12 Setembro 2025
"Há uma guerra civil, e Donald Trump está cultivando a violência”. Os EUA criou esse clima com sua retórica, com sua rejeição às eleições legítimas, ao perdoar aqueles que atacaram a polícia e os legisladores.
Jonathan Safran Foer faz um alerta verdadeiramente assustador: "Já estamos em uma espécie de guerra civil fria, uma corrosão da confiança, da empatia e da capacidade de imaginar a humanidade daqueles que discordam de nós." Segundo o autor de "Everything Is Illuminated", que abordou a maldade absoluta do Holocausto, as causas são profundas e a responsabilidade é compartilhada, mas "Trump cultiva a violência há anos".
A entrevista é de Paolo Mastrolilli, publicada por La Repubblica, 12-09-2025.
Jonathan Safran Foer é um escritor americano, conhecido pelos seus romances Tudo se ilumina (Rocco, 2002) e Extremamente alto e incrivelmente perto (2005) [1]. Em 2009, publicou a sua primeira obra de não ficção, intitulada Comer Animais.
Eis a entrevista.
Como avalia o assassinato de Charlie Kirk e quais são as causas da violência política nos Estados Unidos, que está ocorrendo em ambos os lados do espectro político e tendo como alvo ambos os partidos?
O que aconteceu ontem foi trágico, mas não imprevisível. Os Estados Unidos cultivam essa possibilidade há anos, tolerando o aumento da desigualdade, permitindo que teorias da conspiração se espalhem e tratando a política como entretenimento, em vez da tarefa séria de governar. A violência surge quando figuras poderosas dizem às pessoas que sua raiva é justificada e que seus oponentes são inimigos, e não concidadãos.
Em seu discurso na quarta-feira à noite, Trump afirmou que a esquerda radical é responsável pela violência política. Isso é verdade, considerando que ele justificou o ataque ao Congresso e perdoou os envolvidos, mesmo tendo sido condenados por atos criminosos, como agredir policiais?
Trump cultiva a violência há anos: com sua retórica, com sua recusa em aceitar eleições legítimas, com seu perdão àqueles que atacaram a polícia e ameaçaram legisladores. Declarar a esquerda a única responsável é absurdo. É gaslighting, ou seja, uma manipulação e deturpação da realidade. E é perigoso, porque convence seus apoiadores de que violência é patriotismo. A democracia não pode sobreviver se a própria verdade estiver constantemente em debate.
Em um discurso, Charlie Kirk disse: "Acho que vale a pena o custo, infelizmente, de algumas mortes por arma de fogo todos os anos, para que possamos ter a Segunda Emenda da Constituição para proteger nossos outros direitos dados por Deus". Vale realmente a pena sofrer essas baixas ou existe uma maneira diferente de proteger nossos outros direitos?
O que me choca não é apenas o cinismo da observação, mas a facilidade com que aceita crianças mortas como danos colaterais. Isso é falência moral. Direitos existem para proteger a vida, não para sacrificá-la. Dizer "Algumas mortes valem a pena" é admitir que perdemos a noção do que significa liberdade. Liberdade é o direito de viver sem medo, na escola, na igreja, no supermercado. Os Estados Unidos foram capturados e mantidos reféns por uma indústria de armas que lucra com o medo e por políticos que transformam esse medo em votos. A Segunda Emenda tornou-se um escudo para a ganância. Não, as mortes não valem a pena. São tragédias obscenas e evitáveis.
Você vê o risco de uma guerra civil política ou de um agravamento geral da violência política, dadas as vozes que clamam por vingança e os poucos que ainda tentam dialogar com o outro lado?
Não acredito que os Estados Unidos estejam à beira de uma nova guerra civil no sentido daquela travada no século XIX. Mas já estamos em uma espécie de guerra civil fria, uma corrosão da confiança, da empatia, da capacidade de imaginar a humanidade daqueles que discordam de nós. Isso já é perigoso o suficiente. A violência não requer exércitos; requer apenas vizinhos que parem de acreditar uns nos outros. O perigo reside não apenas nas fantasias de vingança das periferias, mas no esgotamento do centro, em pessoas que desistem do diálogo por parecer fútil. Esse esgotamento cria um vácuo, e esses vácuos tendem a ser preenchidos por extremistas.
Que soluções sugere para essa crise, tanto politicamente quanto em relação à profunda divisão cultural que aflige os Estados Unidos há décadas?
Politicamente, precisamos de reformas que façam as pessoas sentirem que suas vozes importam: reforma no financiamento de campanhas, proteção ao voto, limites à manipulação eleitoral, uma economia mais justa. Culturalmente, precisamos resgatar o senso de história compartilhada. Os Estados Unidos sempre se autoinventaram mitos, às vezes perigosos, às vezes inspiradores. Precisamos de novas narrativas que nos façam sentir parte de um "nós" maior. Finalmente, em um nível mais especificamente humano, devemos praticar a escuta como um dever cívico. Não concordar, mas compreender. Pode parecer insignificante, mas cultura é o acúmulo de pequenos gestos. A violência é contagiosa, mas a empatia também. Se pudermos tornar a empatia um pouco mais forte, mais visível, mais habitual, então a vida política eventualmente seguirá o exemplo.
Leia mais
- “Testemunhamos uma guerra civil contra os direitos coletivos”. Entrevista com Pierre Dardot
- Pierre Dardot e Christian Laval. Artigo de Youness Bousenna
- “O neoliberalismo é um totalitarismo invertido”. Entrevista com Alain Caillé
- “A verdadeira face do neoliberalismo é a do Estado que se tornou fiador dos bancos”. Entrevista com Pierre Dardot
- “A subjetivação neoliberal leva ao medo da democracia radical”. O Chile visto por Pierre Dardot
- Anatomia do novo neoliberalismo. Artigo de Pierre Dardot e Christian Laval
- No tecnofascismo contemporâneo, o neoliberalismo é um ponto de partida, não de chegada. Entrevista especial com Felipe Fortes
- O que o neoliberalismo já não explica: sobre cegueiras conceituais, lutas em curso e a necessidade da reinvenção democrática. Artigo de Felipe Fortes
- Entre a extrema-direita e o conservadorismo radicalizado. Entrevista com Natascha Strobl
- “Milei é um populista de extrema direita, um louco ideológico”. Entrevista com Federico Finchelstein
- A ascensão da extrema direita. Artigo de Alejandro Pérez Polo
- Esquerda deve ter estratégias de comunicação para vencer extrema direita, diz pesquisadora
- Intelectuais alertam sobre o avanço da extrema direita
- Argentina. Mudança: consequências e questões. Artigo de Washington Uranga
- Um fascismo renovado percorre a Europa
- Um desafio para a Europa: Giorgia Meloni e seu partido de extrema-direita, Fratelli D’Italia
- O mapa mundi se povoou de ultradireitistas. De Le Pen e Salvini na Europa, passando por Duterte, nas Filipinas, até Bolsonaro, no Brasil
- “O neoliberalismo é um modo de totalitarismo”. A psicanalista Nora Merlin e o novo paradigma político