"Francisco - nome de vento, de flor, de estrada empoeirada - não foi apenas um papa. Foi clarão no meio da noite, chama acesa na soleira da Igreja, sussurro de Deus entre os homens."
O artigo é de Mauro Nascimento, doutorando em Filosofia na USP.
O mundo amanheceu em silêncio.
Como se os sinos tivessem sido tocados pelo próprio vento, anunciando não o fim, mas uma passagem. O velho pescador de almas, vindo das margens do sul do mundo, despediu-se sem alarde, como quem retorna à casa depois de uma longa travessia.
Francisco - nome de vento, de flor, de estrada empoeirada - não foi apenas um papa. Foi clarão no meio da noite, chama acesa na soleira da Igreja, sussurro de Deus entre os homens. Profeta não por gritar, mas por escutar. Não por possuir respostas, mas por se curvar diante do mistério e perguntar com o povo: "Senhor, por onde andarás hoje?"
Seu coração batia no ritmo dos pobres, e seus pés conheciam a poeira das ruas. Ele não reinou - caminhou. Não se escondeu no palácio - assentou-se no chão das esperas humanas. Fez da Igreja uma tenda aberta, mesmo quando ventos contrários sopravam em seu rosto envelhecido pela ternura.
Francisco sabia silenciar.
E no seu silêncio havia oração.
E na oração, resistência.
E na resistência, amor.
Denunciou com coragem os vendilhões de esperanças, os muros erguidos contra os migrantes, as mãos que abençoam apenas os que já estão sentados à mesa. Gritou com o gesto, mais do que com a voz: "A Igreja, se não se sujar de mundo, não é Igreja de Cristo."
E então ele se foi.
Na segunda-feira da Páscoa, quando ainda ecoava a pedra rolada do túmulo, ele cruzou a porta do céu como um peregrino cansado, mas feliz.
Morreu no tempo da esperança.
Partiu no tempo das promessas.
E agora? - pergunta o povo que ficou.
O que será da barca sem o seu timoneiro?
Será que os ventos da reforma continuarão a soprar, ou retornaremos ao porto seguro das certezas rígidas?
Não sabemos. E nem precisamos saber.
Pois o Espírito sopra onde quer. E foi o próprio Francisco quem nos ensinou: o Evangelho é uma dança entre o céu e a terra, e às vezes é preciso desaprender os passos antigos para dançar a música nova de Deus.
Que venha o novo tempo.
Que os cardeais, jardineiros do mistério, colham no jardim da Igreja um novo nome.
Mas que a semente deixada por Francisco - feita de escuta, coragem e misericórdia - siga brotando, mesmo no solo seco dos corações fechados.
O profeta partiu.
Mas o sopro permanece.