Toda mudança de cosmologia oferece à pregação cristã uma oportunidade de retomar de um modo novo tanto a forma quanto o conteúdo da sua mensagem. Ora, nós vivemos hoje uma mudança de cosmologia bastante radical, da qual a dolorosa experiência da Covid é a expressão mais vívida.
A opinião é de Bruno Latour, sociólogo, antropólogo e filósofo francês, professor do Institut d’Etudes Politiques de Paris (Sciences Po). O artigo foi publicado por Vita e Pensiero, 13-01-2022. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Sendo totalmente incapaz de falar como teólogo, dirijo-me a vocês como quem tentou apreender aquilo que a mudança ecológica produz na filosofia e também como quem, sempre inspirado pelo catolicismo, se sente um pouco desconsolado por não poder transmitir a sua mensagem ao seu próximo. Portanto, tento conectar as duas crises: a da ecologia e a da transmissão.
Quero tentar ver se uma compreensão diferente da mudança em curso pode permitir retomar a mensagem de outro modo. Procederei em três momentos: na primeira parte, definirei o contraste entre projeção cosmológica e pregação; na segunda parte, listarei alguns pontos em que a mudança de cosmologia, na minha opinião, reabre questões clássicas da transmissão e da pregação; por fim, gostaria de resumir a situação atual, do modo como eu a vejo, propondo um enigma que permitirá, espero eu, abrir a discussão.
Toda mudança de cosmologia oferece à pregação cristã uma oportunidade de retomar de um modo novo tanto a forma quanto o conteúdo da sua mensagem. Ora, nós vivemos hoje uma mudança de cosmologia bastante radical, da qual a dolorosa experiência da Covid é a expressão mais vívida.
Dramatizando ao excesso, pode-se dizer que passamos de uma cosmologia cujo modelo canônico era a experiência de Galileu, que calculava a queda dos corpos ao longo de um plano inclinado, a uma cosmologia cujo modelo canônico é um vírus que não deixa de passar de boca em boca, de se difundir progressivamente, de obrigar todas as sociedades a mudarem seus próprios comportamentos e que não para de mutar.
Bem mais do que os antigos modelos mecânicos, os seres vivos, e em primeiro lugar os vírus e as bactérias, são capazes de transformar as suas próprias condições de vida, a ponto de constituírem, ao longo de bilhões de anos, um mundo terrestre habitável, tornando-se o centro de todos os nossos interesses, de todas as nossas preocupações e de todos os nossos saberes.
A terra que se move no espaço infinito da tradição galileana é substituída por uma terra “que se comove”, segundo a expressão de Michel Serres (em “O contrato natural”, Ed. Instituto Piaget, 1994), que reage às ações daqueles seres vivos entre outros que são os humanos e que levanta a questão existencial sobre se esses humanos conseguirão ou não manter as condições da sua habitabilidade. Parece-me que tal mudança nas visões de mundo não pode deixar de influenciar o quadro, a direção, a expressão da pregação cristã.
A primeira coisa que a crise ecológica revela, e que chamo de Novo Regime Climático, talvez seja que não existe um vínculo necessário, definitivo, indissolúvel entre a pregação cristã e as projeções cosmológicas por meio das quais ela muitas vezes se expressou no passado.
Por “projeção cosmológica”, refiro-me ao grande relato daquilo que o catecismo chamava de “história sagrada” e que explicava o mundo, em um cenário magnífico, desde a criação até ao fim dos tempos. Cenário que foi pintado em inúmeras igrejas e que sempre abala tanto o amante da arte quanto o fiel, pela sua amplitude e pela sua plenitude.
Ora, são justamente essa plenitude, essa completude e essa amplitude que não permite apreender a enorme ruptura introduzida pela irrupção da nova questão de manter o mundo habitável para os humanos e para os seus comensais.
A cosmologia (desta vez, do modo como é entendida no sentido clássico pela teologia) cobre tudo, mas é precisamente este o problema: ela cobre demais e recobre rapidamente demais o problema-chave da era em que todos entramos juntos.
A história sagrada não pode mais se desenvolver da mesma maneira se não há mais um mundo terreno no qual ela possa ocorrer. É por isso que cabe a ela desacelerar por um momento e permitir que uma nova descontinuidade seja introduzida no seu grande relato. Tal descontinuidade é muito bem reconhecida quando se percebe que a mensagem do Evangelho, por definição, é totalmente indiferente a uma cosmologia qualquer.
Daí a expressão “projeção” que eu usei. O quadro cosmológico é uma ampliação, uma encenação, uma colocação na história de uma mensagem cuja radicalidade obedece a regras de verificação completamente diferentes. Com efeito, é a particularidade dos seres sensíveis à palavra que veicula a pregação e, portanto, extrai a sua verdade da capacidade de converter aqueles a quem se dirigem. Se não há conversão, não há sequer mais verdade.
Tomando o exemplo principal de Ivan Illich, o bom samaritano se torna o próximo do ferido abandonado pelos sacerdotes, e é esse mesmo ato que dá a verdade da interação; não os pertencimentos étnicos ou a adesão a uma visão qualquer do mundo (veja-se o livro “Una fiamma nel buio. Conversazioni”, Ed. Eleuthera, 2020).
Tornar-se o próximo sem esperar mais e sem se preocupar com os próprios assuntos urgentes define a situação e, consequentemente, rompe o quadro espaço-temporal no qual se situam os outros três protagonistas, assim como o samaritano. A questão dos fins últimos está em jogo aqui, agora, e consequentemente também a da salvação. Em tal situação, o quadro cosmológico não é apenas indiferente, mas é o obstáculo que vem romper o ato de caridade.
A continuidade da pregação se baseia em atos de caridade desse tipo, capazes de constituir pouco a pouco – para resumir muito rapidamente – um povo de próximos salvos. Em relação a tal continuidade, as projeções cosmológicas servem, de algum modo, como pontos de parada para resumir a situação na espera da retomada dos atos de caridade. São atos desse tipo que verificam a qualidade do ato de fé, e não o quadro espaço-temporal com o qual ele foi resumido por um certo tempo.
Por definição, tal quadro pertence ao senso comum, enquanto que, também por definição, o ato de fé rompe com esse mesmo senso comum. É precisamente aqui que se percebe a distinção entre os dois movimentos: adere-se ao quadro espaço-temporal, é um objeto de crença, enquanto a exigência do ato de fé é converter aqueles a quem se dirige, tornar-se o seu próximo. Os dois elementos não estão em continuidade um com o outro. E, acima de tudo, não envelhecem da mesma maneira.
A projeção cosmológica varia no espaço e no tempo, enquanto, por definição, o ato de pregação modifica o espaço e o tempo, pois instaura o momento da salvação, a expectativa dos fins últimos. Nesse sentido, é universal (ou pelo menos universalizável), mas somente se conseguir converter aqueles a quem se dirige, enquanto as projeções cosmológicas são, por definição, relativas a uma época e a um povo.
É evidentemente tal descontinuidade radical entre ato de fé e crença em um quadro espaço-temporal que explica por que toda mudança na cosmologia obriga a pregação, assim como a teologia, a retomar toda a questão.
Quando os dois aspectos estão em fase, o problema não surge: se o jovem rico do Evangelho renunciou a seguir o chamado de Jesus, não é porque ele tinha um problema de compreensão do quadro no qual o mestre se expressava, ambos tinham o mesmo, mas porque o aguilhão da pregação exigia algo dele que ele se recusou a seguir “porque tinha grandes riquezas”.
A situação obviamente é totalmente diferente quando os dois aspectos não estão mais em fase. Cada destinatário da pregação deverá decidir se deve aderir a um quadro que lhe é estranho ou se deve se deixar transformar por uma injunção, que o transforma em próximo, injunção em ruptura com os quadros dos dois protagonistas. O samaritano e o ferido não têm nada em comum, exceto precisamente aquilo que está prestes a torná-los próximos um do outro contra as evidências das suas respectivas identidades.
Quando a distância se torna infinita entre as projeções cosmológicas e o ato de fé, a pregação se torna impossível; no tempo perdido em desvendar aquilo que dependia de umas e aquilo que dependia do outro, os interlocutores se afastaram para sempre. Perderam a oportunidade de encontrar a mensagem do Evangelho, porque lhes foi pedido que primeiro acreditassem no quadro no qual ele está recolhido e simplificado por enquanto – embora a própria mensagem esteja em ruptura com esse quadro! É como se o bom samaritano tivesse primeiro pedido ao ferido que se convertesse à sua seita antes de enfaixar as suas chagas...
Em um período de crise cosmológica, a situação se torna cada vez mais trágica, a mensagem do Evangelho se torna literalmente inaudível – pelo menos para aqueles que estão de fora, ad extra, aqueles a quem a mensagem se dirige justamente.
É a partir dessa defasagem que eu começo a abordar a segunda parte do meu discurso, perguntando-me se a crise atual não oferece uma oportunidade para preencher o abismo que hoje separa a mensagem da sua expressão habitual.
Até à ruptura profética introduzida pela encíclica Laudato si’ do Papa Francisco, a projeção cosmológica mais atual, hoje, depende dos remanejamentos realizados durante o período moderno para absorver a noção de Natureza submetida às leis. Com efeito, é em grande parte em reação à influência das ciências modernas que foi inventada a oposição entre transcendência e imanência; a ênfase colocada no destino das almas e não mais no do mundo; obsessão por questões de moralidade como contrapartida a um desinteresse progressivo pelo destino do cosmos; o medo da ecologia; o horror do paganismo; o recuo da Igreja em relação à busca de uma identidade e, sobretudo, à estranha ideia de que era necessário opor ao Grande Relato da Natureza conhecido pela Ciência um Grande Relato Alternativo que dava outra versão da história do mundo, mais “espiritual” e menos “material”.
Se tais remanejamentos puderam parecer necessários do século XVII ao XX para resistir à desanimação do mundo imposta pelo cientificismo, talvez eles já não o sejam hoje, quando é a própria noção de “matéria” e de “materialismo” que se encontra posta em crise pela nova transformação cosmológica.
A partir do momento em que a própria questão da habitabilidade da terra se torna a questão-chave, percebemos que o materialismo do período anterior era muito pouco “materialista” porque havia esquecido, obliterado, rejeitado o papel, a amplitude, a importância, a fragilidade, a interconexão dos seres vivos, os únicos capazes de constituir, ao longo dos milênios, o invólucro necessário ao prolongamento da aventura terrestre.
As ciências da terra quase não têm mais nenhuma relação com a ciência como ela ainda era imaginada no século XX e contra a qual a teologia havia tentado redigir um Grande Relato Alternativo.
Lutar contra o “materialismo” parece ser uma tarefa realmente superada, quando, ao contrário, é preciso aprender a rematerializar o pertencimento à terra de mil maneiras. É essa imensa ruptura nas concepções de mundo que oferece à teologia a oportunidade de repensar, mais uma vez, como sempre soube fazer nos períodos de crise, como acompanhar a retomada da pregação liberada de projeções cosmológicas sem mais nenhuma relação com as exigências do nosso tempo.
E talvez seja a partir do tempo que podemos iniciar um primeiro inventário dessas transformações. Em um livro tão importante quanto pouco conhecido (“Eschatology and Space. The Lost Dimension in Theology Past and Present”, Ed. Palgrave, 2012), Vitor Westhelle sublinha o surpreendente tropismo da teologia moderna pela dimensão temporal que fez da escatologia um tema quase unicamente conectado ao Grande Relato da História Sagrada.
Uma citação entre outras: “Paul Tillich, certamente um dos grandes teólogos do século passado e muito sensível às questões e aos valores culturais, chegou a afirmar que o cristianismo fez o tempo triunfar sobre o espaço. Ele identifica o paganismo com a elevação de um espaço especial a valor e dignidade última”. Como se a escatologia não fosse um tema também espacial além de temporal.
Para o bom samaritano, o judeu ferido também é escatológico, marca exatamente tanto os fins últimos, os limites, as margens (esse é o sentido do termo eschaton), quanto os Grandes Relatos do Fim do Mundo, com os seus efeitos especiais, anjos, trombetas, ressurreições, que talvez preocupassem os sacerdotes que passavam na frente do ferido, apressados como estavam em ir cumprir as suas obrigações no templo.
Ora, o que o Novo Regime Climático traz à tona, de forma decisiva, é justamente a questão dos limites, e a terrível condição de que são eles que definem os fins últimos. O nosso tempo se dá conta de que não tem tempo para esperar. E que, portanto, todo relato que minimiza a condição espacial da escatologia para preferir uma projeção no tempo trai, de fato, a própria condição da salvação. De que adianta salvar a sua alma se você acaba perdendo o mundo terreno? O grito repetido todos os dias, de maneira cada vez mais estridente, pelos cientistas da terra – “Devemos agir agora ou nunca” – não pode deixar de ressoar de modo infinitamente trágico para toda alma cristã.
Sobretudo se considerarmos a indiferença de tantos católicos, persuadidos de que o desaparecimento do mundo terreno, no fundo, não tem “relação essencial” com a questão da salvação, porque eles estão certos, de todos os modos, de que sempre poderão se voltar “para o céu”.
Nada mostra com maior dureza o abismo total entre a projeção cosmológica da História Sagrada e as exigências do ato de fé do que a inversão da própria direção das relações entre terra e céu. Na tradição antiga, o céu obviamente não significava apenas uma ascensão ao alto, mas, acima de tudo, uma ruptura com todos os pertencimentos, com todas as projeções cosmológicas.
O céu-heaven não se confundia com o céu-sky. Porém, o fato é que, para resistir ao pretenso “materialismo”, a partir do compromisso moderno, o céu acabava designando uma fuga para fora do mundo. Acabava-se querendo realmente voltar-se para o alto.
Todo um imaginário, toda uma arte, dezenas de milhares de pregações, milhares de hinos e de orações, um imenso aparato de metáforas, de reflexos condicionados, de imagens mentais, todo um “ascensionismo” para o alto, quando, em vez disso, é para baixo que o cuidado da terra, da terra verdadeiramente sagrada, deveria conduzir as almas. É agora ou nunca mais, é aqui ou em nenhum outro lugar.
Tal estupefaciente inversão no esquema do fim dos tempos se contrapõe às formas ordinárias da fé, dos rituais, e não pode deixar de ter consequências sobre a teologia e também sobre a dogmática. A “nova” terra, que era o objeto de uma esperança tão grande, aparece verdadeiramente hoje em toda a sua novidade, mas sob uma forma totalmente imprevista, a de um minúsculo invólucro, infinitamente antigo e frágil, tecido pelos seres vivos interconectados e do qual é preciso aprender a cuidar para fazer com que não desapareça totalmente.
Não mais o objeto de uma espera escatológica distante, mas de uma ação presente que julga cada um de nós com o mesmo juízo resoluto do jovem rico do relato evangélico: “O que você fez com o mundo?”.
O que paralisa esse redirecionamento para baixo é evidentemente o estranho tema da imanência supostamente “asfixiante” (a expressão se encontra também na Laudato si’ [n. 119]) em relação à necessária “elevação” para a transcendência. Mas a oposição imanência/transcendência é ela mesma um artefato da projeção cosmológica inventada em reação à noção de Natureza.
Na época, é claro, era necessário manter um suplemento de alma, pois ele era rejeitado pela versão falsamente “materialista” do cientificismo moderno. A vida se encontrada encerrada dentro dos limites restritos da biologia.
Ora, os seres vivos dos quais precisamos aprender a cuidar hoje em nada se assemelham aos seres vivos do darwinismo de outrora. Estes últimos pertenciam à natureza, acreditava-se que eles se adaptavam a um ambiente externo, obedeciam a leis que eram superiores a eles e, em particular, à lei suprema da seleção natural, forma um pouco laicizada da providência.
Todo o esforço dos cristãos consistia, portanto, em “fugir” da influência desses seres vivos para verdadeiramente existirem como humanos. Ora, os seres vivos de hoje têm um pedigree totalmente diferente: eles fizeram a si mesmos, negociando pouco a pouco, graças à sua interconexão, as condições de habitabilidade que se tornaram favoráveis. Foram eles que produziram o ambiente, incluindo o solo e a atmosfera.
“Fugir” da sua influência, portanto, não faz sentido; daria no mesmo não existir totalmente. Eles não pertencem à natureza (semiconceito cuja outra metade, obviamente, é a cultura).
