23 Junho 2023
Quando anunciado no Rock in Rio de 2017, o plano foi chamado de “a maior restauração florestal tropical do mundo” pela organização Conservação Internacional (CI). O objetivo era ambicioso: a CI, juntamente com o governo brasileiro e várias ONGs, comprometeu-se a plantar 73 milhões de árvores em cinco estados da Amazônia brasileira, abrangendo 30 mil hectares em 93 locais, com áreas variando de 0,1 a 573 hectares. “Este é um projeto incrivelmente audacioso”, disse na época M. Sanjayan, CEO da Conservation International. “O destino da Amazônia depende de fazermos isso corretamente.”
A reportagem é de Jeremy Hance, publicada por Mongabay, 14-06-2023. A tradução é de Thaissa Lamha.
A CI e seus parceiros se comprometeram a concluir o projeto em seis anos. Ou seja, até o final de 2023. Isso não será possível: até o momento, a ONG cumpriu menos de 20% de sua promessa. Segundo os restauradores, o projeto foi prejudicado por dois problemas-chave: a pandemia de covid-19 e Jair Bolsonaro.
“Não antecipamos o contexto político, a mudança na liderança nacional”, diz Miguel Moraes, diretor-sênior da Conservação Internacional Brasil, referindo-se à eleição de Bolsonaro em 2018. Desde o momento em que assumiu o cargo de presidente no início de 2019, Bolsonaro começou a desmantelar as proteções ambientais do Brasil e a abrir a Amazônia para o desmatamento, agricultura e mineração, o que resultou em um aumento maciço do desmatamento em todo o bioma. Durante seus quatro anos como presidente, o desmatamento aumentou em quase 60%.
“Durante a administração [Bolsonaro], outras medidas de conservação foram priorizadas pelos governos subnacionais (estaduais e municipais) antes da implementação das ações de restauração”, diz Moraes. “Atrasos adicionais, é claro, foram causados pela pandemia e pelas restrições de viagem relacionadas.”
Como regra, as florestas tropicais não costumavam queimar no passado, mas a Amazônia enfrentou secas sem precedentes nos últimos anos — especialmente durante o governo Bolsonaro. Embora o agravamento das mudanças climáticas e do desmatamento, resultando em uma floresta tropical mais seca, tenha contribuído significativamente para a intensificação dos incêndios, a grande maioria dos incêndios na Amazônia brasileira é provocada por proprietários de terras e invasores que desmatam para limpar a floresta e abrir espaço para usos mais lucrativos da terra, como pastagens de gado e áreas de cultivo.
O projeto de reflorestamento da CI perdeu 2.700 hectares de floresta natural em regeneração devido a incêndios em 2021 em uma reserva de uso sustentável conhecida como Reserva Extrativista Rio Preto Jacundá, no estado de Rondônia. Moraes afirma que essa perda prejudicou ainda mais seu objetivo, “pois esperávamos que esses hectares já estivessem incluídos em nossa contabilidade.”
Embora seja de grande porte, o projeto da CI — que também conta com a parceria do Ministério do Meio Ambiente, do Fundo Global para o Meio Ambiente (Global Environment Facility ou GEF), do Banco Mundial, do Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e do Amazonia Live — representa apenas uma pequena parte do compromisso assumido pelo Brasil em 2016. Na ocasião, o país se comprometeu a restaurar 12 milhões de hectares de floresta como parte do Desafio de Bonn, um acordo global para a restauração de ecossistemas degradados e desmatados.
O sucesso do projeto da CI também contribui para as metas climáticas do Brasil estabelecidas no âmbito do Acordo de Paris, que incluem um compromisso fundamental de reduzir drasticamente o desmatamento e promover o reflorestamento, com o objetivo de alcançar a neutralidade de carbono até 2060. É importante ressaltar que, de acordo com a ciência atual, o reflorestamento previsto no Acordo de Paris pode incluir plantios de novas árvores, que armazenam menos carbono do que as florestas nativas. No entanto, todas as regenerações da CI são feitas com espécies nativas e não são consideradas plantações florestais.
