31 Agosto 2023
O Vaticano usa os seus canais oficiais para jogar água na fogueira das novas polêmicas entre Kiev e a Santa Sé, que explodiram após algumas declarações de Francisco. “Nas palavras de saudação dirigidas de improviso a alguns jovens católicos russos nos últimos dias, como fica claro no contexto em que ele as proferiu, o Papa pretendia encorajar os jovens a preservar e promover tudo o que há de positivo na grande herança cultural e espiritual russa, e certamente não exaltar lógicas imperialista e personalidades governamentais, citadas para indicar alguns períodos históricos de referência". A declaração do porta-voz Matteo Bruni pretende ser um “esclarecimento” – como o define o site Vatican News – sobre as reflexões do Pontífice expressadas no final de uma videoconferência, no último dia 25 de agosto, com os jovens participantes da "Jornada da Juventude” russa. Depois de reiterar o convite para ser “semeadores de sementes de reconciliação”, Jorge Mario Bergoglio disse aos jovens que “vocês são os herdeiros da grande Rússia, dos santos, de Pedro I, de Catarina II, daquele império grande e iluminado, um país de grande cultura e grande humanidade”.
A reportagem é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 30-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fumaça nos olhos dos líderes políticos e religiosos de Kiev, que acusam o Papa de “propaganda imperialista”, por ter elogiado o passado russo. O arcebispo maior Sviatoslav Shevchuk, chefe da Igreja Greco-Católica, expressou preocupação, temendo que tais palavras possam alimentar “o imperialismo e o nacionalismo extremo russo, a verdadeira causa da guerra na Ucrânia.
Teremos a oportunidade de nos encontrar com Sua Santidade e apresentar-lhe as dúvidas e a dor do povo Ucraniano". Enquanto para o embaixador ucraniano junto à Santa Sé, Andrii Yurash, “é impossível aceitar ideias que justifiquem o imperialismo russo".
Também expressa “dor” a Conferência Episcopal, com o presidente, Monsenhor Vitalij Skomarovski. Contudo, o Prelado exorta a não enfatizar as “declarações individuais” do Papa, mas lembrar o apoio à Ucrânia que Francisco demonstra diariamente.
Enquanto a Nunciatura de Kiev, com Monsenhor Visvaldas Kulbokas, garante que o Bispo de Roma “é um convicto opositor e crítico de qualquer forma de imperialismo ou colonialismo, em todos os povos e situações”.
As reações russas são diametralmente opostas. O porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov – citado pela agência de notícias Tass - aplaude abertamente: “O Pontífice conhece a história russa, e isso é muito positivo. A nossa herança não se limita a Pedro ou Catarina, é muito mais antiga”. A função “do Estado, da sociedade, dos professores das escolas e das universidades é levar esse patrimônio para as massas. Que o Papa fale em uníssono com essa função é muito gratificante”. E Maria Zakharova, porta-voz do Ministério do Exterior, comunica que o “diálogo” entre Moscou e a Santa Sé “continua”; a Rússia “aprecia muito a linha equilibrada do Vaticano sobre o conflito na Ucrânia e os esforços da Santa Sé e do Papa Francisco pessoalmente para buscar uma solução pacífica que, infelizmente, são abertamente rejeitados pelo regime de Kiev”.
Este não é o primeiro incidente diplomático que abala as relações entre o Vaticano e a Ucrânia desde o início do conflito no Leste Europeu. Houve uma dura controvérsia sobre a Via Sacra no Coliseu na Sexta-feira Santa de 2022, pela presença entre as famílias que carregavam a cruz de uma russa e uma ucraniana, ligadas pela amizade entre duas mulheres. Os protestos ucranianos foram veementes.
Entre maio e junho seguintes, outras fibrilações foram provocadas pela consideração do Papa sobre os "latidos da OTAN à porta da Rússia", expressa numa entrevista ao Corriere della Sera e explicada numa entrevista ao diretor da Civiltà Cattolica, padre Antonio Spadaro, antecipada por La Stampa: "Alguns meses antes do início da guerra me encontrei com um chefe de estado, um homem sábio. Ele me disse que estava muito preocupado pelo movimento da OTAN. Perguntei-lhe porquê e ele respondeu: ‘Estão ladrando às portas da Rússia. E não entendem que os russos são imperiais e não permitem que nenhuma potência estrangeira se aproxime deles’. Ele concluiu: ‘A situação poderia levar à guerra’. Essa era a sua opinião. Em 24 de fevereiro, a guerra começou. Aquele chefe de Estado soube ler os sinais do que estava acontecendo”.
Depois, um ano atrás, se registraram fortes tensões depois que o Pontífice comentou o assassinato de Darya Dugina, filha do ideólogo russo: “Penso naquela pobre garota que foi explodida por uma bomba que estava sob o assento do carro em Moscou. Os inocentes pagam pela guerra, os inocentes!". O protesto imediato de Kiev culminou com a convocação do Núncio.
Além disso, ontem Francisco voltou a definir a guerra na Ucrânia como “insensata”.
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A Guerra Fria do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU