12 Julho 2023
“Pequim e Washington afirmam que estão trabalhando para que haja uma aproximação diplomática. Mas a verdade é que em relação ao desenvolvimento da tecnologia mais avançada do século XXI, a distância que separa os dois países é cada vez maior”, avalia a jornalista Amy Hawkins, em artigo publicado originalmente por The Guardian e reproduzido por El Diario, 06-07-2023. A tradução é do Cepat.
Na quinta-feira, a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, chegou a Pequim com o objetivo de atenuar as tensões e fortalecer os laços econômicos entre as duas superpotências. Um dos temas prioritários da agenda é como lidar com a incipiente guerra entre a China e os Estados Unidos em torno dos chips.
A viagem de Yellen ocorre após o chefe da diplomacia estadunidense, Antony Blinken, visitar a China. Também busca melhorar a comunicação, depois que um balão chinês foi visto nos céus dos Estados Unidos e derrubado, em fevereiro passado.
Apesar do desejo de uma aproximação diplomática das duas partes, a competição pelo desenvolvimento de tecnologia de ponta entre as duas superpotências não dá sinais de diminuir.
Na segunda-feira, Pequim gerou um clima hostil antes da viagem de Yellen ao estabelecer restrições à exportação de dois minerais que, segundo Washington, são essenciais para a produção de semicondutores e outras tecnologias avançadas. Dois dias depois, o tabloide estatal chinês Global Times afirmou que “não há motivos para que a China siga esgotando seus recursos minerais, só para evitar que persiga o desenvolvimento tecnológico”.
As medidas ocorrem em um momento em que o governo de Joe Biden, supostamente, dispõe-se a ampliar as restrições à venda de microchips avançados para a China.
Washington está preocupado com duas coisas: primeiro, que o Exército de Libertação Popular da China (ELP) possa superar o estadunidense em termos de poder total; segundo, que possa usar a tecnologia estadunidense para isso.
O presidente chinês, Xi Jinping, ordenou que o exército se torne um corpo “de primeira classe” até 2049, centenário da chegada ao poder do Partido Comunista Chinês. Para isso, é necessário desenvolver armas autônomas, incluindo mísseis hipersônicos, e utilizar a inteligência artificial para diversas aplicações, como a guerra eletrônica.
Não está claro em que medida a China está próxima de alcançar seu objetivo. De acordo com o relatório anual do Departamento de Defesa dos Estados Unidos sobre o poder militar chinês, o Exército “busca alcançar capacidades de combate de última geração (...), definidas pelo uso ampliado de inteligência artificial e outras tecnologias avançadas em todas as fases da guerra”.
Embora a China seja líder mundial em determinadas aplicações de inteligência artificial, como o reconhecimento facial, sua indústria nacional ainda não é capaz de produzir os semicondutores mais avançados que impulsionam essas tecnologias. Por isso, as empresas chinesas e o Exército dependem das importações para adquirirem os chips avançados. E os Estados Unidos querem fechar a torneira das importações.
Em outubro, o governo Biden impôs amplos controles à exportação, direcionados a limitar o acesso da China aos semicondutores de origem estadunidense e seus produtos relacionados. As empresas e indivíduos chineses não podem mais comprar chips avançados e tecnologia de fabricação de chips de fornecedores estadunidenses, sem que o vendedor obtenha uma licença específica das autoridades estadunidenses.
Os Estados Unidos reforçaram esses controles, em janeiro, fazendo com que a Holanda e o Japão freassem as exportações de tecnologia usada na produção de chips. Os dois países estavam na mira porque possuem as tecnologias de fabricação de chips mais avançadas do mundo, incluindo a da holandesa ASML. A empresa é a única capaz de fornecer equipamentos de fotolitografia por scanner de última geração, usados para gravar circuitos minúsculos em bolachas de silício.
Em 30 de junho, a Holanda confirmou que seus controles de exportação entrarão em vigor em 1º de setembro.
Jake Sullivan, conselheiro de segurança nacional de Biden, afirma que as restrições estão pensadas para proteger as tecnologias fundamentais com um “pequeno quintal e uma cerca alta”. Xi e outros altos membros do Partido Comunista da China acusam os Estados Unidos de uma estratégia de “contenção” ao estilo da Guerra Fria.
Jensen Huang, CEO da Nvidia, uma das principais fabricantes de chips do mundo, afirmou que as restrições podem causar “danos enormes” à indústria de tecnologia. Entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2023, a receita dessa empresa procedente da China e Hong Kong caiu quase 20%.
Nos últimos meses, a Nvidia começou a oferecer para compradores chineses um chip menos avançado, o A800. Contudo, as novas restrições que estão sendo consideradas por Washington afetariam até mesmo este.
As empresas chinesas também se viram afetadas. Segundo dados da Administração Geral de Alfândegas da China, nos primeiros cinco meses deste ano, as importações de chips caíram quase 30% em relação ao mesmo período de 2022.
A reação de Pequim foi irada, no mínimo. O Diário do Povo, jornal oficial do Partido Comunista, acusou os Estados Unidos de “contenção e repressão”. Em maio, o ministro do Comércio, Wang Wentao, pediu ao Japão que abandonasse seus controles de exportação, ressaltando a “firme oposição” da China às medidas.
Pequim também proibiu que os chips fabricados pela empresa estadunidense Micron sejam usados em projetos de infraestruturas críticas, em uma medida vista como represália às restrições estadunidenses.
No entanto, as empresas chinesas seguem ávidas por chips de última geração e estão usando técnicas criativas para contornar os controles de exportação. Algumas alugam chips ou os compram por meio de intermediários, segundo o jornal Financial Times. Por sua vez, há um florescente mercado paralelo de semicondutores contrabandeados.
Os Estados Unidos querem acabar com essas brechas e ampliar o alcance das restrições. Além de restringir a venda dos chips A800 da Nvidia, o governo Biden avalia restringir o aluguel de serviços na nuvem utilizados por algumas empresas para se esquivar das normas. Espera-se que a Holanda também amplie o alcance de suas restrições à exportação.
Pequim e Washington afirmam que estão trabalhando para que haja uma aproximação diplomática. Mas, a verdade é que em relação ao desenvolvimento da tecnologia mais avançada do século XXI, a distância que separa os dois países é cada vez maior.
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Guerra dos chips: por que os semicondutores bloqueiam a relação entre Estados Unidos e China - Instituto Humanitas Unisinos - IHU