07 Dezembro 2017
Francisco recebeu na privacidade da sua casa no Vaticano, a Residência Santa Marta, os parentes de Santiago Maldonado, o jovem que se tornou o emblema da luta pelos direitos indígenas e cuja história abriu um acalorado debate nacional na Argentina.
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada por Vatican Insider, 06-12-2017. A tradução é de André Langer.
“Francisco está acompanhando de perto o pedido de verdade e justiça para Santiago Maldonado”. Quem garante isso com convicção é Andrea Antico, enquanto segura uma imagem do jovem. Ela é a esposa de Sergio, irmão do artesão que se tornou o emblema da luta pelos direitos do povo mapuche na Argentina. Ambos, com a mãe dele, Stella Maris Pelloso, foram recebidos nesta quarta-feira pelo Papa na Casa Santa Marta do Vaticano. Um encontro próximo, que durou mais de uma hora. Um encontro que “não teve um tom político, mas espiritual”.
“Foi muito afetuoso e carinhoso. Emocionante, muito lindo; não pensei que ele iria me afetar tanto”, disse Sergio, visivelmente emocionado. Apenas alguns minutos antes ele tinha deixado uma pequena sala na residência papal, onde conversou com Jorge Mario Bergoglio. No lado de fora, esperavam-no os jornalistas.
Ele confessou que, em vez de falar, o pontífice queria ouvir os três. “Nós lhe contamos tudo o que aconteceu com Santiago. Minha mãe lhe contou quem ele era, o que havia feito, parte da nossa vida, em um resumo de uma hora e 15 minutos”, continuou Sergio.
Ao seu lado, sua esposa Andrea, destacou que na conversa ficou claro o acompanhamento do líder católico. “Nós lhe contamos como foram esses quatro meses desde que tudo começou, com o desaparecimento de Santiago. Ele nos acompanha nesse pedido que a família tem pela verdade e pela justiça; isso ficou muito claro”, precisou.
Essa proximidade é, acima de tudo, humana e espiritual. Não se falou de possíveis ações a serem realizadas pelo Papa. Nem se entrou em detalhes sobre o conflito mapuche no sul da Argentina, pelo qual Santiago Maldonado protestou quando, depois de um despejo, desapareceu. Isso aconteceu no dia 1º de agosto passado. Sua imagem e a reivindicação de seu aparecimento com vida transformaram-se em emblema, em um país dividido e confrontado.
Antico afirmou que Francisco está preocupado não apenas com o caso de Santiago, mas também com outro jovem morto durante um protesto: Rafael Nahuel. “Ele está preocupado com a situação que tivemos que passar e dissemos a ele que: tomara que não aconteça com mais ninguém o que aconteceu com a nossa família”, explicou a mulher.
Na conversa falou-se sobre a causa judicial que tenta esclarecer a morte de Maldonado. Mas isso ocupou uma pequena parte da conversa. O resto correu por caminhos humanos. “É muito estranho, saímos dali aliviados. O fato de estar com ele é inexplicável; nunca pensei que algo como isso fosse nos acontecer. É difícil dizer com palavras. Espiritualmente, me fez bem”, insistiu Sergio.
Ele confessou que, por conta da morte do seu irmão, sentiu a necessidade de voltar a crer. Quando era menino, frequentava uma escola católica, mas depois se afastou da Igreja. Seu encontro com Francisco reforçou seu caminho de volta à fé. “Não é que eu me tornei católico, nunca deixei de sê-lo”, esclareceu.
Ele afirmou que o Papa está informado sobre tudo o que acontece na Argentina e, por isso, não era necessário falar sobre a realidade social ou política. Disse que ele “é muito comedido com as palavras” e “fala o que deve falar”. Por isso, quem falou mais foi Sergio. “Falei com ele como com um confessor, mas deu palavras muito calorosas e algumas coisas que permanecem na nossa privacidade”, disse.
Ele esperava que a conversa com Bergoglio servisse para que o governo argentino “reconsidere um pouco as coisas, e a sociedade também”. Porque, continuou, “nós não somos contra um governo porque queremos, mas porque mataram Santiago”. A reivindicação, destacou, “não é partidária”.
“Nós vamos continuar a exigir a verdade e a justiça sempre. Até que tudo seja esclarecido. Se em dois anos, seis ou 10, quando este governo tiver terminado e outro partido esteja no poder, caso for preciso, continuaremos a bater na porta até que tudo seja esclarecido. Não é que tenhamos uma bandeira política nisso, a reivindicação vai além disso”, disse.
Sobre o gesto de Francisco, Sergio apontou: “O fato de ele nos tenha recebido é algo sério. Pois há pessoas que são contra a reivindicação que estamos fazendo e que devem tomar consciência e colocar o desaparecimento seguido de morte acima de questões políticas”.
Andrea Antico, por sua vez, insistiu: “O Papa não assume um lado. A quem ele acompanha? A figura do Papa, na Igreja católica, está sempre do lado dos mais humildes e fracos. Essa também é uma mensagem”.
A família Maldonado chegou a Roma convidada pela Più Libri, Più Liberi (Mais livros, mais livres), a feira das editoras alternativas mais importantes da Itália e que este ano foi dedicada à questão dos direitos humanos. A organização encarregou-se de pagar as passagens dos três. Sergio irá falar no dia 10 de dezembro no painel “Quando esquecer é impossível: os desaparecidos argentinos e as verdades esquecidas”, ao lado da referência das Mães da Praça de Maio Linha Fundadora, Taty Almeida, que foi recebida pelo Papa na última segunda-feira.
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Argentina. Maldonado: “O Papa acompanha o pedido de verdade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU