O gritante silêncio da Casa Branca. Artigo de Frei Betto

Protestos na Bolívia. Foto: Agencia Boliviana de Información

08 Julho 2024

"Quem governa os EUA não é o titubeante Biden. É Wall Street e os interesses de lucros das grandes corporações do país. Essa gente está de olho nas riquezas minerais da Bolívia, estatizadas pelos governos de Evo Morales. Quer se apropriar do que pertence ao povo boliviano", escreve Frei Betto, escritor e educador popular, autor de Jesus rebelde (Vozes), entre outros livros.

Eis o artigo.

O que chamou atenção no frustrado golpe de Estado na Bolívia foi o clamoroso silêncio da Casa Branca. Tudo indica que, mais uma vez,  a embaixada estadunidense em La Paz estava por trás. Como estiveram as representações diplomáticas dos Estados Unidos em todos os golpes de Estado perpetrados na história da América Latina.

É bom lembrar que os militares golpistas – incluído o marechal Castello Branco, que derrubou pelas armas o governo democrático de João Goulart, em 1964 – foram formados nos EUA. A Casa Branca não raciocina em termos de democracia. Raciocina em função da plutocracia, vocábulo que deriva do grego “ploutos” (riqueza) e “kratos” (poder).

Quem governa os EUA não é o titubeante Biden. É Wall Street e os interesses de lucros das grandes corporações do país. Essa gente está de olho nas riquezas minerais da Bolívia, estatizadas pelos governos de Evo Morales. Quer se apropriar do que pertence ao povo boliviano.

O país, quarto produtor mundial de estanho, produz ainda ouro, prata, cobre, tungstênio, antimônio, zinco, ferro, chumbo e volfrâmio. Abriga a maior reserva de lítio do mundo. O Brasil importa da Bolívia gás natural, óleos crus de petróleo e óleo combustível.

Não se pode abrir a guarda. As tentativas de golpes no Brasil, em 8 de janeiro de 2023, cometida pela corja bolsonarista e, este ano, na Guatemala, no intuito de impedir a posse do presidente democraticamente eleito Bernardo Arévalo, comprovam que a democracia em nosso Continente é apenas uma expressão retórica, usada e abusada pela oligarquia para assegurar seus privilégios. Nela, em princípio, o poder político decorre do voto de cada eleitor; contudo, o poder econômico se concentra em mãos de uma minoria rica. Essa poderosa minoria controla os meios de comunicação e as instituições, inclusive as religiosas, de modo a induzir os eleitores a votarem segundo os interesses da elite.

Há que salientar algo irredutível enquanto perdurar o sistema capitalista: os interesses do capital estarão sempre acima dos direitos humanos. Nada que ameace a concentração de riquezas em mãos privadas será admitido. Por isso o capital privilegia investimentos em sua defesa, ainda que a humanidade clame por recursos urgentes para combater as causas da fome, dos fluxos migratórios, do desequilíbrio ambiental.

Em 2023, os gastos com armamentos no mundo somaram 2,4 trilhões de dólares. Para se ter uma ideia desse montante, o PIB do Brasil (soma de todos os bens e serviços produzidos no país) foi de 1,9 trilhão de dólares. Toda essa fortuna para matar pessoas, não para proteger vidas. Em nome da democracia e da liberdade.

Frente à objeção de que o socialismo não é alternativa há que considerar que todos os países socialistas foram e são duramente hostilizados pelos países capitalistas. Cuba que o diga! A heroica ilha do Caribe resiste ao criminoso bloqueio “made in USA” há 62 anos! Ora, se lá é o inferno e o socialismo o pior dos mundos, por que a Casa Branca impede que milhões de turistas a visitem para constatar as falsas acusações.

O mundo ocidental, sob as botas de Tio Sam, vocifera contra a invasão da Ucrânia pela Rússia e a anexação da Crimeia. E mantém pomposo silêncio frente à ocupação ianque de Porto Rico e a anexação, pelos EUA, da base naval de Guantánamo, em Cuba. O governo de Israel promove um genocídio à população civil de Gaza sob pretexto de combate ao terrorismo e o Ocidente se cala, apoiado pelo mundo árabe.

Quando chegaremos a ser humanos?

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