14 Fevereiro 2025
"É fácil entender qual seria o resultado na frente da democracia – justamente entendida, como sempre se deveria dizer, como o governo do povo, pelo povo e para o povo – caso essas tendências viessem a se consolidar e difundir. O fato é que a democracia não pode se manter com a atual concentração de poder político, econômico e tecnológico nas mãos de poucos sujeitos", escreve o economista italiano Stefano Zamagni, presidente da Pontifícia Academia das Ciências do Vaticano e professor da Universidade de Bolonha, em artigo publicado por Corriere della Sera, 11-02-2025.
Muito já foi dito e continua a ser dito sobre as consequências geoeconômicas da nova presidência dos EUA. O que ainda falta é uma consideração adequada dos efeitos, tanto nas frentes políticas quanto éticas, dos eventos que se tornaram de domínio público nos últimos meses. Esses eventos, entretanto, têm raízes antigas que remontam à década de 1990. Não se deve, portanto, cair no erro de pensar que o fenômeno Trusk (Trump + Musk) seria uma espécie de relâmpago em céu sereno, algo inesperado.
Na verdade, nos últimos trinta anos, foi se afirmando uma postura dupla, a partir da Califórnia, entre os segmentos mais altos da escala social, em relação ao modelo de ordem social para o qual tende o mundo ocidental. Por um lado, aquela dos patriotas milionários e, por outro, aquela dos capitalistas woke. Trata-se de sujeitos que pertencem à categoria dos super-ricos. O lema dos primeiros é: “In tax we trust” (Confiamos nos impostos). Eles pedem aos governos que aumentem a pressão fiscal sobre eles (até 60% da renda auferida) para fornecer o que é necessário para financiar o bem-estar, com a condição de que sejam “deixados em paz” em suas atividades. Os segundos, por outro lado, consideram que, como a política democrática não está mais apta a atender às expectativas de bem-estar dos cidadãos e como as entidades do terceiro setor não têm a força, embora tenham vontade, para atender às necessidades, os ricos e super-ricos devem assumir a tarefa de substituir o Estado no cumprimento de suas tarefas de bem-estar, desde que não sejam sobrecarregados por um imposto fiscal sobre a renda acima de 15%.
O think tank dos capitalistas woke - um grupo que inclui pessoas como o atual vice-presidente dos EUA, J. D. Vance, C. Yarwin, D. Sacks e, mais recentemente, E. Musk - é o “Claremont Institute”, fundado pelos seguidores do filósofo ultraconservador Leo Strauss. Nunca se deve esquecer que a magnificência não é a mesma coisa que a munificência. A primeira significa transformar a riqueza privada em benefício público a fim de reivindicar a honra e o direito de governar. (Cosimo de' Medici salvou, sim, Florença da bancarrota, mas por meio de sua compra!) A segunda, por outro lado, refere-se ao conceito de dom como gratuidade.
Atualmente já são muitos os episódios que confirmam essa tendência. Basta pensar nas fundações de empresa e na nova filantropia, no marketing social e assim por diante. A ideia é estimular a filantropia a se tornar estratégica em vez de reativa, canalizando recursos de modo profissional para projetos que sejam sinérgicos com as próprias empresas e assim por diante. Isso tem como consequência que não se questionam os modos, ou seja, como a riqueza é obtida pelos grandes filantropos, porque o fim justifica os meios - mesmo que não se tenha coragem de admitir isso.
É fácil entender qual seria o resultado na frente da democracia – justamente entendida, como sempre se deveria dizer, como o governo do povo, pelo povo e para o povo – caso essas tendências viessem a se consolidar e difundir. O fato é que a democracia não pode se manter com a atual concentração de poder político, econômico e tecnológico nas mãos de poucos sujeitos. O novo capitalismo não precisa mais da democracia liberal para continuar a acumular lucros. E o grande risco é que as empresas se alinhem com o novo espírito dos tempos também na sustentabilidade, e se tornem o Estado, colocando uma hierarquia privada (a empresa) para realizar funções de interesse público. Isso é a desdemocratização da democracia. Dessa autêntica res nova, o mundo da intelectualidade e, especialmente, aqueles que se dedicam a investigar a realidade econômica e social deveriam tomar ciência, intervindo com mais força e independência. Recentemente, cerca de sessenta instituições acadêmicas e de pesquisa alemãs de Hessen abandonaram a plataforma social X. O motivo é a incompatibilidade entre os valores fundamentais das instituições acadêmicas e a nova orientação imposta por Musk à plataforma, cujo algoritmo é voltado para a desinformação e, acima de tudo, para a manipulação das mentes. Esta é uma batalha em que o mundo católico, mas não apenas ele, deveria se engajar. Assim como há oito séculos a Grã-Bretanha conseguiu introduzir o direito ao habeas corpus, hoje é necessário lutar para ver afirmado o habeas mentem, introduzindo na declaração universal dos direitos humanos o direito a não sofrer manipulações da mente, como a crescente massa de fake truths (não confundir com as fake news) vem fazendo.