02 Outubro 2023
A terceira guerra mundial em pedaços já está em curso e envolve a natureza. As quatro vias da conversão e do respeito ecológico. A questão da justiça ambiental. Há pouco tempo para não perder a oportunidade.
Os conceitos e as reflexões principais, a espinha dorsal da Exortação Apostólica 'Laudate Deum', que será publicada em 4 de outubro na solenidade de São Francisco de Assis, podem ser encontrados na Mensagem do Santo Padre em 1º de setembro passado, por ocasião do Dia Mundial de Oração pela Criação.
A mensagem do Papa Francisco foi editada por Il Sismografo, 01-10-2023.
(1) Ser justo em toda situação
Deus deseja que a justiça prevaleça, sendo essencial para nossa vida como filhos à imagem de Deus. Essa justiça deve emergir onde for necessária, não se escondendo profundamente ou evaporando como água antes de poder nos sustentar. Deus deseja que cada um busque ser justo em toda situação, esforçando-se sempre para viver de acordo com Suas leis e, assim, possibilitar que a vida floresça plenamente.
(2) Justiça e paz
Quando buscamos primeiramente o reino de Deus, mantendo uma relação justa com Deus, a humanidade e a natureza, então a justiça e a paz podem fluir como um fluxo inesgotável de água pura, nutrindo a humanidade e todas as criaturas. Imersos na criação, há outro batimento que podemos ouvir, o materno da terra. Assim como os batimentos dos bebês, desde o ventre, estão em harmonia com os das mães, para crescermos como seres humanos, precisamos ajustar os ritmos da vida aos da criação que nos dá vida. [1]
(3) A natureza é um templo
Neste Tempo da Criação, reflitamos sobre esses batimentos cardíacos: o nosso, o das nossas mães e avós, o batimento do coração da criação e o coração de Deus. Hoje, eles não estão em harmonia, não batem juntos em justiça e paz. Muitos são impedidos de se alimentar desse poderoso rio. Ouçamos, portanto, o apelo para ficar ao lado das vítimas da injustiça ambiental e climática e encerrar essa guerra insensata contra a criação.
(4) A guerra contra a criação
Vemos os efeitos dessa guerra em muitos rios que estão secando. "Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos", disse uma vez Bento XVI [2]. O consumismo voraz, alimentado por corações egoístas, está perturbando o ciclo da água do planeta. O uso desenfreado de combustíveis fósseis e o desmatamento estão causando aumento nas temperaturas e sérias secas.
(5) A água saqueada e transformada em mercadoria
Assustadoras escassezes de água afligem cada vez mais nossos lares, desde pequenas comunidades rurais até grandes metrópoles. Além disso, indústrias predatórias estão esgotando e poluindo nossas fontes de água potável com práticas extremas, como fraturamento hidráulico para extração de petróleo e gás, projetos de megaextração descontrolada e criação intensiva de animais. "Irmã água", como São Francisco a chama, está sendo saqueada e transformada em "mercadoria sujeita às leis do mercado" (Laudato Si', 30).
(6) Agir a tempo, agora, pode garantir que não percamos a oportunidade
O Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (IPCC) afirma que ação urgente pelo clima pode garantir que não percamos a oportunidade de criar um mundo mais sustentável e justo. Podemos e devemos evitar as piores consequências. "Há muito o que podemos fazer!" (ibid., 180), se, como muitos riachos e córregos, no final nos unirmos em um rio poderoso para irrigar a vida de nosso maravilhoso planeta e de nossa família humana para as gerações futuras. Unamos nossas mãos e tomemos medidas corajosas para que a justiça e a paz fluam por toda a Terra.
(7) O que os crentes podem e devem fazer?
Como podemos contribuir para o rio poderoso da justiça e da paz neste Tempo da Criação? O que podemos fazer, especialmente como igrejas cristãs, para curar nossa casa comum para que ela volte a transbordar de vida? Devemos decidir transformar nossos corações, nossos estilos de vida e as políticas públicas que governam nossas sociedades.
(8) As quatro vias da conversão e do respeito ecológico
Primeiramente, contribuímos para esse rio poderoso transformando nossos corações. Isso é essencial para iniciar qualquer outra transformação. É a "conversão ecológica" que São João Paulo II nos exortou a realizar: a renovação de nossa relação com a criação, para que não a consideremos mais como um objeto a ser explorado, mas sim como um presente sagrado do Criador. Em seguida, percebemos que uma abordagem global exige que pratiquemos o respeito ecológico em quatro vias: em relação a Deus, aos nossos semelhantes de hoje e do futuro, a toda a natureza e a nós mesmos.
9) Papa Ratzinger: Criador e Redentor
No que diz respeito à primeira dessas dimensões, o Papa Bento XVI identificou uma necessidade urgente de compreender que Criação e Redenção são inseparáveis: "O Redentor é o Criador, e se nós não anunciarmos Deus nesta sua grandeza total – de Criador e de Redentor – tiraremos valor também da Redenção" [3]. A criação refere-se ao misterioso e magnífico ato de Deus de criar este majestoso e belo planeta e este universo a partir do nada, e também ao resultado dessa ação, ainda em curso, que experienciamos como um presente inesgotável. Durante a liturgia e a oração pessoal na "grande catedral da criação" [4], lembramos o Grande Artista que cria tanta beleza e refletimos sobre o mistério da escolha amorosa de criar o cosmos.
(10) Pecados ecológicos
Em segundo lugar, contribuímos para o fluxo deste poderoso rio transformando nossos estilos de vida. Começando com a profunda admiração pelo Criador e pela criação, devemos nos arrepender dos nossos "pecados ecológicos", como adverte meu irmão, o Patriarca Ecumênico Bartolomeu. Esses pecados prejudicam o mundo natural e também nossos irmãos e irmãs.
(11) Uso moderado de recursos
Com a ajuda da graça de Deus, adotemos estilos de vida com menos desperdício e consumo desnecessário, especialmente onde os processos de produção são tóxicos e insustentáveis. Devemos ser o mais conscientes possível de nossos hábitos e escolhas econômicas, para que todos possam prosperar: nossos semelhantes, onde quer que estejam, e também as gerações futuras. Colaboremos na contínua criação de Deus por meio de escolhas positivas: utilizando recursos de forma moderada, praticando alegre sobriedade, reciclando e recorrendo a produtos e serviços cada vez mais disponíveis que sejam ecologicamente e socialmente responsáveis.
(12) Ricos e pobres
Finalmente, para que o poderoso rio continue fluindo, devemos transformar as políticas públicas que governam nossas sociedades e moldam a vida dos jovens de hoje e do futuro. Políticas econômicas que favorecem riquezas escandalosas para alguns e condições de degradação para muitos determinam o fim da paz e da justiça. É evidente que as nações mais ricas acumularam uma "dívida ecológica" (Laudato Si', 51). [5]
(13) Fim dos combustíveis fósseis
Os líderes mundiais presentes na COP28, que acontecerá em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro deste ano, devem ouvir a ciência e iniciar uma transição rápida e justa para encerrar a era dos combustíveis fósseis. De acordo com os compromissos do Acordo de Paris para mitigar o risco do aquecimento global, é um contrassenso permitir a contínua exploração e expansão de infraestruturas para combustíveis fósseis. Levantemos a voz para deter essa injustiça contra os pobres e nossos filhos, que sofrerão os piores impactos das mudanças climáticas. Faço um apelo a todas as pessoas de boa vontade para agir de acordo com essas orientações sobre a sociedade e a natureza.
(14) Igreja sinodal deve ser fonte de vida para a casa comum
Da mesma forma, como uma bacia hidrográfica com seus muitos afluentes grandes e pequenos, a Igreja é uma comunhão de inúmeras igrejas locais, comunidades religiosas e associações que se alimentam da mesma água. Cada fonte acrescenta sua contribuição única e insubstituível, até que todas se fundam no vasto oceano do amor misericordioso de Deus. Assim como um rio é fonte de vida para o ambiente ao seu redor, a nossa Igreja sinodal deve ser fonte de vida para a casa comum e para todos os que nela habitam.
*Veja aqui o texto completo em vários idiomas.
[1] Homilia junto do Lago de Sant’Ana (Canadá 26/VII/2022).
[2] Homilia por ocasião do Início Solene do seu Ministério Petrino (24/IV/2005).
[3] Diálogo com o clero na Catedral de Bressanone (06/VIII/2008).
[4] Mensagem para o Dia Mundial de Oração pelo Cuidado da Criação (21/VII/2022).
[5] "Com efeito, há uma verdadeira 'dívida ecológica', particularmente entre o Norte e o Sul, ligada a desequilíbrios comerciais com consequências no âmbito ecológico e com o uso desproporcionado dos recursos naturais efetuado historicamente por alguns países" (Carta enc. Laudato si’, 51).
[6] Homilia junto do Lago de Sant’Ana (Canadá 26/VII/2022).
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Principais reflexões da Exortação Apostólica Laudate Deum do Papa Francisco, que será publicada em 4 de outubro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU