31 Outubro 2023
O caminho rumo a uma “narração dinâmica” da Igreja Católica, reaberto solenemente pelo Concílio Vaticano II, deve traduzir as propostas em constituições sinodais capazes de uma síntese nova.
O comentário é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma. O artigo foi publicado por Come Se Non, 30-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O relatório de síntese da primeira sessão da XVI Assembleia do Sínodo dos Bispos abre um enorme “canteiro de obras eclesial”, sobre o qual, pelo menos durante um ano, serão lidas as palavras “obras em andamento”. Como já estava claro no momento da escolha de uma “dupla assembleia”, esta passagem de 2023 teve como resultado a transformação do Vetus Instrumentum laboris em um Novum Instrumentum laboris. A produção de decisões, como era inevitável, foi adiada para o próximo ano, depois do debate eclesial, que voltará do centro para a periferia e encontrará um novo impulso e novas argumentações.
A organização do texto do relatório de síntese em três partes e 20 capítulos oferece um quadro muito amplo de matérias em torno das quais, em sua maior parte, se reconhece que é preciso refletir ainda. O “status quaestionis” elaborado nessas 20 partes apresenta sempre um andamento tripartite: convergências, divergências e propostas.
Não há deliberações, mas sim algumas orientações claras: acima de tudo, o estilo da “conversa no Espírito”, que permitiu identificar cuidadosamente a complexidade das questões e articular de forma ampla. O resultado desse amplo debate é, por sua vez, um documento preparatório. Aqui, evidentemente, a coerência entre método e resultado exigirá, na fase posterior, um método diferente para obter não “constatações”, mas sim “deliberações”.
Um sintoma dessa passagem necessária está precisamente na “duplicação” do Instrumentum laboris, que corre o risco de se repetir ad infinitum. Certamente, não é inútil uma reorganização dos temas nos 20 capítulos, com as escutas cruzadas que ocorreram nas sessões de preparação. Mas é certo que o estilo do texto elaborado privilegiou a síntese sapiencial à dinâmica profética. Fique claro que a passagem tinha uma necessidade intrínseca, podia e devia criar um estilo de debate que, partindo de baixo, elaborasse quadros interpretativos das questões individuais, muitas vezes excessivamente dominadas pelo tema da “sinodalidade”, que no texto às vezes parece ser a luz a partir da qual cada questão pode encontrar uma solução. Na realidade, trata-se de uma “forma eclesial” que constitui apenas o horizonte, necessário, mas não suficiente, para entrar de modo correto e propositivo nas dinâmicas históricas e no diálogo com as consciências dos sujeitos.
O que surpreende no documento produzido é uma composição singular entre a “graça da experiência” e o “trabalho de aprofundamento”. A graça é um traço que une todas as ressonâncias escritas e orais dos membros sinodais envolvidos. Mas seu trabalho produziu, além de um estilo eclesial novo, textos de identificação imponente de um novo trabalho necessário.
O teor argumentativo é muito pálido, quase como um “status quaestionis”: é como a instrução do caso, mas o “respondeo dicendum” é sempre sistematicamente adiado em 365 dias. A técnica tem as suas razões, mas deve fazer com que se perceba imediatamente que cada estação tem seu estilo. E que, por isso, esse estilo da escuta, que começou em 2021 e que continuou na primeira assembleia, terá de ser integrado por novas lógicas (de debate sobre as argumentações e de elaboração das deliberações), sem as quais a lógica da constatação não será substituída pela lógica da deliberação.
À primeira vista, nenhum dos 20 capítulos escapa dessa lógica do adiamento agraciado com um suplemento de trabalho. Uma análise detalhada, por enquanto prematura, só pode ser substituída por pequenas sondagens. Que revelam tarefas urgentes e inadiáveis, com a providencial oportunidade de um “prazo final” muito curto: outubro de 2024. Assim, paradoxalmente, aquilo que não foi feito em 60 anos poderá/deverá ser recuperado em 11 meses! Uma grande profecia eclesial, posta à prova pelo tempo que se tornou breve, quase de repente.
A luz do Concílio Vaticano II deverá se tornar mais brilhante neste próximo ano. Eis um primeiro olhar para essas dinâmicas urgentes ao longo de todo o espectro dos temas abordados.
Já no primeiro ponto, sobre a noção de sinodalidade, as propostas (RS 1p, q, r) indicam o necessário aprofundamento em nível teológico, canônico e com a reforma do código de direito canônico. Aqui fica evidente que o regime argumentativo, mesmo no “estilo sinodal”, ainda não adquiriu uma clareza linear própria, nem teológica nem canônica.
O mesmo vale para a relação entre Tradição e sinais dos tempos, que parece estagnada em 1963 e exposta como questão e não como uma oportunidade (RS 2f): aquilo que o Concílio Vaticano II havia elaborado como resposta reaparece aqui ainda como uma simples pergunta.
Além disso, parece ser singular o fato de a sinodalidade poder ser o efeito de uma compreensão unitária da iniciação cristã (RS 3g) ou do significado teológico da Crisma (RS 3i); o mesmo vale para o tratamento do tema dos pobres; entre essas propostas destaca-se sobretudo a difusão da “doutrina social” (RS 4n).
Depois, há toda a secção do diálogo inter-religioso e interconfessional (RS 5-7): a exigência de novas linguagens e paradigmas na relação entre fé e cultura (RS 5n) se une à tarefa de estudo por comissões mistas (teológicas, históricas e canônicas) entre tradição oriental e ocidental (RS 6j), e pede-se um aprofundamento teológico, canônico e pastoral análogo para a “hospitalidade eucarística” (RS 7i).
Como é evidente, a referência das questões é bastante detalhada, mas o recurso à argumentação para responder é integralmente diferido para outra data.
Um andamento semelhante emerge do exame dos sujeitos individuais da Igreja sinodal. Acima de tudo, na identificação da Igreja como “missão”, a demanda de aprofundar em geral a relação entre carismas e ministérios (RS 8i) põe ao trabalho do próximo ano a árdua tarefa de uma palavra esclarecedora e que oriente rapidamente a Igreja não só a reconhecer as questões, mas também a resolvê-las.
O mesmo vale para o tema “mulher”, sobre o qual o relato das posições sobre o papel das mulheres e sobre seu acesso ao ministério ordenado parece ainda permanecer condicionado por uma compreensão da tradição como museu intocável, e ao tema do sujeito feminino ordenado como fruto de uma “perigosa confusão antropológica” (RS 9j). Também aqui a renúncia à argumentação teológica e a apresentação no mesmo nível das diferentes “posições” adia a tarefa ao trabalho seguinte, “se possível” até o ano que vem (RS 9n).
O mesmo vale para os religiosos e as religiosas (RS 10), para os diáconos e presbíteros (RS 11), para os bispos (RS 12) e para o papa e o colégio episcopal (RS 13): todos são relidos em perspectiva sinodal, com pedidos de revisão canônica e teológica de procedimentos importantes, como por exemplo a possível obrigatoriedade da nomeação de conselhos consultivos. Sobre o tema do “celibato” obrigatório, em analogia com o que foi dito sobre a ordenação da mulher, a ausência de argumentações remete apenas a um aprofundamento futuro, sem mais especificações.
A terceira parte, que se intitula “Tecer laços, construir comunidades”, parte da questão da “formação”, que se concentra na formação dos ministros, com uma reavaliação da Ratio fundamentalis indicado como devida e orientada à sinodalidade (RS 14).
Depois segue-se o capítulo 15, que parece ser o menos definido de todo o texto e quase uma pura referência a uma tarefa integralmente diferida. O título “Discernimento eclesiástico e questões abertas” já demonstra o constrangimento em relação ao tema. Seu conteúdo se encontra indicado de forma genérica: “Os efeitos antropológicos das tecnologias digitais e da inteligência artificial, da não violência e da legítima defesa, das problemáticas relativas ao ministério, dos temas ligados à corporeidade e à sexualidade e outros ainda” (RS 15b).
Aqui, deve-se observar uma perspectiva diferente no critério de consideração das questões em comparação com as límpidas palavras claras do Vaticano II, que na Gaudium et spes 46 diz para se prosseguir “à luz do Evangelho e da experiência humana”. O texto sinodal, em vez disso, diz: “Para desenvolver um autêntico discernimento eclesial nestes e em outros âmbitos, é necessário integrar, à luz da Palavra de Deus e do Magistério, uma base informativa mais ampla e um componente reflexivo mais articulado. Para evitar se refugiar na comodidade das fórmulas convencionais, deve-se fazer um debate com o ponto de vista das ciências humanas e sociais, da reflexão filosófica e da elaboração teológica” (RS 15c).
A luz vem somente da Palavra de Deus e do Magistério, enquanto os dados são “base informativa”. Entende-se bem a exigência, mas a fórmula conciliar é mais avançada do que a proposta (apenas provisoriamente) nesse texto. A expressão também se repete na única proposta, bastante genérica, que encerra o capítulo, em que se afirma: “Propomos promover iniciativas que permitam um discernimento partilhado sobre questões doutrinais, pastorais e éticas controversas, à luz da Palavra de Deus, do ensinamento da Igreja, da reflexão teológica e valorizando a experiência sinodal” (RS 15k).
Os últimos números (RS 16-20), dedicados à escuta e ao acompanhamento, ao cotejo com o ambiente digital, aos agrupamentos de Igrejas e à relação entre o Sínodo dos Bispos e a Assembleia Eclesial, também apresentam um perfil propositivo reduzido demais e um nível argumentativo extremamente tímido.
Diante de um texto de reelaboração de um “instrumento de trabalho” em outro “instrumento de trabalho” podemos ficar perplexos. A passagem não foi em vão. Mas pede agora uma mudança de estilo e uma lógica sinodal diferente.
Por um lado, de fato, um caminho de reconhecimento recíproco, interno à Igreja, deve ser visto como uma passagem necessária, mas não suficiente, se não levar a um ato de reconhecimento das realidades complexas com as quais a Igreja se encontra caminhando. Uma Igreja que verdadeiramente sai não pode pensar que o mundo, tal como se apresenta, é apenas o fruto de uma “moda passageira”. Por isso, é preciso acrescentar à abordagem sapiencial, que dominou com razão até agora, um traço profético, que parece simplesmente diferido pelo relatório de síntese. Uma profecia diferida corre o risco de manter a Igreja certamente abrigada, mas também fechada.
Por outro lado, para criar consenso sobre pontos delicados, mas decisivos, é preciso oferecer razões mais fortes, mais profundas e mais convincentes. A simples enumeração de “posições diferentes” não dá razão das argumentações nas quais as posições se assentam e do horizonte eclesial e espiritual que as alimenta. Não ter o instinto de rebater é uma virtude a ser amadurecida, mas que pode degenerar em vício se a orientação comum for paralisada pelo jogo das opiniões diferentes.
A dinâmica do Espírito, com sua liberdade, cria espaço para novas visões abrangentes, capazes de integrar as identidades e de pôr em movimento novas formas de reconhecimento. Há coisas novas, há “sinais” que ensinam à Igreja novas linguagens e novas formas de anúncio. O caminho rumo a uma “narração dinâmica” da Igreja Católica, reaberto solenemente pelo Concílio Vaticano II, deve traduzir as propostas em constituições sinodais capazes de uma síntese nova.
Sem uma forte mediação teológica, isso será impossível. O trabalho de preparação, que certamente custou muito esforço, pede um estilo novo e uma linguagem deliberativa, que interprete a tradição, permitindo que a luz da Palavra e a da experiência humana, em uma nova síntese original, permitam à Igreja reconhecer o bem existente e dar nome ao bem possível, quando sai de si mesma, como seu Senhor lhe pede.
O canteiro de trabalho está aberto. E tem prazo final. Estes talvez sejam os dois elementos mais importantes do texto recém-aprovado.
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De um Instrumentum laboris a outro: as constituições sinodais diferidas. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU