06 Setembro 2023
"Não há muito o que dizer sobre Deus, Deus nem sempre foi uma boa notícia, Jesus o tornou uma boa notícia para nós, Evangelho", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 04-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Às vezes percebo o quanto os cristãos têm a palavra “Deus” nos lábios: falam com frequência e sobretudo o tornam uma presença obsessiva na sua existência. Tendo recebido uma formação cristã desde pequeno sobre os Evangelhos e não sobre outros percursos, sempre percebi uma diferença em relação a essa maneira de testemunhar a fé: Jesus quase nunca mencionava Deus, “falava de muitas coisas em parábolas”, dizem os Evangelhos, e nunca entregava fórmulas, verdades codificadas ou doutrinas para aqueles que o ouviam.
Quando queria falar de Deus, a primeira preocupação de Jesus era torná-lo uma “boa notícia” (evangelho), para que resultasse uma imagem diferente daquela preparada pelos sacerdotes e doutores da lei. Jesus desmascarava os rostos perversos de Deus, aqueles que o homem forja para si à sua imagem e semelhança, e quando falava apresentava um rosto diferente, humaníssimo, que não encantava, nem seduzia, nem aterrorizava, mas era um rosto cotidiano, aquele que nós procuramos, desejamos e encontramos na relação de amor. Porque para Jesus Deus era acima de tudo o Amor, um amor que nunca deve ser merecido, mas é oferecido para que o homem e a mulher vivam em plenitude e sejam felizes.
Jesus nunca nomeava Deus, não estava ansioso por evocá-lo e falar dele.
Nas parábolas podemos dizer que encontramos palavras paradoxalmente “não religiosas” que evocam realidade concretas e eventos terrenos, cotidianos: uma figueira que brota com a chegada do primeiro calor, uma mulher que coloca fermento na massa para fazê-la fermentar, um pai que espera pelo filho que estava perdido, um agricultor que semeia trigo com esperança, um pastor que perdeu uma ovelha e vai procurá-la... Narrativas em que Deus não é protagonista, mas apenas um dos personagens que contribui na história para mostrar a lógica do Reino de Cristo.
Quando eram feitas perguntas sobre Deus a Jesus, ele não entregava fórmulas catequéticas, nem entediava com dogmas, mas tentava ler uma possível resposta na vida humana. As pessoas diziam que o escutavam "porque ele não falava como os escribas nem como os doutores da lei - todos entendidos em letras – mas com exousia, com autoridade”, aquela força que vem de ter vivido, pensado, meditado sobre uma situação real. Jesus não recorria ao extraordinário, ao sobre-humano e nunca tinha atitudes que demandavam aplausos. Acima de tudo, nunca colocava barreiras entre ele e os outros.
O movimento do Deus que se faz carne aconteceu nele de uma vez por todas e a sua qualidade de Filho de Deus era presente numa humanidade cotidiana e limitada como as nossas. A sua carne era humana, a sua palavra era a palavra de homem, o seu amor solidário por nós era grande. Para aqueles se reconhecem como seus discípulos, Jesus é o Salvador, o Filho de Deus, mas para aqueles que não são cristãos ainda é possível conhecê-lo como um irmão que amou até o fim e lutou pela liberdade de cada homem e de cada mulher até sofrer a morte violenta.
Por isso não há muito o que dizer sobre Deus, Deus nem sempre foi uma boa notícia, Jesus o tornou uma boa notícia para nós, Evangelho!
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Jesus e o Deus de rosto humano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU