20 Abril 2024
Os protestos contra o governo israelense, as universidades de esquerda contra o governo Meloni, a arte de boicote e o boicote à arte mas, sobretudo, no fundo, a sombra do fator k, a eterna suspeita transversal em relação aos EUA. O cientista político Marco Tarchi, acadêmico e especialista em direita italiana, fala sobre isso com La Stampa.
A entrevista é de Francesca Paci, publicada por La Stampa, 18-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A questão palestina chegou à Bienal, onde o pavilhão israelense ficou fechado e o presidente Pietrangelo Buttafuoco teve que lembrar que a arte não boicota.
O que seria um debate saudável de política internacional, de Gaza à guerra global, corre o risco de se perder no "duplo padrão"?
Era de esperar, porque o caso israelense-palestino oferece uma oportunidade ideal para o relançamento ativista de uma ultraesquerda que, embora possa contar com uma ampla rede militante nas escolas e universidades, após o enfraquecimento das mobilizações anti-Tav havia quase desaparecido de cena e dos meios de comunicação. Assumir o controle do protesto e direcioná-lo para confrontos de rua era uma oportunidade demasiado tentadora para deixar passar. Um debate tradicional não teria tido a mesma ressonância.
A Bienal, assim como as universidades, tem sido o epicentro de um protesto político como não se via há anos. O que acontece na Itália é apenas a força emotiva de Gaza ou há um redespertar do ativismo estudantil ao estilo de 1968 que ergue a voz contra a Itália de Meloni?
Eu deixaria 1968 de fora. Nessa fase histórica há muito pouca criatividade nos movimentos estudantis. Mas que nos protestos convergem numa emoção sincera pelo trágico destino que os civis estão sofrendo em Gaza e pela possibilidade de reagir contra um governo de direita que na esquerda é muitas vezes descrito e vivido anacronicamente como a antecâmara do fascismo me parece ser uma hipótese bem fundamentada.
Numa entrevista ao La Stampa, a professora Bachelet observou que, se os estudantes usassem como medida para a colaboração universitária, o nível de democracia dos países parceiros não deveria se limitar a Israel. Isso também se aplica à Bienal, onde, por exemplo, para protestar contra a República Islâmica do Irã foram poucos artistas iranianos, e sem grande repercussão. A bandeira palestina é o meio e o antissionismo o objetivo?
É difícil comparar, tanto racional como emocionalmente, a repressão que noutros países sofrem os opositores com as dezenas de milhares de vítimas dos ataques do exército israelense em Gaza. A natureza desproporcional e indiscriminada da vingança pelo massacre de 7 de outubro tem uma sua singularidade, à qual se acrescenta a consciência de que nenhum outro Estado seria autorizado pela comunidade internacional a comportar-se dessa forma.
Antissionismo legítimo ou, como teme a comunidade judaica, antissemitismo disfarçado de luta anticolonial?
Há décadas, os governos e as mídias israelenses respondem às críticas pelo tratamento dispensado aos israelenses palestinos acusando-as de ocultar e alimentar opiniões antissemitas. Eu acredito que na grande maioria dos casos a situação não seja essa. Na origem dos protestos existe uma situação factual que vê, sobretudo graças à disseminação cada vez mais massiva dos assentamentos de colonos armados na Cisjordânia, a redução dos palestinos a prisioneiros numa prisão a céu aberto. Contra a qual é legítimo rebelar-se.
Os protestos contra Israel trazem sempre consigo protestos contra os Estados Unidos. Qual é ainda o peso o antiamericanismo na Itália? À esquerda, mas também à direita, onde a Primeira-Ministra Meloni assumiu uma postura atlantista em contraste com parte da sua história política, e precisamente por isso não apreciada por todos.
Como escrevi há anos num livro intitulado Contro l’americanismo, há décadas, tanto à direita como à esquerda, as velhas polêmicas contra o imperialismo EUA foram substituídas por uma aceitação quase incondicional da subordinação dos países europeus às estratégias decididas por Washington.
O antiamericanismo, no arco que vai da esquerda italiana aos Fratelli d’Itália, é uma lembrança do passado, ou um fragmento residual. Permanece vivo nos ambientes mais radicais, que, no entanto, não têm nenhum peso político.
A chamada cultura woke, que anima as universidades dos EUA desde o Black Live Matter, pode ser o símbolo do novo antiamericanismo?
A cultura woke é um puro produto de exportação do americanismo. Ou, dito de outra forma, uma forma alternativa de americanização. O que traz consigo, muito além da reivindicação de uma herança cultural específica da população de ascendência africana, uma enxurrada de instâncias particularistas, apresentadas como direitos de microgrupos sociais, destinadas a desagregar a identidade coletiva dos povos e das nações dentro dos quais se insinuam. O objetivo final do wokismo, apesar das aparências, é a afirmação de uma sociedade hiperindividualista.
Como avalia a resposta do governo que, partilhando a equação do Ministro Lollobrigida entre protesto e risco de terrorismo, usa mão de ferro contra os estudantes?
A equiparação com o terrorismo está completamente fora de lugar, mas o passado ensina-nos que em certas formas de protesto a prática da violência pode ultrapassar, em determinadas circunstâncias, os níveis de alerta. Os excessos de uma parte comportam os excessos de outra e é difícil encontrar um ponto de equilíbrio.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Falta criatividade, não é o novo 1968. O conflito dá impulso à ultraesquerda” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU