05 Dezembro 2017
Moira Millán, referência da comunidade Pillán Mahuiza, de Chubut (Puelmapu), é sem dúvida um dos rostos mais conhecidos em nível internacional da comunidade mapuche. Fugindo das ameaças, no mês passado, percorreu a Europa para informar sobre o povo mapuche e sua resistência. Aproveitamos sua presença em Bilbao, em Ekoetxea, para conversar com ela.
A entrevista é de Alvaro Hilario, publicada por Rebelión, 04-12-2017. A tradução é do Cepat.
Poderia explicar, em poucas palavras, qual é a situação atual da nação mapuche?
O território mapuche se denomina Wallmapu. O lado oeste, sob administração chilena, é o Gulumapu; e o que se encontra sob administração argentina, ao leste, é o Puelmapu. Em conjunto, os que povoam estes territórios somam pouco mais de 4 milhões de mapuches. Talvez sejam mais, mas falamos de gente que se autodefine como mapuche: na província de Chubut, de onde eu venho, o último censo levantou 60% de autoafirmação identitária mapuche.
O Wallmapu vai do centro-sul da província de Buenos Aires, sul de Mendoza, sul de Santa Fé até a província de Santa Cruz. Por conta da repressão, espalhamo-nos até lá. Este território estrutura 60% da economia argentina e chilena. Nele há gás, petróleo, minerais e, algo muito importante, há água. A água faz de Wallmapu um território especialmente estratégico.
A situação é muito grave porque, além da presença de transnacionais – a maioria de origem europeia – espoliando o território, também existe, a partir dos latifúndios, a formação de uma espécie de novos estados feudais pós-modernos. São multimilionários, latifundiários, que compram muitíssimos hectares - como (Luciano) Benetton, que tem 1,9 milhão de hectares - e financiam a repressão. Tem o Exército e a Guarda como servis guardiões de suas posses. Possuem seus helicópteros e fecharam uma infinidade de caminhos. Lewis, ex-dono da cadeia Hard Rock Café, por exemplo, cercou sua estância deixando isolado, dentro de suas terras, o Lago Escondido. Não se pode chegar até o mesmo; é preciso fazer isto a pé, e o caminho, de 40 km, está fechado.
Tudo isto está ocorrendo em uma realidade onde as comunidades estão dispersas fisicamente. A Patagônia é imensa. Há meia pessoa por quilômetro quadrado, o que a torna um lugar conveniente para a formação de latifúndios.
Parece ter aumentado a repressão em Puelmapu, com a adoção das mesmas modalidades que se observam, há tempo, do lado oeste da cordilheira...
As mineradoras e madeireiras que operavam em Gulumapu percebem que há uma estrutura prejudicial para sua ancoragem naquelas terras. Nosso povo realiza ações de autoproteção, de defesa do território, sabotagens. O incêndio de caminhões e maquinaria, golpes efetivos e certeiros contra seu capital, lhes preocupa muitíssimo. Precisam contratar segurança particular para cuidar dos caminhões com os quais depredam a mata, e isto é um gasto adicional. Na medida em que o cenário da resistência mapuche contra as transnacionais se torna mais complexo, a produção vai se encarecendo. Sendo assim, decidem se mudar para uma região com os mesmos recursos, e aí tem Puelmapu. E vão com as garantias de que em sua nova localização não ocorrerão conflitos sociais.
Em Puelmapu, conseguiu-se articular com o povo argentino. A luta contra a mineração em Esquel (Chubut) conseguiu frear o avanço da mineração na cordilheira, porque as comunidades mapuche articularam sua luta com outras organizações de base, especialmente, com vizinhos autoconvocados. A partir desta resistência, cresceram as assembleias de cidadania autoconvocadas, centradas na problemática ambiental, em todo o Estado argentino. Isto preocupa as transnacionais e o governo.
Em Puelmapu o povo mapuche tem uma ferramenta legal que o restante do povo argentino não tem: a Convenção 169 da OIT [Organização Internacional do Trabalho] e o artigo 75 da Constituição argentina. Graças a estes dois suportes legais, foram apresentados muitos amparos para deter o avanço mineiro, as represas, o fracking. Sendo assim, a “corporocracia” necessita que o Estado argentino retire, anule essas garantias legais. E para isso precisa criar um cenário favorável que justifique a aplicação da nova lei antiterrorista; precisa convencer a população de que somos terroristas. Por isso, criam um inimigo interno, que é o povo mapuche. Valem-se dos irmãos (Jones Huala) que recuperam legitimamente terras usurpadas por Benetton: assediam e reprimem estes, diante da indiferença social e o tremendo racismo que existe na Argentina. A Argentina é a Europa sul-americana, é a branca da Indoamérica, que não quer assumir a quantidade de povos que a formam. A Argentina invadiu o território de mais de 40 nações originárias; na atualidade, existem 36. Desse modo, o Estado argentino lança uma campanha midiática de demonização do povo mapuche.
Na província de Chubut há 145 mapuches desaparecidos. Santiago Maldonado não foi o primeiro. Um dos casos mais emblemáticos que denunciamos é o de Luciano González. Desapareceu no dia 8 de março de 2009, durante uma operação muito violenta de invasão. Vinha de uma comunidade muito pobre, foi torturado e assassinado. Ninguém marchou por ele.
A repressão só se torna visível quando atinge brancos, como Elena Varela e Santiago Maldonado?
Sim. Santiago Maldonado foi se solidarizar com a causa pela liberdade do lonko Facundo Jones Huala, na comunidade mapuche Pu Lof em Resistência, de Cushamen, que são aqueles que realizaram o bloqueio de estrada, violentamente reprimido e no qual Santiago desapareceu. Daí aparece para a sociedade argentina, porque Santiago Maldonado era um jovem branco, sua família vem do epicentro da região sojeira, 25 de Maio, seu irmão é empresário... Tudo isto fez com que a sociedade argentina pensasse que poderia ter ocorrido com qualquer um deles. A luta começa a transcender a dor e a cor da pele do povo mapuche, começa a tocar o povo argentino, que se vê remetido a fatos da última ditadura militar.
Também há setores que querem abstrair o desaparecimento de Santiago da luta mapuche. Outros, diretamente, culpam as vítimas, questionando Santiago, sua família e os mapuches. E há um terceiro setor que, solidariamente, começa a descobrir que há mapuches na Argentina, que algo está acontecendo na Patagônia, que há interesses multimilionários em nosso território, que são a origem do conflito. O povo mapuche não luta pela propriedade da terra, mas, sim, por um modo de vida na terra. Esse modo está em harmonia com a natureza, em reciprocidade com os povos; e essa lógica, é claro, não se encaixa dentro do sistema, dos valores da matriz civilizatória.
O que ocorreu não foi só o desaparecimento de Santiago Maldonado e com ele a tentativa de fazer desaparecer a solidariedade dos povos, mas, sim, a tentativa de fazer desaparecer a luta do povo mapuche. Não se pode mostrar a ideologia que alimenta essa luta, que nutre de esperança a esse povo, porque essa esperança também pode chegar a você. Trata-se de uma esperança que abraça o planeta, porque estamos apresentando uma nova matriz civilizatória, a constituição de uma nova sociedade, de uma nova humanidade que repense a forma de viver e recupere a arte de habitar que tínhamos outrora. É, então, uma luta revolucionária sumamente estruturada.
Que desafios vocês enfrentam a curto prazo?
Queremos a imediata liberdade do lonko Facundo Jones Huala, o cessar da repressão. Eu estou na Europa porque estão me ameaçando de morte: torturaram, sacrificaram e penduraram na porta de minha casa uma raposa, ressaltando que o cadáver seguinte será o meu. Mensagens mafiosas que revelam a impunidade com que atuam. Sabemos que aqueles que nos ameaçam, agora, são a própria Guarda e a Polícia, com o consentimento do governo. Sendo assim, estamos em alerta, pedindo solidariedade, também pedindo ao povo argentino por minha segurança, já que não temos nenhuma instância a qual recorrer.
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Argentina. “O povo mapuche não luta pela propriedade da terra, mas, sim, por um modo de vida na terra”. Entrevista com a líder mapuche Moira Millán - Instituto Humanitas Unisinos - IHU