, deixando os últimos ilesos enquanto matavam os primeiros.
Muheria falou com os jornalistas em Roma, onde ele e 25 bispos quenianos esperavam para um encontro com o Papa Francisco. Ele louvou o pontífice por estar sendo o único líder mundial que tem falado energicamente sobre o massacre de Garissa, dizendo que os cristãos quenianos ficaram chocados com o “silêncio ensurdecedor” de outras autoridades.
A mensagem do prelado queniano era a de que chegou a hora de “pararmos de brincar” com a perseguição aos cristãos.
“Estamos vendo um aumento alarmante da violência em nosso país”, disse Muheria, que pertente à organização católica Opus Dei. “Como cristãos estamos sob ameaça, e as nossas instituições não estão nos defendendo”.
Quênia é um país de 45 milhões de habitantes com 80% sendo cristãos, mas a região leste, que faz fronteira com a Somália, é quase toda muçulmana. Aí, os desafios na condução de um pequeno rebanho cristão são enormes, especialmente para os ocidentais que nunca viveram algo parecido. Algumas pessoas relataram, nos últimos anos, que os cristãos são forçados, por exemplo, a participarem de um “programa de proteção de testemunhas” para, por sua vez, protegerem uns poucos convertidos de retaliações.
Hoje, disse Muheria, o objetivo de grupos tais como o Al-Shabaab, um ramo da Al-Qaeda, é “tornar a África inteiramente muçulmana”, acrescentando que alguns moderados islâmicos do país simpatizam com estes objetivos – ainda que não necessariamente concordem com certos meios empregados.
O prelado enfatizou que não são somente os pobres e desesperados que estão sendo atraídos por grupos radicais.
Ele deu o exemplo de Abdirahim Abdullahi, um dos homens armados envolvidos no massacre de Garissa. Abdullahi era o filho de uma autoridade do governo queniano, sendo geralmente descrito como um talentoso aluno de Direito com um ótimo futuro profissional.
Muheria manifestou a sua frustração de que, após o massacre, um porta-voz do governo tentou caracterizar o ataque como sendo contra “todos os quenianos”, implicando que não se tratava de uma ação de natureza religiosa.
“São cortinas de fumaça usadas para evitar dizer que as pessoas sob ameaça são cristãs”, disse. “Chegou a hora de pararmos de brincar. Não são ‘minorias’ que estão sendo mortas, mas os cristãos”.
Ao declarar que os responsáveis pela segurança falharam em intervir no massacre de Garissa, Muheria disse que os cristãos do Quênia estão experimentando “muitos, muitos sentimentos de amargura”.
Advertiu que, se as coisas não mudarem, alguns poderão decidir pegar em armas e combater o fogo com fogo – uma opção, disse, que os bispos estão fazendo de tudo para desencorajar.
A estratégia dos bispos é, segundo o prelado, incentivar os cristãos a canalizar as suas raivas e medos na direção de um “forte testemunho público de fé”, comunicando, com efeito, que não se deixarão levar.
Eles estão também pressionando alguns líderes quenianos no sentido de uma resposta mais incisiva à ameaça posta por grupos radicais, disse Muheria, inclusive medidas de segurança reforçadas. Eles gostariam de ver a comunidade internacional se posicionando diante da situação do país.
Quanto a isso, Muheria denunciou um padrão duplo de reação.
Notou que o ataque ao Charlie Hebdo, em janeiro de 2015, que deixou 11 mortos deu início a visitas de políticos à França para expressar solidariedade, mas após a morte de 150 cristãos quenianos “nenhum único chefe de Estado” viajou ao seu país.
Citou também o acidente de um avião alemão nos Alpes franceses, que incitou um enorme interesse na imprensa e uma grande quantidade de comentários, queixando-se de que o massacre de Garissa matou o mesmo número de pessoas sem desencadear a mesma fanfarra.
“É uma diferença flagrante”, disse, perguntando logo em seguida: “Será mesmo que todas as vidas têm igual valor?”
Se Muheria e outros líderes cristão forem obrigados a ensinar aos cristãos do Quênia versos do Alcorão por não haver outra forma de protegê-los, então isso pode ser uma forma de responder à sua pergunta – com a resposta sendo, aparentemente, um “não”.
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Bispo queniano diz para “parar de brincar” na luta contra a violência anticristã - Instituto Humanitas Unisinos - IHU