Moraes afirma que o projeto concluído irá armazenar de 200 mil a 300 mil toneladas métricas de carbono. Além disso, ele destacou que o armazenamento de carbono é apenas um dos objetivos: os parceiros também têm a intenção de incrementar a biodiversidade, impulsionar as economias locais por meio do plantio de espécies nativas com valor econômico e reduzir os custos de reflorestamento.
O projeto depende de múltiplos métodos de restauração. Um dos principais é a regeneração natural assistida de florestas, na qual os restauradores preparam uma área para a regeneração natural. Esse método está sendo utilizado em terras públicas. Nos trópicos, sob as condições adequadas, isso pode ocorrer de forma relativamente rápida: cerca de dois a quatro anos, de acordo com Moraes.
“Reservar áreas para regeneração natural pode ser uma abordagem muito econômica, mas apenas em locais onde ainda há potencial de regeneração natural”, diz Moraes, observando que isso corresponde a cerca de 80% das áreas em que estão trabalhando.
Outra técnica importante é um método experimental conhecido como muvuca. Nesse caso, os restauradores utilizam o termo para se referir às sementes. Simplificando, eles semeiam uma grande quantidade de sementes nativas misturadas em um só local e observam o que cresce. O método foi desenvolvido pelo povo Xavante, habitante de Mato Grosso.
Esse método é muito mais econômico do que plantar árvores uma a uma, e Moraes diz que parece estar funcionando. A CI está adotando esse método ao trabalhar em terras privadas.
“Estamos observando um rendimento de árvores três vezes maior do que nossas estimativas iniciais”, disse ele em um post no blog da CI. “Em vez de 3 milhões de árvores crescendo em 1.200 hectares, como esperávamos, estamos estimando 9,6 milhões de árvores na mesma área. Esse resultado é bastante promissor e nos traz esperança para enfrentar o desafio de reduzir os custos de restauração e viabilizar a restauração em larga escala.”
Moraes conta que os parceiros utilizam atualmente 170 espécies de plantas nativas na restauração por muvuca, ajudando a garantir a biodiversidade e o armazenamento de carbono. “Elas germinam em momentos diferentes, imitando o processo natural. As árvores de crescimento rápido aparecem mais cedo”, disse ele. “As de crescimento mais lento vêm depois. Uma vez que as árvores começam a crescer e a atrair animais, o processo gradualmente se acelera.”
Mauricio Bianco, vice-presidente sênior da CI Brasil, acrescentou que o método da muvuca pode trazer benefícios sociais e melhorar a segurança alimentar, ao mesmo tempo em que melhora as economias locais, o que também é um objetivo do projeto.
Se o projeto for bem-sucedido, todos os 73 milhões de árvores podem fazer mais do que armazenar carbono, aumentar a biodiversidade e auxiliar os meios de subsistência locais. A floresta restaurada pode ajudar a proteger a Amazônia e evitar que ela chegue a um ponto de inflexão, com o risco de se tornar, de modo irreversível, uma savana.
O projeto, focado no Arco do Desmatamento da Amazônia, pode ajudar a restaurar e proteger a borda sul fragmentada da floresta tropical, cujo armazenamento de carbono é vital para evitar impactos acelerados das mudanças climáticas. O arco se estende por todo a Amazônia Legal, marcando uma linha aproximada de demarcação entre a floresta tropical intacta e áreas que foram amplamente degradadas ou desmatadas, em terras cruzadas por estradas, convertidas em pastagens e áreas de cultivo.
Com o aumento do desmatamento e o agravamento das mudanças climáticas, há uma crescente preocupação de que partes da Amazônia possam atingir um ponto de inflexão no qual uma prolongada e intensa seca transforme a floresta tropical – o lugar mais biodiverso da Terra – em uma savana degradada. As áreas de gramíneas armazenam muito menos carbono do que a floresta tropical, e a morte de tantas árvores – e a liberação relativamente rápida de seu carbono na atmosfera – prejudicaria não apenas o Brasil, mas agravaria as mudanças climáticas na América do Sul e no resto do mundo.
