26 Março 2025
"A alegria pela alta hospitalar não pode esconder a complexidade da situação que se criou", escreve Andrea Grillo, teólogo italiano, em artigo publicado por 'Come se non', 25-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ver o papa voltar para casa alegra o coração. O fato, porém, foi acompanhado de palavras oficiais que não parecem estar totalmente de acordo com a realidade. É por isso que uma reflexão serena sobre o que pode acontecer agora parece plausível, se não urgente.
Os comunicados nos asseguram que o papa agora poderá trabalhar. O homem que vimos no domingo, olhando da sacada do Gemelli, pode estar recebendo tratamento, ser assistido e acompanhado, mas certamente não pode trabalhar. A insistência das mensagens sobre seu trabalho é singularmente dissonante com a realidade. A pergunta que surge parece urgente: ele trabalha ou outros trabalham por ele? Aqui é necessária uma lucidez não retórica, para o bem do papa e do papado. Há, na comunicação desses dias, uma espécie de encobrimento das condições pessoais no plano do exercício do cargo. Se, como dizem muitas das palavras proferidas por seus colaboradores, ele tiver que reaprender a falar por causa da fadiga produzida pelo longo problema respiratório, em um caso tão grave, o tratamento e o trabalho não podem de forma alguma se sobrepor. Nenhuma pessoa doente, que tenha estado tão enferma, pode ser objeto de comentários apenas com relação ao seu trabalho. Aqui, parece-me, o registro “de ofício” e o registro “de tratamento” não conseguem se sintonizar e desfiguram a realidade.
Poderíamos dizer que a “reserva masculina” só consegue falar sobre o trabalho: justifica o homem que sai do hospital como um José trabalhador, não como um sonhador ou um homem justo. Por outro lado, não seria descabido perguntar: mas se para se curar não deve trabalhar, como poderia se abster de exercer seu ofício? Não se deve falar disso? É preciso fingir uma saúde que não existe para garantir um trabalho que não pode ser suspenso?
O papa volta para casa. Muito bem. Podemos até comemorar por isso. Mas não se deve esquecer que, para o Papa Francisco, a palavra “casa” significa Santa Marta, não o Palácio Apostólico. Essa diferença parece ausente nos comentários oficiais. O oficialismo tende a esquecer que foi uma escolha qualificada para o Papa Francisco distinguir sua residência de seu Escritório. Voltar para casa não significa, portanto, voltar ao trabalho. É justamente o fato de Francisco ter quisto “um quarto só seu” deveria permitir discernir, com precisão, a saída do hospital do retorno ao trabalho. É exatamente essa “lacuna”, que Francisco quis fixar imediatamente, desde o primeiro dia após a sua eleição, tomando residência na Casa Santa Marta, que permite identificar melhor as perspectivas de reflexão futura, que não são de modo algum lineares.
Nas declarações oficiais, retomadas em diferentes níveis da hierarquia, parece que toda memória dos últimos 25 anos foi cuidadosamente apagada. O fim do pontificado de João Paulo II viveu momentos tão graves, na gestão institucional de uma condição frágil da saúde do papa, que seu sucessor, Bento XVI, renunciou para não entrar no túnel de um pontificado com um pontífice fisicamente fraco demais, com extrema dificuldade para exercer plenamente sua autoridade.
Embora sejam dois casos diferentes e resolvidos de maneiras opostas, essa memória eclesial não pode ser apagada e não deve ser mistificada com declarações fáceis demais, simples demais, idealizadas demais. A alegria pela alta hospitalar não pode esconder a complexidade da situação que se criou. A lucidez com a qual o Papa Francisco assumirá plenamente a condição de saúde após a grave pneumonia bilateral, com as margens de recuperação possíveis para um homem de 88 anos, poderá permitir conciliar plenamente os deveres do Ofício e o tratamento da pessoa. Freud dizia que o homem maduro sabe amar e trabalhar: mas há casos limites em que não é mais possível combinar trabalho e amor. Tomar ciência disso seria talvez o ato de maior lucidez possível, se e quando tal caso viesse a se tornar evidente e se impor tanto às decisões pessoais quanto às lógicas institucionais, para evitar entrar em um regime de perigosas mistificações.