Eles são o mundo que eles se deram e no qual nós, os humanos, estamos literalmente envolvidos. Nesse sentido, a “imanência” não é mais uma direção cujo contrário seria a “transcendência”. O mundo dos seres vivos também é “transcendente” na medida do possível, no sentido muito concreto de que as suas interações “vão além” constantemente de si mesmas.
Todos os dias descobrimos a potência e a fragilidade das suas “ultrapassagens”, mesmo naquela trágica experiência resumida pelo termo atualmente bem conhecido de “antropoceno”. É essa transcendência tão peculiar que era descrita com tanta precisão no célebre cântico de São Francisco de Assis, com o qual o santo celebrava não apenas “sora Luna” [irmã Lua] e “frate Vento” [irmão Vento], mas também “sora nostra matre terra” [nossa irmã a mãe terra] e, enfim, “sora nostra morte corporale” [nossa irmã a morte corporal].
Há uma estranha familiaridade entre o Novo Regime Climático e a encarnação. A crise ecológica prolonga a própria direção que a encarnação já havia designado. A salvação dirige-se ao abaixamento, à kenosis.
Estão em questão os limites do antropocentrismo, limites que são entendidos tanto no tema clássico da dependência do ser humano em relação ao seu criador, quanto no tema atual da dependência do ser humano em relação aos seres vivos que constituíram, pouco a pouco, no decorrer da bilhões de anos, o mundo provisoriamente habitável no qual ele se inseriu.
Evidentemente, a superação do antropocentrismo era impossível enquanto a virada ecológica se associava a um “culto à natureza”. A contradição com a mensagem do Evangelho, assim como com a projeção cosmológica comum, parecia forte demais.
Mas, no fim das contas, a ecologia tem pouco a ver com a natureza, essa invenção do século XVII nascida para servir de marco para a transformação cosmológica da época. Hoje, não se trata mais de natureza, mas de cuidado dos seres de quem nós dependemos e que dependem de nós, e cujo destino nenhuma Lei superior regula de antemão.
A encarnação nos mergulha em uma história de interconexão com os seres vivos, cuja salvação já depende em grande parte dos atos de caridade que nós seremos capazes de não adiar mais, com a justificativa de “outro mundo”. É agora ou nunca mais. É aqui ou em nenhum outro lugar.
Se os cristãos perderem essa bifurcação, isso significaria que eles preferem manter a projeção cosmológica a que estão acostumados e sacrificar a mensagem do Evangelho que, contudo, eles têm a tarefa de recuperar.
Não é apenas a natureza dos últimos três séculos que paralisa essa descida, esse abaixamento, essa kenosis; é também o medo mórbido do “paganismo”, como se, abraçando o cuidado da Terra, se acabasse “caindo” ao nível dos idólatras.
Ora, vale para o paganismo aquilo que foi dito sobre o céu: aquilo que havia sido um contraste necessário quando emergia a nova forma de veridição (aquilo que Jan Assmann, por essa razão, chama de contrarreligião em “Non avrai altro Dio. Il monoteismo e il linguaggio della violenza”, Ed. Il Mulino, 2007), na era moderna se tornou uma espécie de fantasma colonial, como o “bárbaro” dos tempos antigos. O paganismo existe apenas para os civilizadores e os modernizadores.
Mas aqueles que estão manchados com esse termo precederam em muito as contrarreligiões no cuidado do cosmos. Enquanto os povos autóctones, ainda há algumas décadas, se situavam no passado dos povos que marchavam unanimemente rumo ao progresso, eis que eles, em vez disso, se colocavam na nossa frente na busca de um cuidado do mundo que nós agora compartilhamos com eles.
Há em tudo isso uma antecedência das tradições religiosas que deveria ser objeto de um estudo tão importante quanto o que foi feito, desde o início do cristianismo, sobre a antecedência do povo eleito (aqui reside toda a importância daquele outro gesto profético do Papa Francisco quando, em outubro de 2019, pediu que os povos da Amazônia plantassem uma árvore no jardim do Vaticano).
Apesar de uma longa história de iconoclastia, a contrarreligião cristã não tem nenhuma razão de atacar as religiões cosmológicas que dependem de outros modelos de veridição e que visam a objetivos totalmente diferentes.