Os pesquisadores temem especificamente pela região sudeste da Amazônia brasileira, que já perdeu 31% da floresta. Eles concordam que a perda de 20 a 25% de toda a Amazônia é o limite crucial do ponto de inflexão. No entanto, ninguém pode afirmar com certeza quando exatamente esse ponto irreversível será alcançado. Só saberemos depois de tê-lo ultrapassado – e será tarde demais para voltar atrás.
Projetos de reflorestamento em larga escala, como o liderado pela CI, têm o potencial de fornecer barreiras contra uma Amazônia cada vez mais seca e iniciar a restauração do que foi perdido. Contudo, é necessária uma expansão muito maior do reflorestamento, e com urgência, para reverter as tendências atuais de desmatamento.
“O único caminho para evitar o ponto de inflexão na Amazônia é por meio da ampliação das intervenções de restauração”, diz Moraes. “O desmatamento avança para o norte à medida que os recursos naturais são esgotados e as atividades econômicas deixam de ser atrativas. Mas se pudéssemos transformar o Arco de Desmatamento em um arco de restauração paisagística, poderíamos envolver as comunidades locais, governos e empresas em um ciclo virtuoso de prosperidade.”
Um dos desafios de trabalhar no Arco do Desmatamento é a segurança, ou a falta dela. Nessa região volátil, por vezes violenta e sem lei, conservacionistas e restauradores precisam enfrentar madeireiros ilegais e grileiros de terras – incentivados por um ex-presidente cujas palavras incendiárias denegriram os povos indígenas e o meio ambiente, e cuja administração retirou o financiamento dos órgãos ambientais e negligenciou a fiscalização. A situação ainda pode se tornar mais violenta.
Diante disso, Moraes afirma, o projeto desenvolveu uma “relação próxima” tanto com as autoridades locais e comunidades, quanto com especialistas em segurança. “Mas sabemos o quão perigoso pode ser o trabalho. Muitos colegas enfrentaram encontros desafiadores no campo com madeireiros ilegais e grileiros de terras.”
Os funcionários da CI que trabalham nessas áreas recebem “treinamento de conscientização em segurança”, afirma Phillip Horne, diretor-sênior de Segurança Global da CI. Isso inclui “ajudá-los a identificar sinais de riscos crescentes, o que fazer em cenários específicos e garantir que tenham contatos com a polícia local e líderes para fornecer apoio e informações.”
É claro que uma das principais ameaças na região não é para as pessoas que trabalham lá, mas sim para o ecossistema que estão tentando restaurar. E a maior ameaça ainda é o fogo. Horne diz que, para combater incêndios, os restauradores constroem barreiras corta-fogos e “também possuem algum equipamento de combate a incêndios”. A CI não fornece “segurança formal para áreas recém reflorestadas”, mas depende das relações com a polícia local e as comunidades.
“Acreditamos que a presença de pessoas, especialmente comunidades locais, e a aparência de que essas áreas estão sendo cuidadas, são a melhor forma de desencorajar o desmatamento. As pessoas que estão desmatando tendem a escolher terras que parecem abandonadas”, explica Horne. Isso evidencia mais um desafio: áreas reflorestadas não podem simplesmente ser plantadas e abandonadas para crescerem sozinhas – elas devem ser nutridas e protegidas.
“É importante considerar a restauração como um processo de longo prazo”, diz Moraes. “A intervenção é apenas o primeiro passo. Garantir a permanência e direcionar a sucessão natural para oferecer funcionalidade ao ecossistema é provavelmente o maior desafio. Além do plantio, precisamos envolver as comunidades [locais], garantir um ambiente institucional favorável e monitorar e manter as intervenções em paisagens em constante mudança.”
Mas os objetivos valem o trabalho, de acordo com Moraes, mesmo levando em conta os vários contratempos enfrentados pelo projeto: “Com policiamento e os incentivos econômicos adequados, poderíamos reverter a tendência de desmatamento e evitar o ponto de inflexão.”
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Pandemia, Bolsonaro e incêndios atrasaram o mais ambicioso projeto de reflorestamento da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU