Compreendendo o nosso tempo. A contribuição das mulheres para a filosofia política. Artigo de Márcia Rosane Junges

Foto: Reprodução/Revista CULT

Por: Márcia Junges | 06 Março 2025

"...", escreve Márcia Rosane Junges, professora da graduação em Filosofia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

Eis o artigo.

A filosofia política, enquanto campo de reflexão sobre as estruturas e dinâmicas do poder, do Estado, da justiça e da liberdade, tem sido predominantemente dominada por vozes masculinas ao longo da história. No entanto, nas últimas décadas, uma transformação significativa tem ocorrido nesse campo, com a contribuição crescente de filósofas que, ao mesmo tempo que analisam as condições políticas de seus tempos, também questionam as próprias bases que sustentam as tradicionais teorias políticas. Nomes como Hanna Arendt, Judith Butler e várias teóricas feministas, têm sido fundamentais para repensar a política a partir de novas perspectivas, desafiando as ideias convencionais sobre a autoridade, o poder, a liberdade e a identidade. 

Hanna Arendt e a crítica ao totalitarismo

Hanna Arendt, uma das pensadoras mais influentes do século XX, oferece uma contribuição central para a compreensão do nosso tempo e da filosofia política. Arendt, em obras como A Condição Humana e Os Origens do Totalitarismo, aborda a política a partir da ação humana, do espaço público e da capacidade de julgar. Sua visão política está profundamente preocupada com os riscos do totalitarismo e da perda da liberdade, que, segundo ela, ocorrem quando o espaço público se esvai, quando a ação coletiva é silenciada e o indivíduo se torna passivo.

Em sua análise do totalitarismo, Arendt destaca a importância da pluralidade e da ação no espaço público como condições fundamentais para a liberdade política. Para ela, a política verdadeira não se resume ao exercício do poder pelo Estado ou à imposição de uma verdade universal, mas à criação de um espaço onde os indivíduos, em sua diversidade e pluralidade, possam expressar suas visões, seus desejos e sua ação no mundo. Ao colocar a ênfase na ação, ela questiona a teoria política tradicional, que geralmente subestima a importância da liberdade prática e da interação humana.

Além disso, Arendt também foi uma pensadora crítica da teoria política tradicionalmente dominada por um ponto de vista masculino, que frequentemente negligenciava o papel das mulheres nas esferas públicas e políticas. Sua ênfase na ação e na participação no espaço público, de certa forma, abre um campo para revisitar a questão da igualdade de gênero nas práticas políticas e no pensamento filosófico, propondo uma redefinição do que significa ser político.

Judith Butler e a performatividade do gênero

Judith Butler, filósofa e teórica queer, também oferece uma crítica fundamental à filosofia política contemporânea ao questionar as normas sociais e políticas que regulam o comportamento e a identidade. Em seu trabalho mais conhecido, Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade, Butler propõe que o gênero não é algo dado ou natural, mas uma construção social e performativa. Segundo ela, o que entendemos por "homem" ou "mulher" é produto de uma repetição contínua de gestos e comportamentos que são socialmente regulados e esperados.

Butler aplica sua teoria da performatividade do gênero à política ao argumentar que as estruturas de poder não apenas impõem identidades fixas, mas também moldam as formas de ação e de resistência. Ao questionar as categorias tradicionais de identidade, ela expande o campo da filosofia política, que historicamente esteve centrado na política masculina e heteronormativa. Sua reflexão sobre o gênero e a sexualidade abre caminho para uma reconsideração das práticas políticas inclusivas, que reconhecem a pluralidade de experiências e identidades, além de desafiar as normas de poder que excluem e marginalizam.

Em um contexto político, o trabalho de Butler sugere que a política da identidade, ao invés de ser apenas uma luta por reconhecimento, deve também ser uma luta por desestabilizar as estruturas que impõem limites ao que é considerado normal e aceitável. Em outras palavras, a filosofia política precisa considerar as formas de subversão das normas e os processos de transformação das identidades, ampliando o conceito de "liberdade" para incluir a liberdade de ser e de se expressar de formas que não se enquadram nas categorias tradicionais.

O feminismo e a Filosofia Política

Além de Arendt e Butler, outras filósofas e teóricas feministas também desempenham um papel importante na reconfiguração da filosofia política. Filósofas como Simone de Beauvoir, Mary Wollstonecraft, bell hooks, Angela Davis e Kimberlé Crenshaw ampliaram o entendimento da política, muitas vezes focando na opressão das mulheres, das minorias de gênero e das populações marginalizadas.

Simone de Beauvoir, por exemplo, ao escrever O Segundo Sexo, criticou a construção da mulher como o "outro" em relação ao homem, um "outro" que é submisso e definido pelas relações de poder. Ela argumentou que as mulheres não nascem com uma natureza predeterminada, mas se tornam mulheres devido às estruturas sociais e históricas que as condicionam. Este ponto de vista oferece uma base crítica para a filosofia política, pois desafia a noção de uma política universal e imparcial, mostrando que a política está imersa em relações de poder e, muitas vezes, em desigualdades de gênero.

Bell hooks, por sua vez, discute a interseção entre raça, classe e gênero, argumentando que a luta por justiça e liberdade deve ser entendida de maneira holística, reconhecendo como essas categorias se entrelaçam na construção das identidades e das relações de poder. Para hooks, a verdadeira liberdade política só é alcançada quando a opressão de todas as formas de discriminação e violência é combatida de forma interseccional.

A relevância das mulheres na Filosofia Política

A contribuição das mulheres para a filosofia política não é apenas uma questão de representar uma perspectiva de gênero, mas também de expandir e desafiar as bases da própria teoria política. Pensadoras como Hanna Arendt, Judith Butler e as diversas filósofas feministas têm ajudado a repensar o papel do indivíduo e da ação política, destacando a importância da liberdade, da pluralidade e da interseccionalidade.

Essas filósofas oferecem insights fundamentais para compreendermos o nosso tempo, caracterizado por tensões políticas e sociais em torno da identidade, da igualdade e do poder. Sua obra continua a iluminar os caminhos para uma política mais inclusiva, justa e capaz de acolher a complexidade das experiências humanas, subvertendo as estruturas tradicionais de opressão e criando novas possibilidades de participação e de liberdade política para todos.

As conferencistas

Para debater a contribuição das mulheres para a filosofia política, duas pensadoras brasileiras partilharão suas reflexões no primeiro IHU Ideias de 2025.

Maria Cristina Müller é pós doutora em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás - UFG (2019). Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos - UFSCar (2010), cursou mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS (1998) e é graduada em Filosofia Licenciatura Plena pela Universidade de Passo Fundo - UPF (1995). É professora associada da Universidade Estadual de Londrina - UEL, onde atua no Departamento de Filosofia desde o ano de 2000; é docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UEL na Linha de Pesquisa Ética e Filosofia Política. Participa do Núcleo de Sustentação do GT Filosofia Política Contemporânea da ANPOF, onde foi coordenadora no biênio 2016 e 2018, além de fundadora e coordenadora do Grupo de Estudos Hannah Arendt UEL e coordenadora do Grupo de Pesquisa Hannah Arendt e a filosofia política contemporânea, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico - CNPq. Concentra suas pesquisas na área de Filosofia Política e Ética com ênfase nos estudos sobre Hannah Arendt. Desde 2018 incluiu nas suas investigações a temática acerca da presença da Mulher na Filosofia.

Adriana Delbó Lopes possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1997), mestrado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2000) e doutorado em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas (2006). Atualmente é professora associada III da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Filosofia, com ênfase em Filosofia Política, atuando principalmente nos seguintes temas: Nietzsche, Agamben, Foucault, Butler, filosofias afro-brasileiras, cultura, política, feminismo, ensino de Filosofia. 

Anote e participe!

 

IHU IdeiasCompreendendo o nosso tempo. A contribuição das mulheres para a filosofia política

Profa. Dra. Maria Cristina Müller – UEL

Profa. Dra. Adriana Delbó Lopes – UFG

06/03 | 17h30min às 19h

Transmissão ao vivo no YouTube, Facebook e página inicial do IHU.

Não é necessária inscrição para assistir à palestra.

Será fornecido certificado a todos(as) que fizerem a inscrição no site e no dia do evento assinarem a presença.

O evento ficará gravado no YouTube e Facebook e pode ser acessado a qualquer momento.

Inscrições e mais informações aqui.

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