Querer a continuação do mundo não pode mais parecer hoje um erro ou uma culpa moral. De inimigos irredutíveis, os “pagãos” também se tornaram nossos irmãos na conservação da habitabilidade do mundo terreno.
Eis alguns pontos que me parecia importante lembrar para evidenciar a distância, já abissal, entre a pregação e a projeção cosmológica que lhe serviu de suporte provisório. Na dimensão escatológica do tempo ou do espaço, na noção de natureza, na oposição entre transcendência e imanência, na concepção dos seres vivos, na relação tão tensa entre religiões e contrarreligiões, pode-se medir até que ponto o Novo Regime Climático bate de frente com a projeção cosmológica comum que, grosso modo, havia se estabilizado nos séculos XIX e XX.
Em muitos aspectos, a mudança atual se assemelha, em tamanho, senão também em conteúdo, à do século XVII, quando as almas religiosas foram forçadas a absorver a nova concepção cosmológica ligada a um certo Grande Relato da Natureza conhecida pela ciência.
Isso absolutamente não significa que as novas ciências do sistema-terra finalmente ofereçam o marco ideal para hospedar a sua pregação, como se fosse necessário novamente, uma segunda vez, adaptar a mensagem às verdades dos estudiosos. O fato é simplesmente que o choque que as ciências da terra causam à compreensão do mundo e, em particular, à noção de natureza abre um espaço imprevisto no qual as questões clássicas da teologia podem respirar mais facilmente sem serem constantemente forçadas a se defender contra o “materialismo”.
Todo o interesse pela atual epidemia da Covid está em assumir, em relação a essas problemáticas, o papel de uma mosca, de um mosquito ou de uma vespa, para nos lembrarmos constantemente de que, decisivamente, mais uma vez, mudamos o mundo e que já é hora de nos darmos conta disso.
Como não posso tirar lições de teologia a partir dessas considerações provavelmente emaranhadas demais, gostaria de lhes propor um enigma, reutilizando uma imagem bem conhecida, a do Jardim do Éden.
O que mudaria na mensagem do Evangelho se levantássemos a hipótese de que o Deus dos cristãos havia chegado a um jardim há já muito tempo, um jardim luxuriante, que havia se formado, ao longo de bilhões de anos, graças à interconexão de seres vivos capazes de dar uns aos outros, sem o quererem nem procurarem, condições de habitabilidade que asseguram, para o bem ou para o mal, o prolongamento da sua aventura?
Esse jardim simboliza a antecedência dos seres vivos e a questão-chave das condições de habitabilidade que eles próprios criaram. É nesse jardim rico e fértil que foi plantada uma árvore, uma árvore entre outras, chamada do conhecimento do bem e do mal.
Tal conhecimento acrescenta às outras formas de veridição uma novidade capital, a dos fins últimos, da salvação e do próximo, em ruptura com todo pertencimento. Os próximos salvos por essa forma tão nova de conhecimento formam um povo, um dentre outros, misturado a eles. A história desse povo não resume nem abrange a de todos os outros. Mas seguramente se soma a eles.
A questão, consequentemente, é saber se esse povo destrói o jardim do qual de fato se exclui, como quem serra o galho em que está sentado (reconhece-se a antiga figura da queda e da expulsão), ou se, pelo contrário, é capaz de fazer proliferar novas variantes, novas espécies, novas culturas, que enriquecem a sua diversidade e asseguram a sua continuidade no tempo.
Uma árvore entre muitas outras, uma variedade de verdades entre outras, certamente indispensáveis, uma vez plantada, mas sem o privilégio de resumir definitivamente todas as outras. Um evento fundamental, certamente, mas que não poderia alimentar uma ambição hegemônica qualquer.
A questão que eu gostaria de levantar, portanto, é muito simples: um sistema desse tipo tornaria a mensagem novamente audível para quem não tem mais nenhuma chave para decifrar as projeções cosmológicas que a explicitam hoje?
Portanto, eu tentei conectar as duas preocupações que eu havia resumido no início: o sentimento vivo da mudança ecológica em curso e o desânimo diante da impotência em que me encontro ao compartilhar a mensagem com o meu próximo.