12 Dezembro 2023
Se o preço a ser pago pela própria segurança futura fosse o extermínio dos outros sobre a terra, nenhum Deus poderia ser invocado nos céus.
A opinião é de Raniero La Valle, jornalista e ex-senador italiano, em artigo publicado por Chiesa di Tutti, Chiesa dei Poveri, 08-11-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Com imensa dor, anunciamos-lhes que nenhuma criança nascerá neste ano em Belém no Natal. Além disso, nenhuma família não registrada ou árabe pode se deslocar de Nazaré para Belém, porque entre esta cidade e Jerusalém existe um muro de oito metros de altura que não pode ser atravessado sem uma espera de horas, passando por postos de controle geridos por colonos aguerridos e pelo exército.
Em Belém, além disso, na falta de hospedagem, não é possível ir dar à luz em uma gruta, porque existe o risco de ela ser inundada por bombas capazes de transportar milhares de metros cúbicos de água do mar, como se ameaça fazer no túnel de Gaza para matar aqueles que aí estão abrigados, sejam eles livres ou reféns.
É também um tempo inadequado para dar à luz, porque não se sabe que futuro poderão ter os bebês trazidos ao mundo, já aos primeiros choros, porque as incubadoras podem se desligar repentinamente ou mais tarde, porque podem acabar no meio de um massacre de inocentes, como acontece em Gaza, onde, segundo a organização internacional Save the Children, mais de 3.257 crianças já perderam suas vidas, um número superior ao de crianças mortas em conflitos armados em nível global em mais de 20 países ao longo de um ano inteiro; e elas também correriam esse risco em Israel, onde morreram 29, e na Cisjordânia, onde morreram 33 crianças.
Também não se pode tentar levá-las a salvo fugindo para o Egito, porque não se pode atravessar a passagem de Rafah, e o Egito não as quer. E também para as outras crianças não se sabe que futuro terão, se os adultos do sexo masculino se matarem uns aos outros em guerras sem sentido, que é o primeiro e verdadeiro crime do patriarcado.
Nessa situação, todas as Igrejas cristãs de Jerusalém decidiram que neste ano o Natal não será celebrado em Belém, as liturgias estão canceladas, as peregrinações estão interrompidas, porque não há condições, há pouco para celebrar.
No entanto, as crianças “são sagradas”, escreveu Liliana Segre em uma carta à comunidade judaica romana reunida na Piazza del Popolo para reagir a um antissemitismo de retorno que caminha de mãos dadas com a continuação do genocídio em Gaza. A senadora Segre escreveu: “O eterno retorno da guerra me faz me sentir prisioneira de uma armadilha mental sem saída, espectadora impotente, sofrendo por Israel, mas também por todos os palestinos inocentes, ambos presos na cadeia das violências e dos rancores. E não tenho soluções. E não tenho mais palavras. Só tenho pensamentos tristes. Sinto angústia pelos reféns e por suas famílias. Sinto pena de todas as crianças, que são sagradas sem distinção de nacionalidade ou de fé, que sofrem e morrem. Que pagam porque outros não souberam encontrar os caminhos para a paz”.
Na verdade, todos estão pagando, dentro e fora da Palestina, Gaza e Israel. Até mesmo os colonos, que, se quisessem ir para os Estados Unidos para fugir da guerra, não o poderiam fazer, porque os Estados Unidos decidiram não lhes dar os vistos devido ao que estão fazendo contra os palestinos junto com o exército.
O retorno do antissemitismo pode ser derrotado se ficar bem claro que o “inferno” (para usar as palavras da ONU) que tomou posse dos palestinos e de Gaza (com o risco de se expandir incontrolavelmente para a área do Mediterrâneo e ao mundo) não pode ser atribuído nem ao povo judeu como tal, nem à fé de Israel, nem ao messianismo do retorno à terra, porque, mesmo a partir de uma leitura fundamentalista das Escrituras, tal resultado não é compatível com a Torá e os Profetas.
Se o preço a ser pago pela própria segurança futura fosse o extermínio dos outros sobre a terra, nenhum Deus poderia ser invocado nos céus. O responsável, em vez disso, é apenas o Estado como instituição, seja Moloch ou Leviatã, como o monstro tomado como exemplo da Bíblia.
Revela-se, assim, a força profética do juízo que Primo Levi expressava em 1984 em uma entrevista a Gad Lerner, na qual ele dizia estar convencido de que “o papel de Israel como centro unificador do judaísmo” deveria ser invertido, retornar para fora de Israel, “retornar entre nós, judeus da diáspora, que temos a tarefa de lembrar aos nossos amigos israelenses que ser judeu significa outra coisa. Conservar zelosamente o filão judaico da tolerância”.
Se os monstros se desafiam a ponto de ameaçarem Beirute e o sul do Líbano de que acabarão com Gaza e com Khan Yunis, ninguém pode ser cúmplice e se confundir com eles.
Essa é a mudança profunda que se requer do Estado de Israel e de sua relação com os outros judeus e com os povos, e também da nossa concepção selvagem de Estado, se quisermos que o antissemitismo seja erradicado em sua raiz e que o mundo possa encontrar a paz.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Este Natal em Belém. Artigo de Raniero La Valle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU